Performance para o Grito dos Excluídos no Recife – Foto: Divulgação
por Sulamita Esteliam
Dentre as muitas performances que tradicionalmente acontecem durante o Grito dos Excluídos no Recife, neste 7 de Setembro, uma certamente vai ganhar visibilidade na mídia: um grupo de 30 pessoas vestidas de preto e mascaradas com a bandeira do Brasil vendando os olhos, a respiração e a palavra.
É a tradução em arte, teatral, da farsa do patriotismo para esfumaçar os desmandos, a truculência e o fascismo que imperam no país. Verdadeira tragédia que sufoca e paralisa.
É também uma resposta à convocação do capiroto a apoiadores para que vistam verde e amarelo no Dia da Independência. Boia para um desgoverno em naufrágio.
A resposta vem dos estudantes: todos de preto, um revival de 1992, quando Fernando Collor tentou seu último recurso antes da renúncia e do impeachment, apesar de…
Os caras-pintadas, como se autodenominou a massa estudantil que ganhou as ruas do país à época, aceleraram o desfecho de um governo em decadência, de cujos desmandos seus patrocinadores queriam se livrar.
Cantei esta bola no Twitter, tão logo vi a notícia da convocação desta feita. De tão óbvio, chega a deixar santo desconfiado. Nunca se sabe o que está por trás das capirotices galopantes deste desgoverno alucinado.
A ver no que vai dar.
Por falar em manipulação e desespero, topei com o artigo abaixo, sobre o assunto, na Fórum. Bem interessante, compartilho:
A tragédia e a farsa
por Daniel Trevisan Samways – na Revista Fórum
Se a história se repete como farsa, talvez dessa vez ela possa ser uma porta aberta para o enfraquecimento real do governo, dessa tragédia na qual mergulhamos

Foto: Reprodução/Blog do Noblat
“A gente apela para quem estiver em Brasília, quem porventura estiver no Rio de Janeiro, em São Paulo, que compareça de verde e amarelo. Eu lembro lá atrás que um presidente disse isso e se deu mal. Mas não é o nosso caso. O nosso caso é o Brasil, não é para me defender ou defender quem quer que seja. É para mostrar ao mundo que aqui é o Brasil, que a Amazônia é nossa”.
Este pronunciamento foi feito por Bolsonaro na última terça-feira (3), e guarda muitos paralelos com o ex-presidente Fernando Collor de Mello. No dia 13 de agosto de 1992, quando a crise começava a ganhar força contra o então presidente, Collor pediu, em tom ufanista, que as pessoas vestissem verde e amarelo no domingo seguinte para demonstrar união em torno da nação e na defesa de seu governo.
Ao contrário do que esperava, milhares de jovens usaram preto e impulsionaram o movimento conhecido como “caras pintadas”. O chamado em torno das cores da bandeira acabou se voltando contra o presidente, fortalecendo um amplo movimento popular que acabou por enfraquecer a base de apoio do primeiro presidente eleito depois da redemocratização. No dia 21 de agosto de 1992, uma manifestação com aproximadamente 100 mil pessoas tomou a Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro.

Foto: Reprodução/Arquivo/Fotos Públicas
Em pouco tempo, o governo, que contava com a adesão de vários setores sociais e o grande apoio da elite econômica do país, viu sua popularidade evaporar por conta do fracasso dos planos econômicos, do confisco da poupança e dos casos de corrupção em torno de seus apoiadores, principalmente de Paulo César Farias. Quase dois meses depois de pedir para que a população vestisse verde e amarelo, Collor foi afastado da presidência e acabou renunciado em dezembro, um dia antes da votação do impeachment no Senado.Veja também: Bernie Sanders reafirma que seguirá lutando por Lula Livre se for presidente, veja vídeo
A fala de Bolsonaro pode ser vista como uma tentativa de unir a população em torno de valores e símbolos nacionais, a independência e a bandeira, em um momento que seu governo sofre um rápido processo de desgaste. Bolsonaro é o presidente mais mal avaliado em começo de mandato desde a redemocratização, mais do que o próprio Collor.

Foto: Rogério Melo/PR
Mas o que o gesto de Bolsonaro pode representar? Ele pode ter o mesmo fim de Collor?
As recentes falas de Bolsonaro, com uma clara elevação do tom e da radicalização, sinalizam que o governo está acuado e que ensaia uma reação, almejando reforçar e ampliar sua base mais fiel de apoio.
Historicamente, governos apelam para símbolos nacionais e para um passado mítico e idealizado em momentos de crise. Tais símbolos cumprem o papel de reforçar identidades e a união do povo em torno da nação. Os próprios termos “povo” e “nação” são carregados de sentido e em cenários de radicalização são instrumentalizados pelos detentores do poder.
“A nossa bandeira jamais será vermelha”, “o povo brasileiro”, “a nação verde e amarela” são expressões recorrentes na política nacional e sempre visam criar uma homogeneização da sociedade, reforçando a dicotomia “nós, os amantes da pátria” e o “eles, inimigos do país”. É uma pressão.
Aqueles que não se empolgam, que não vestem a camisa com as cores da bandeira – que, diga-se de passagem, remetem ao Império, as casas de Bragança (verde) e dos Habsburgo (amarelo) – podem ser vistos como traidores e inimigos. Uma outra questão se impõe: Bolsonaro tem força para isso? A resposta, a meu ver, é não.
Ainda é cedo para dizer que Bolsonaro terá o mesmo fim de Collor. Ele conta com o apoio de certos setores da elite empresarial, que almejam reformas ainda mais profundas, de parte das Forças Armadas e conserva um certo apoio social. Sua rejeição é significativa, mas seu núcleo mais radical não é pequeno.
Por outro lado, Bolsonaro vai sendo cada vez mais encurralado por denúncias que envolvem seu grupo familiar, índices econômicos medíocres, problemas sociais, crise na Amazônia e uma tensão diplomática nunca antes vista em nossa história. Não podemos esquecer suas constantes ameaças aos partidos da oposição, minorias e movimentos sociais. Nunca tivemos um presidente tão beligerante em diferentes frentes.
Provavelmente milhares de pessoas irão vestir amarelo no próximo dia 7 de setembro, mas talvez a oposição consiga encher as ruas com pessoas vestindo preto.
Se a história se repete como farsa, talvez dessa vez ela possa ser uma porta aberta para o enfraquecimento real do governo, dessa tragédia na qual mergulhamos. Veremos.
*Daniel Trevisan Samways é doutor em História e professor no Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM)