por Sulamita Esteliam
O Estatuto do Idoso, Lei 10.741/2003, completou 17 anos nesse 1º de outubro, data celebrada, por conta disso como Dia do Idoso.
Criado para proteger os direitos das pessoas a partir de 60 anos, está entre as leis mais desrespeitada deste país em abandono.
Basta atentar para o que diz o Artigo 4º do Estatuto do Idoso para ver que não há qualquer exagero desta velha escriba:
Art. 4o Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.
§ 1o É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.
§ 2o As obrigações previstas nesta Lei não excluem da prevenção outras decorrentes dos princípios por ela adotados.
Sobre punição, seria preciso começar pelo capiroto-presidente. Sobretudo pela omissão, violação dos princípios sanitários, não aplicação adequada de recursos e inoperância durante a pandemia de Covid-19.
É certo que idosos são grupos de risco em qualquer lugar do Planeta, mas aqui no Brasil foram jogados às traças. especialmente os mais carentes – porque a classe média tem como se proteger.
Formam a maioria dos nada menos que 70% dos 145 mil 388 mortos por Covid-19, neste 02 de outubro – com subnotificação, com tudo.
Tudo isso sem falar no desvio de recursos que deveriam ser aplicados na contenção da praga.
Sabe-se agora, que nada menos que 7,5 milhões, por exemplo, foram destinados às obras da primeira dama em dobradinha com a des-ministra dos Direitos Humanos.
E fica tudo por isso mesmo. Isso aqui, ôô, é a casa da mãe Joana, ai,ai…!
Porque sexta é dia de Leitura Literária, o A Tal Mineira TV busca inspiração na conterrânea Adélia Prado: trechos do seu Manuscritos de Felipa, mais o poema Na Terra como no Céu, do livro Oráculos de Maio, que transcrevo mais abaixo.
Segue o vídeo postado lá no canal no Youtube – que aguarda sua visita, sua curtida e inscrição, obrigada.
Manuscritos de Felipa – trechos
por Adélia Prado*
“(…) Envelheço para trás, ideia consoladora, porque envelhecer para trás é voltar ao começo, ao lugar ageográfico onde se iria casar, ter filhos, uma casa com coisas minhas, quinquilharias de que poderia dispor como bem entendesse.
Tudo se cumpriu, não apenas meus seios.
Ninguém tira do lugar, por inadequado que seja, o quadro, o jarro, o relógio, sou a dona, governo a combinação dos legumes, decido entre carne e peixe, desembarco na plataforma onde uma mulher, sem se preocupar se a alça do sutiã está aparecendo, anuncia ao mundo: sei como se aquece uma casa.
Contudo me ronda, com desassossegado apetite, o demônio da tristeza, ronda à minha cata, à cata do mundo, certamente aliciando mulheres como eu, nos confundindo quanto a hormônios, palpites na criação dos netos, minando com maestria os muros do castelo. (…)”
“Preciso descobrir se é errado falar palavrões. É tão bom!Se for certo, nas horas de necessidade, é claro, possodispensar o travesseiro que já está furado de tanto eu dar murro nele.”
“Somos todos insuportáveis por causa do medo.”
“Ninguém me chame pra lugar nenhum. Minha viagem éem minha própria casa, grande demais pra meu gosto.Quero um quarto, preciso de um cômodo só, quero umacela, estou entrópica. ”
“Quero a verdade, mas não muito, não toda, por partes, se puder, em pequenos torrões. Com chá, por causa do medo que voltou, o deus terrível que me quer escrava e a quem temo deixar, com medo de morrer afogada pelo excesso de ar, viciada que estou em pequeninos gritos, suspiros abafados, lágrimas prestes a cair.”
“Minha libido está desaparecendo, a cara nojenta do medo dá o ar da sua graça. A velhaestá com medo e não existe chupeta pra anciãs.”
“Deus me abreviou os dias tormentosos. Me pôs em maio. Estou em maio. Tenho olhos de novo para moitas floridas margeando a estrada…”
*Manuscritos de Felipa, Siciliano, 1999
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Na Terra como no Céu
por Adélia Prado*
Nesta hora da tarde
quando a casa repousa
a obra de minhas mãos
é esta cozinha limpa.
Tão fácil
um dia depois do outro
e logo estaremos juntos
nas “colunas eternas”.
Recupera meu corpo
um modo de bondade
a que me torna capaz
de produzir um verso.
Compreendes-me, Altíssimo?
Ele não responde
dorme também a sesta.
*do livro Oráculos de Maio, Record/RJ,1999