Quando a conivência e o vil metal falam mais alto, pouco importa a vida

por Sulamita Esteliam

Os mortos se contam às centenas na conta que a Vale um dia ainda há de pagar. Oficialmente já se soma 169 vítimas fatais do derrame de lama de rejeitos da mineradora em Brumadinho. Todas identificadas.

A procura por desaparecidos continua, mas a essa altura não há qualquer vislumbre de possibilidade de alguém das 141 pessoas “desaparecidas ou sem contato” possa estar viva. 

Eufemismos não empanam a realidade.

Nesta quarta, 20, atingidos de toda a bacia do Paraopeba estarão com o juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Autarquias para cobrar decisão judicial que force a Vale pagar pelos seus crimes.

A empresa se recusa a arcar com as consequências do desastre na vida da população atingida, que não se restringe a Brumadinho, mas alcança todas as populações do entorno da Bacia do Paraopeba, totalmente contaminado: São Joaquim de Bicas, Mario Campos, Betim, Esmeraldas, Pará de Minas, Pompéu, Três Marias…

A vale se comporta do mesmo modo que agiu com a população atingida pelo estouro da barragem da Samarco/BHP/Vale em Bento Rodrigues, distrito de Mariana. Lá morreram 19 pessoas.

Em Brumadinho, já são quatro reuniões sem qualquer acordo, e na última, dia 18, a empresa sequer enviou representantes.

Crianças e adultos de Córrego do Feijão, que moram perto da lama, já apresentam feridas na pele, decorrência da contaminação por metais pesados. Primeiro aparecem bolhas, que estouram e viram feridas.

Sintomas idênticos aos que acometeram as populações de Mariana, Barra Longa e toda a Bacia do Rio Doce, lembra o MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens. O MAB apoia os moradores das localidades atingidas pelo massacre ou ameaçadas pela possibilidade de rompimento de outras barragens em outros municípios.

Tais relatos me fazem voltar no tempo em que era criança migrando para a adolescência. Conheço na pele esses sintomas. Durante seis anos sofri com algo semelhante. Carrego no corpo várias cicatrizes, ainda hoje.

Cresci sob a poluição da Siderúrgica Mannesmann, na periferia oeste de Belo Horizonte. Num tempo em que não havia exigência de filtros nas chaminés do alto-forno, que descarregavam fumaça tóxica e fuligem sobre o bairro criado para abrigar o operariado.

Enquanto isso, as populações de Barão de Cocais, na Região Central de Minas, e Macacos/Nova Lima, também na região Metropolitana de Belo Horizonte, permanecem em estado de alerta, sob ameaça de rompimento das barragens Gongo Soco e Mar Azul, todas de responsabilidade da Vale.

São 439 pessoas alojadas em hotéis, pousadas e casa de parentes, enquanto a mineradora segue ignorando suas necessidades, seus direitos.

É o poder do dinheiro que sempre fala mais alto, desde que o mundo é mundo. 

Compartilho texto do colega jornalista mineiro, Paulo Mourão, que atuou muitos anos em questões ambientais. Testemunho vivo de como funciona o sistema que envolve mineradoras e empresas poluentes, poder público, mídia e políticos.

Impera a conivência. O interesse próprio – o vil metal – é a chave para que  tudo e nada aconteça.

Fecho a postagem com um vídeo da TV Afiada, do Paulo Henrique Amorim. Tudo a ver com o texto do xará Mourão, no bom sentido.

por Paulo Mourão – no Facebook

Mineração, Meio Ambiente e fiscalização. Mariana, Brumadinho, Barão de Cocais, Macacos, Nova Lima. A Vale privatizada e Minas na lama. Choro e respeito a dor das vítimas e parentes.

Muitas coisas me incomodam. Tristeza justificada. Morrer repentinamente não deve ser fácil. Será que a agonia é muito grande? Será que os soterrados pela lama da Vale do Rio Doce em Brumadinho e Mariana tiveram consciência do que acontecia? Entenderam o que se passava? Muitos sim, muitos não. Uma agonia muda toma conta de mim. Imagino os gritos, desespero e dor das vítimas.

Atuei muitos anos nas questões ambientais. Primeiro como repórter do jornal Estado de Minas. Tive muitas brigas com chefes, conheci a traição de superiores e colegas ligados a empresas infratoras. Adoeci muitas vezes e descobri que o alcoolismo, do qual me livrei em 1997, tinha esse pano de fundo: indignação.

Para aí.

Comprovei a falta de escrúpulos de famosa associação ambiental de Minas Gerais. Ela denunciava para, logo depois, fechar acordo em que, engenheiros contratados por ela voltassem garantir o funcionamento da infratora. Exemplo claro foi a Mineração Rio Verde. Denunciei, em 1994, que ela se prestava a receber o rejeito da MBR e tinha aval da tal Associação.

A matéria sofreu vários cortes por interferência de editores e colegas “especialistas”. Sete anos depois, a barragem de rejeito da Mineração Rio Verde, na estrada de Macacos (MG), cedeu. Morreram sete pessoas e os danos foram grandes.

