Novos tempos, dias estranhos, tempo e vida presentes…

Em meio à caminhada, um passarinho veio me dizer bom-dia… – Foto: SE
por Sulamita Esteliam

Um dia de cada vez. Mais do que nunca, é assim que tenho, temos, vivido. Hoje, por exemplo, experimentei botar a cara na rua pela terceira vez após a reabertura das atividades aqui no Recife – que segue em declínio no número de infectados pelo coronavírus.

É um alívio num Brasil que ultrapassa 1,5 milhão de pessoas contaminadas  – 1.501.353 casos registrados – e mais de 60 mil mortos pela Covid-19 – 61.990 óbitos, 1.271 nesta quinta-feira, 2 de julho, segundo o levantamento do consórcio de imprensa.

Ainda não fui à praia, a demanda deve andar alta por lá, embora as barracas ainda não estejam liberadas. Minha filha me disse agora à noite, que tem gente jogando bola em grupo e até fazendo piquenique na areia.

Caminhei no parque ao lado de casa, pela primeira vez em 108 dias de recolhimento, quase que total. O corpo já estava começando a dar ferrugem, tamanha inação. A pele está transparente pela falta de sol.

Neste período sai apenas cinco vezes, por necessidade estrita, três delas no raio de um quilômetro do lar. Os outros dois dias, mais recentes, fui um pouco mais longe, sempre a pé, que é jeito mais seguro de circular em meio à pandemia.

Mas o povo parece que perdeu o medo das consequências. Não são poucas as pessoas que estão sem máscaras, ou as usam no queixo, como adereço inútil. Vi ônibus com passageiros em pé, coisa que, até onde sei, foge às regras de liberação progressiva.

Usei o banheiro de um supermercado, dia desses, e foi inevitável observar que nem todo mundo lava as mãos conforme o protocolo.

O parque hoje estava  vazio, talvez porque já fosse fim da manhã. Cruzei apenas com dois caminhantes que desviaram o percurso para não nos cruzarmos. Todos de máscara.

Mas os trabalhadores do local estavam todos sem proteção, tranquilamente batendo papo sob as árvores frondosas, já quase à hora do almoço. Responderam ao meu bom-dia!, com sotaque mineiro, com um “bom-dia” coletivo, com sotaque recifense – o “d” pronunciado com a língua nos dentes.

Um passarinho cortou minha trilha, penugem branca e preta, miúdo e serelepe. Reduzi os passos, saquei o celular para tentar capturar seu passeio. O encontro me fez bem. Passarinhos e borboletas me trazem boa sorte, sempre.

Não há vendedores de pipocas ou confeitos (balas), como antes da praga. Também o lugar da barraca de orgânicos, que ali se instala às quinta-feiras, estava vazio. Vender para quem?

As aulas seguem suspensas até, ao menos, 31 de julho. São cinco escolas anexas ao parque. Então, não há o costumeiro alarido dos jovens e crianças nos diferentes equipamentos e quadras esportivas. E as mães não se arriscam a levar os pequenos para brincar nos dois parquinhos instalados no local.

O portão de acesso à rua lateral, junto à pista de atletismo e ladeando o parque aquático, segue trancado. A única entrada permitida é pela portaria principal. E somente o portão para veículos fica aberto, para facilitar o controle.

Euzinha, paramentada com minha máscara #VazaPeste, especialmente feita por mim – onde o “S” estica o rabo em seta de serpente venenosa – nem causei espécie.

Por isso, à saída, resolvi esticar com uma volta completa no quarteirão antes de retornar à casa. Aí, sim, pude me divertir com a cara pouco amistosa de alguns homens com quem cruzei pelo caminho.

Novos tempos, dias estranhos. Até para gente como Euzinha, que sempre vivi o aqui agora. Amanhã, pode não haver mais…

Lembrei-me de Milan Kundera e o livro que ganhei, três exemplares, de presente no meu aniversário aos 31 anos. Um deles estava dedicado por um casal de amigos, assim: “À Sula e à sua insustentável leveza de ser…!”

Voltei para casa duvidando se vale à pena, mesmo, pensar além do que nos bole por dentro.

Aí, quando abro a plataforma para a acessar o A Tal Mineira e escrever estas mal traçadas linhas, me deparo com o texto do cearense, radicado em São Paulo, Arnóbio Rocha sobre esses tempos, a vida e o tempo presentes.

O tal do inconsciente coletivo é coisa séria…

Pandemia: A Generosidade Como Saída Humana!

A Desconstrução Humana imposta pela Pandemia. A necessidade do Renascer.
por Arnóbio Rocha – em seu blogue

“É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Por que se você parar pra pensar
Na verdade não há”
(Pais e Filhos – Legião Urbana)

A letra remete ao tempo presente, ao viver o dia como se fosse o último, como se não houvesse futuro, nem esperança, apenas a certeza do instante, a certeza(??) do passado. É uma filosofia de vida, dos rajneeshes, por exemplo.

O fato é que a maioria de nós vive de reminiscências do passado e/ou de pensar no futuro, de se plantar, de se trabalhar duro por uma “aposentadoria” tranquila, colher os frutos.

Pouco se vive o Hoje, o Momento, o Presente, por quê?

As razões são diversas, como as dores do cotidiano, das agruras e conflitos com a realidade de trabalho, com a necessidade de sobrevivência, de se pagar as contas, cada vez mais atrasadas, das obrigações de casa, dos relacionamentos, da crueza com que nos tratamos.

Essa pandemia nos trouxe uma realidade absolutamente desconhecida: A de que temos que Viver o Hoje, pois não se sabe se haverá o amanhã.

É uma mudança de paradigma, não imediatamente, mas de como será a vida dos que sobreviverem à Pandemia. Esse isolamento forçado, ainda que parcial, incompreendido, é uma pausa imposta que causa profunda comoção, traz ao dia a dia a ideia de que não somos invencíveis, que temos limites, próprios, ou de uma realidade coletiva.

Os relatos de traumas e surtos provocados pelo isolamento e/ou pelos efeitos nefastos nas suas vidas, advém das perdas de pessoas próximas ou distantes, da impotência diante de uma doença invisível, da vulnerabilidade exposta, da quase nenhuma saída financeira, de projetos, individuais ou coletivos.

Tudo isso forma o caldo de cultura objetivo da tragédia humana, nessa quadrada histórica.

Ao mesmo tempo, contraditoriamente, a pausa forçada é uma oportunidade de repensar a vida, o modo de vida, por qual razão temos pressa de se fazer tudo ao mesmo tempo, que redunda no nada existencial, a típica da alienação imposta pelo sistema que manda: Ocupe-se o máximo, não pense em nada, apenas faça (just do it)

Aos que têm consciência social, humana, política, um apelo: Temos que nos amar e nos perdoar, sermos generosos, acolher e dar colo, carinho. Somos poucos, não nos é permitido perder ninguém.

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