O silêncio que incomoda e desperta

por Sulamita Esteliam

Há dias assim, como esse, em que todo o silêncio do mundo não é capaz de acalmar o coração, de aquietar o pensamento.

Há dias assim, como esse, em que todos os despertadores do mundo não são capazes de acordar para a justiça.

Há dias assim, como esses, em que dá vontade de parar o mundo para a gente descer, sem pressa.

Há dias assim, como esses, em que é preciso dosar a respiração, buscar fôlego como alimento.

Há dias assim, como esses, em que a alma se desmancha em pranto, e a luz fere os olhos, e a boca seca, e as pernas tremem, e o mundo desaba em medos e rancores.

Há dias assim, em que a saída pode estar em não fazer nada, dar trela à preguiça… para ver se a dor se cança de doer, depressa.

Vi, noite presente, o recado da Anistia Internacional para este 08 de dezembro, Dia Nacional de Jutiça.

“1000 dias, Sulamita. Desde o dia 14 de março de 2018, muita coisa aconteceu: Brasil perdeu a Copa do Mundo, aconteceram eleições presidenciais, testemunhamos o maior crime ambiental da história do país em Brumadinho, a criminalização da LGBTfobia e da transfobia foi aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), chegou a pandemia da COVID-19 e muitas outras coisas… Mas nesses 1000 dias, uma coisa não aconteceu: continuamos sem respostas para o brutal assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.  

Estamos desde o início cobrando respostas das autoridades. São muitas perguntas ainda sem s, o erem respondidas e a principal delas é quem mandou matar e o por quê. Se as autoridades preferem ficar em silêncio, nós seguiremos fazendo barulho. E você faz parte desta mobilização, Sulamita!  

Hoje, às 8h da manhã, colocamos mais de 500 de despertadores para tocar em frente à Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, local onde Marielle Franco trabalhava. É hora de acordar, autoridades! Criamos um ALARMAÇO para dizer que não vamos parar até obter justiça. “

08 de dezembro, dia da Imaculada Conceição, padroeira de tantas cidades, feriado em algumas, como Recife e Belo Horizonte.

Hoje caminhei pela praia bem cedinho, desviando das oferendas. A areia estava salpicada de flores, brancas e amarelas, de velas azuis pelo caminho.

É que, nesse dia, os recifenses celebram Iemanjá, e também Oxum.

Esse dia que me é tão dolorido, também por motivos pessoais. Hoje seria aniversário de duas Conceições, queridas, encantadas ano passado: Rosa e Maria, que amavam os Beatles e o mar, e a paz, e a luz onde repousam na eternidade.

Há 40 anos, morria John Lennon, em Nova Iorque, executado por um idiota maldito. Rosa nunca se conformou com o acaso sorrateiro levar seu ídolo, justo no dia de seu aniversário.

Lembro-me do dia em que John foi assassinado. Estava no caixa de uma pizzaria-bar-espaço cultural que mantive, em sociedade com meu ex-então-marido, no bairro em que cresci, em Beagá. 

Já era madrugada, aqui em Terra Brazilis. Ouvi a notícia pelo rádio, e tive que me refugiar na cozinha para chorar. Quando me acalmei, voltei para o balcão e rabisquei o poema abaixo, na bobina da máquina de calcular.

Localizei-o em meus alfarrábios e transcrevo. Agora deixa de ser inédito.

John Lennon, se vivo fosse, teria completado 80 anos em 9 de outubro deste ano – Foto: Divulgação Universal divulgação

Ecos de dezembro

John,
quando outubro vier,
você não estará conosco.
Como dezembro o levou,
como a paz o encontrou
pela bala de um revólver estranho.

Como o mundo, John,
em que a vida chega pela morte,
em que a paz é brinquedo da sorte
de quem quer se fazer notar…

Deve ser bom
morrer, assim, John.
Mesmo sem querer,
sem esperar…

O estampido guardado
num bolso idiota… e tal!

Ora vamos, John,
Não pode ser tão ruim, assim, para você!
Para nós, sim ou talvez…
Enquanto não percebermos
que você se fez imortal.

Tal qual essa roda-viva
de guerra e de paz, 
de vida e de morte,
de azar e de sorte,
de sonho que não chega.

Que sorte a sua, John!
Pelo menos você não ouve
o não definitivo à sua paz cantada.
Pelo menos você não vê
guerras e guerras deflagradas
– por aqueles que não são
tão sábios, ou idiotas,
como se fazem crer.

Como é a vida aí, John?
Encontrou a paz imaginada?
Ou ela é um sonho que se sonha só?

Sorte a sua, John: para você,
a vida apenas começou.

(Sulamita Esteliam – BH, 8-9.12.1980)

 

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