Público

Em 1995, fui convidado para assumir a Diretoria de Controle Ambiental de BH-MG, governo Patrus Ananias. Fora o serviço diário, na coordenação do trabalho de 169 engenheiros, físicos, químicos, biólogos, geólogos, pessoal administrativo, fiscais, entre outros, representei a Prefeitura de Belo Horizonte no COPAM – Conselho de Política Ambiental do Estado de MG. Era da Câmara de Poluição Industrial.

As reuniões eram semanais. Relatei processos da CENIBRA – Celulose Nipo-Brasileira, também da Mineral do Brasil e outras tantas. Éramos sete conselheiros. Apenas eu e o representante da FUNDACENTRO (órgão ligado a Saúde do Trabalhador) não éramos diretores de grandes indústrias e federações a exemplo da Fiemg – Federação das Indústrias de MG, Cia Belgo Mineira, Mannesman… Fui derrotado sucessivamente em meus pareceres. Meu único relatório aprovado e acatado permitiu o fechamento da Mineral do Brasil, na Serra dos Três Irmãos, divisa de Bom Jardim com Brumadinho.

Artifício de Extorsão

Muitos colegas de jornal se transformaram em “especialistas ambientais”. Ganharam prêmios, receberam comendas, montaram suas empresas de consultoria ambiental e tiveram grande projeção e lucros. Não sei o que fazem da vida hoje. Compactuaram apenas com o capital. Meio Ambiente era só um artifício para extorquir.

Alguns recebiam da ABRACAVE – Associação Brasileira de Carvão Vegetal. Outros da Cenibra, da Acesita, da Associação Mineira de Supermercados – Amis. Bastava boicotar o programa do PT de alimentação a baixo custo….

Atrito

Em 1990 descubro, sem querer, que o IBAMA-MG estava sob intervenção federal. Sigilo total. Corro para lá. Investigo e apuro o desvio de milhões em recursos de reflorestamento via Fiset. Na cabeça da lista, o ex-superintendente do IBAMA em Minas, Franscisco de Paula Castro Filho. Na época ele presidia o IEF – Instituto Estadual de Florestas. Me esmero, faço o texto e por mais de dois meses o material fica na gaveta do editor.

Procuro fontes diversas, uma delas, a tal associação de defesa ambiental. A presidenta pede cópias dos documentos em que me baseava, confio, repasso. Em poucas horas me diz para procurar um diretor do IEF. Vou, converso. O cidadão desfaz do material. Depois fico sabendo ser o marido da presidenta ambientalista, cupincha do acusado.

Os braços longos da conivência

Um dia, o interventor federal do IBAMA me liga: “será que vou ter de te dar um prêmio de Meio Ambiente para a matéria ser publicada”? Fiquei envergonhado, o procurei. Expliquei que meu chefe achava que faltavam dados, que a matéria estava incompleta. O interventor pergunta o nome do meu editor. Digo e ele se espanta. Abre a gaveta, puxa uma lista de “funcionários” de instituições envolvidas no desvio de recursos e lá estava o nome do editor safado. Ganhava umas três vezes o seu salário no jornal, defendendo a ABRACAVE.

(Importante: meu editor nessa época não era o jornalista Carlos Cobra de quem fui amigo até o dia de sua morte. Carlos há uns três meses passara a editar a primeira página).

Volto a redação, insisto na publicação e sujeitinho chefe gritou, ameaçou, acusou. Reagi, gritei e recorri ao editor-geral. Não fui demitido por interferência da amiga de infância, jornalista Edméia Ferreira Passos.

Na noite do fato, ela bebia com o editor-geral. Sem saber de nossa amizade, ele comentou com ela sobre um repórter novo, muito indignado, que estivera em sua sala naquela manhã. Ela, ouvindo a história, me identificou imediatamente e deu minha ficha. Não fui demitido. O editor-geral disse que poderia ir para qualquer outra editoria. Me recusei e passei seis anos sobre a marcação do imbecil do editor vendido.

Chorando minério de ferro

Crises nunca faltaram. Na prefeitura de BH-MG, um processo contra a Mannesman e a MBR, se arrastava por oito anos. Crime: depósito irregular de rejeito de minério em Olhos DÁ´gua. Eram quilos e quilos de papel. Autuações, notificações, defesas e protelação sem fim.

Por todo esse tempo, anualmente, nos períodos de chuva, moradores dos bairros vizinhos, na região do Barreiro, em BH, viam suas casas inundarem, vasos sanitários transbordarem. O minério das pilhas de rejeito, mal acondicionado, descia, invadia as galerias pluviais, com transtornos sem dimensão.

Analisei os processos. Recebi a comunidade em meu gabinete, Mannesman e MBR mandaram advogados. Ao final, mandei autuar novamente, dei os prazos legais e, em 1996, apliquei multas de R$ 300 mil em cada uma das empresas. Um ano e meio depois, já com novo secretário de Meio Ambiente, um jornalista de história em Minas, as multas foram anuladas. Sob muitas pressões e atritos constantes com o famoso jornalista-secretário, pedi exoneração em 1998. 

 

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