por Sulamita Esteliam
O 23 de abril é de múltiplas celebrações: Dia de São Jorge Guerreiro, ou Ogum – Salve, Jorge, Ogum Yê! É também Dia do Choro e, portanto de Pixinguinha, que não inventou o ritmo, mas certamente é o mais popular da velha guarda dos chorões, e nasceu nesse dia. E é Dia Mundial do Livro e do direito autoral.
Sem motivo para celebrar, é o dia da memória da crueldade do Estado, quando autoritário. Nesse dia, há 79 anos, morria Olga Benário, executada na câmara de gás pelos nazistas, na Alemanha, sua terra natal. Tinha 34 anos.
Olga era judia e militante comunista. Conheceu Luiz Carlos Prestes a União Soviética e com ele migrou para o Brasil para escoltá-lo na revolução armada que fora designado a fazer no país. Foram ambos presos, quando o movimento conhecido como Intentona Comunista foi desmantelado pelo governo Vargas.
Tempos do chamado Estado Novo, ditadura varguista. Olga foi deportada para a Alemanha de Hitler, apesar de ter direito a asilo político. Estava grávida de 7 meses, de um brasileiro .
Sua filha, Anita Leocádia, nasceu na prisão de Barnimstrasse, onde fora encarcerada pela Gestapo. Depois da fase de amamentação, e intensa campanha internacional, a menina foi entregue à avó paterna, dona Leocádia.
Olga ficou 5 anos e seis meses na prisão, antes de ser executada em 23 de abril de 1942, no campo de extermínio de Bernburg.
Na véspera da execução, escreveu uma carta de despedida para filha e para seu amado, Luiz Carlos Prestes. Anita e o pai só leriam a carta muitos anos mais tarde, porque Prestes ficou nove anos preso.
Essa história é com contada no livro Olga, de Fernando Morais, reeditado em 2005 pela Companhia das Letras, também em versão de bolso, depois vertido para o cinema por Jaime Bonjardim.
Li a edição original, da Alfa-Ômega, nos anos 90. É puro sal na moleira. Não tenho mais o livro para mostrar. É um dentre as dezenas que criam asas e não voltam mais.
No Leitura Literária desta semana, para o canal A Tal Mineira TV, no Youtube, leio a carta de despedida de Olga Benário.
A última carta de Olga Gutmann Benário Prestes, cala fundo na mente e coração neste cenário de horror em que sobrevivemos, apesar de…
Do alto de sua “dignidade, bravura e delicadeza “, na definição de Sávio Bones, em texto no Direto da Aldeia, diz que dedicou sua “vida ao justo, ao bom e ao melhor do mundo.” Link ao pé da postagem.

Antes, puxo brasa para minha sardinha, e leio um trecho curto do meu último livro, Em Nome da Filha, pela Editora Viseu, 2019. É um romance-reportagem em torno do relacionamento abusivo, feminicídio e da luta de uma mãe por justiça.
O cenário é Pernambuco dos anos 1990. História real, triste e necessária, porque corriqueira neste Brasil cada vez mais triste e assombroso. Deixo o contato ao pé da postagem para quem se interessar pelo exemplar autografado. A outra opção é o sítio da editora.
Carta de despedida de Olga Benário Prestes
“Queridos:
Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso, não posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são mais caras que a minha própria vida. E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para mim imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te em meus braços ansiosos. Quisera poder pentear-te, fazer-te as tranças – ah, não, elas foram cortadas. Mas te fica melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tudo, vou fazer-te forte. Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo. Sua avó, em princípio, não estará muito bem. Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como teu pai e eu fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica… Vês? Já volto a sonhar, como tantas noites, e esqueço que esta é a minha carta de despedida. E agora, quando penso nisto de novo, a ideia de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido é para mim como a morte.
Carlos, querido, amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que me destes? Conformar-me-ei, mesmo que não pudesse ter-te muito próximo, que teus olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu sorriso. Quero-os a ambos, tanto, tanto. E estou tão agradecida à vida, por ela haver-me dado ambos. Mas o que eu gostaria era de poder viver um dia feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será possível que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por nossa filha?
Querida Anita, meu querido marido, meu Garoto: choro debaixo das mantas para que ninguém me ouça, pois parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que esforço-me para despedir-me de vocês agora, para não ter que fazê-lo nas últimas e difíceis horas. Depois desta noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta. De ti aprendi, querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão por que se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue.
Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas… Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte.
Beijo-os pela última vez.
Olga Benário Prestes”.
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Fontes requeridas:
Direto da Aldeia
Olga Benário: “O justo, o bom e o melhor…”
Mulheres em Marcha
O Clube da Meia Noite
Para adquirir o livro “Em Nome da Filha”: sesteliam@gmail.com/ ou direto na Editoria Viseu