por Sulamita Esteliam
Dia desses, conversava com meu filho sobre a natureza humana e sobre Anjos. Euzinha sou do tipo que crê em Anjos e em seu poder de interferência em favor do reles ser humano.
Elgui me disse, com seu jeito de descrença, mas com endereço certo, que “esse negócio de anjo é meio complicado…!”
Sabia ao que ele se referia e respondi que o problema não é o Anjo, mas o anjo contrário. “Todos nós temos – ajuntei. – O que é preciso é mantê-lo sob rédias curtas. Sabe aquele capetinha que lhe cutuca para fazer malfeitos?”
Pois é… o avesso do Anjo.
Tem gente que só trabalha com o avesso. Esta aí o ser que posa de presidente do Brasil, e que Euzinha chamo de capiroto, que não me deixa mentir.
Ao que tudo indica, há milhares deles em ação no Brasil de agora. Parece que esqueceram aberta a porta do inferno… Valha-nos todos os Anjos e Arcanjos de plantão.
Em plano mais baixo, se é possível, exemplo disso aconteceu na minha Macondo de origem, Belo Horizonte, onde mora meu filho, e mais duas filhas e boa parte da minha família.
Alguém ateou fogo no sebo da calçada, na Av. do Contorno com Grão Mogol,na Savassi. Lá, um senhor – que agora sei, se chama Odilon – há anos vende obras preciosas a cinco reais o exemplar.
Que tipo de gente comete uma covardia dessas, absurdo sem tamanho? A resposta, meu bem, é simples: o ser humano.
E a polícia não faz nada? O criminoso agiu de madrugada e cobriu o rosto.É tudo que se sabe. Além do que, é um sebo de rua, de morador de rua. Agora, imagina se é numa mega-livraria!?
O amigo Paulo Nogueira, editor do caderno Pensar, do Estado de Minas, postou fotos do crime no Instagram, e abriu campanha por doações para o Odilon restabelecer seu negócio. A mineirada que quiser contribuir, pode ligar direto para o Odilon: 31-988408.6907.
Choveu doações.
Desde o episódio, triste e revoltante, Paulo tem usado seu perfil para nos atualizar do que acontece com o sebo da calçada. Plenamente recomposto, a mostrar que a humanidade também conhece solidariedade e generosidade.
Deixo o texto postado por Paulo Nogueira nesta sexta-feira, naturalmente que com sua autorização, gentileza que agradeço muitíssimo. As fotos também são de sua lavra e postagem na rede social.
Anjos e Demônios
por Paulo Nogueira – no Instagram
Livros, muitos livros jogados o lixo.
Ele não é um homem íntimo das letras. Nunca leu um livro inteiro. Mas todas aquelas histórias abandonadas entre sujeiras diversas o incomodam. Não são apenas papéis, são emoções contidas à espera de leitores para encantá-los.
E se eu juntasse os livros que acho todo dia no lixo e vendesse baratinho?
Assim pensa o catador de papel, que virou catador de papel na cidade grande, onde a vida se desembestou depois que veio do interior, se separou da mulher e foi viver na rua.
Um dia, então, abraçado a montes de livros, ele se estabelece numa ampla alçada na metrópole e passa a vender os livros que acha no lixo. O acaso não tem cultura e ali no chão estão juntos Machado de Assis e autores ruins, todos a R$ 5.
O tempo passa, o catador que virou livreiro e agora lê páginas aleatórias já tem clientela. Então, numa madrugada qualquer, uma alma insana coloca fogo nos livros. Tudo vira cinzas em minutos.
Mas a covardia e o desespero são vencidos pela solidariedade e pela esperança, que se multiplicam nas redes sociais. E assim, chove livro na calçada do livreiro. Mil, dez mil, vinte mil…
Com eles, porém, chegam os oportunistas que querem abusar da sorte do livreiro. Monopolizam a calçada como abutres, devoram tudo, se ele deixar.
E pior, o livreiro, entre centenas de acenos, também recebe propostas de vaquinhas virtuais com a condição de pagar comissão. São mais maléficos do que os abutres, são demônios virtuais.
O livreiro não é bobo, bate o pé. É pobre, não tem estudo no colégio, mas tem estudo na escola da vida. E tem dignidade também. Recebe com coração e braços abertos os anjos que o ajudam e fecha a cara e despacha os demônios sugadores que estão rondando sua fortuna literária.
Ele agora está de plantão. Diz que sabe quem é anjo e quem é demônio, porque a vida lhe ensinou.