por Sulamita Esteliam
O furacão soprado do Palácio do Planalto para a Esplanada dos Ministérios abala Brasília e coloca o Brasil em estado de alerta, às vésperas do aniversário do golpe civil-militar que nos impôs 21 anos de ditadura.
O ponto nevrálgico, se é que se pode dizer assim, é a saída de três comandantes das Forças Armadas de uma só vez, sem troca de governo, inédita em 36 anos.
Mais do que a troca de seis ministros: Defesa, Relações Exteriores, Secretaria de Governo, Casa Civil, Advocacia Geral da União, Justiça – e ainda a pedido de demissão da secretária de Ensino Básico do Ministério da Educação.
Ora direis, trocar ministros é prerrogativa da caneta presidencial. Verdade. Uma única vez, atropelaram essa máxima, quando o STF, através do ministro Gilmar Mendes, impediu a posse de Luiz Inácio Lula da Silva no Ministério da Justiça da presidenta Dilma. Prenúncio do golpe travestido em impeachment sem crime de responsabilidade, em 2016.
A decisão é da trama que nos trouxe até o caos, agravado drasticamente pela pandemia mal-gerida, e não por incompetência, mas porque o genocídio é a meta.
O autoritarismo é uma herança maldita dos primórdios da República brasileira, e vez por outra nos revisita.
Como bem diz o colega Xico Sá em tuíte lapidar:
Daí o desassossego.
Passei o dia acompanhando o noticiário e as análises a respeito. Há quem acredite na tentativa desesperada de responder à debacle pessoal e política. Fera acuada, mas sem dentes, na avaliação de outro colega, Renato Rovai.
A oposição, parte dela, joga nesse time. Os arroubos do capiroto-presidente seriam sinais de fraqueza. Já que até o Mercado e seus financiadores da casa-grande e da mídia venal ou mesmo o Centrão que o sustenta, ameaçam abandonar o barco.
Mas há quem considere, muito justamente, que da cabeça de psicopata e da turba que o acompanha se pode esperar tudo.
A inflada de motim das polícias militares da Bahia e do Ceará, governados pelo PT, inspirados na morte do soldado surtado na orla de Salvador, no domingo, estão nesse capítulo. Ideia posta nas redes por ninguém menos, veja só, que a presidenta da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Bia Kicis (PSL-DF).
Aí mora o perigo real, alerta Gilberto Maringoni, cientista político e professor da UFABC: manipular a PM, onde boa parte da tropa é bolsonarista, para interditar governadores e prefeitos que impuseram quarentena como forma de barrar o avanço do Coronavírus, na contramão do que prega o capiroto-genocida.
Então, melhor seria colocar as barbas de molho. Ainda que o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, demitido, segundo consta, porque se recusou a endossar os delírios psicóticos do capiroto-presidente, tenha sido cirúrgico na despedida:
“Preservei as Forças Armadas como instituições de Estado. Saio com a certeza do dever cumprido.”
Os três comandantes das Forças Armadas acompanharam o chefe, embora, ao que tudo indica, tenha havido concordância em posarem de demitidos, em nota seca, curta e grossa do novo ministro.
Saem: Exército, Edson Leal Pujol; Marinha, Ilques Barbosa e Aeronáutica, Antonio Carlos Moretti Bermudez.
A ver quem serão os substitutos. O que se sabe é que Braga Neto, interventor militar do governo Temer no Rio de Janeiro, tem sido fiel escudeiro do capiroto-presidente.
Na verdade, não se sabe o que se pode esperar do “partido militar” – expressão cunhada para definir o fantasma que sempre assombra esses trópicos. A lembrar que, em 2019, até tentou obter registro junto ao TSE, mas fracassou por irregularidades na coleta de assinaturas.
Bom não esquecer, também, que os militares, que botaram o tenente para fora do Exército por indisciplina, armaram para levá-lo à Presidência, e agora veem que perderam a aposta na possibilidade de controlá-lo.
As Forças Armadas estão atoladas até a medula nos desatinos praticados pelo chefe do desgoverno. A conta é sanguinolenta: 319 mil 936 brasileiros e brasileiras perderam a vida, na contagem até esta data, e subindo em 17 estados mais o Distrito Federal. Nesta terça, a média móvel de mortes nos últimos sete dias registrou alta de 34%.
Um partidário do capiroto-presidente tentou incluir na pauta alterações na Lei de Mobilização Nacional para uso durante a pandemia, mas foi barrado pela oposição.
Todavia, Maringoni, que é filiado ao PSOL e preside a Fundação Lauro Campos, do partido, faz reflexão interessante no pós-escrito do artigo, já citado, para o Outras Palavras – links ao pé da postagem:
“Para haver golpe, é preciso haver comando e direção política. Não parece haver isso no governo Bolsonaro, mas uma eterna tática-processo para fustigar os limites da institucionalidade.
O genocida vai sempre metendo o pé na porta, experimentando o que cola e o que não cola e contando com a condescendência dos demais poderes.
Em 1964 havia conspiração organizada nas Forças Armadas, no empresariado, articulações claras com a embaixada dos EUA etc. Era clara a existência de um comando golpista.
Ou os bolsonaristas são muito bons de dissimulação, ou não há nada muito estruturado para dar curso a uma mudança de regime.”
Digo que, seja autogolpe, preparação para outro golpe, arrumadinhos para acomodar a tropa, ou desatino pela sobrevivência política até o ano eleitoral, uma coisa é certa: o dono do caos é o problema.
E as benditas instituições têm que parar de fingir que não é com elas, enquanto podem. Afinal, diz a sabedoria popular, quem chocou os ovos da serpente que lhe corte a cabeça.
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Trocas de guarda
- 1 – MINISTÉRIO DA DEFESA
Sai: general da reserva Fernando Azevedo e Silva
Entra: general da reserva Walter Souza Braga Netto, atual chefe da Casa Civil - 2 – MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
Sai: embaixador Ernesto Araújo
Entra: embaixador Carlos Alberto Franco França, diplomata de carreira - 3 – SECRETARIA DE GOVERNO DA PRESIDÊNCIA
Sai: general da reserva Luiz Eduardo Ramos, transferido para a Casa Civil
Entra: deputada federal Flávia Arruda (PL-DF), da cota de Arthur Lyra, presidente da Câmara e do Centrão - 4- ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
Sai: José Levi, procurador da Fazenda Nacional
Entra: André Mendonça, que volta ao posto original após cerca de um ano à frente do Ministério da Justiça. - 5 – CASA CIVIL
Sai – general da reserva Braga Neto
Entra: general da reserva Luiz Eduardo Ramos - 6 – MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Quem saiu: André Mendonça
Quem entra: delegado da PF Anderson Gustavo Torres
OBS: A secretária de Educação Básica do MEC – Ministério da Educação, Izabel Lima Pessoa, também deu baixa do desgoverno genocida. Servidora de carreira do ministério desde 1990, alega questões familiares. Segundo O Globo ela perdeu o marido para o covid-19, há cerca de 15 dias.
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Postagem revista e atualizaa em 31.03.2021: correção do nome do ex-ministro da Defesa no corpo do texto.
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Fontes requisitadas:
Blog do Rovai
Outras Palavras
Carta Capital
Os Divergentes
Andrei Meireles: O delírio de Bolsonaro de obter o apoio das Forças Armadas para o Autogolpe
GGN
G1
Brasil 247