Jornalista e professor pede emprego no sinal de trânsito em Beagá e pergunta: ‘Você, o que faria?’

por Sulamita Esteliam

Recebi pelo zap-zap, a foto que abre esta postagem. Está no perfil do rapaz no Instagram, onde ele conta como e por que resolveu distribuir paçoquinha e pedir emprego nos sinais de trânsito da capital mineira.  O banner pendurado no pescoço também informa suas habilidades e necessidades.

Um tristeza imensa flechou meu coração, que já anda por demais doído com tudo que acontece neste país. Um país que já foi do futuro, e que luta por vislumbrar uma luz em meio a sombra fantasmagórica no fim do túnel; ou seria no fundo do poço?

Mas, como diria, Frei Beto, citado pelo mestre Paulinho Saturnino Figueiredo, dia desses, em outro grupo na mesma rede social: “melhor guardar o pessimismo para dias melhores”.

É o que parece faz o rapaz da foto, jornalista, com mestrado, professor. Como ele próprio se define em seu perfil no Instagram, “um escrevedor de coisas”.

Um bom escrevedor ele é. Suas postagens no Instagram são ricas, carregadas de humanidades, vale à pena conferir.

É um homem de coragem, sem medo de se expor nas veredas para  buscar caminhos.  E é isso, a coragem de enfrentar a indignidade, e expô-la aos olhos de quem não quer ver, é que há de levá-lo ao lugar que é dele, e que está à sua espera.

O tempo tem suas manhas, testa nossos limites.

Transcrevo “a legenda”  que acompanha a foto postada por Edu Durães na rede social. Quem sabe assim alguém se dispõe a abrir a janela que o jornalista e professor requer:

Edu Durães 2
Edu Durães, jornalista e professor, graduado também em letras e com mestrado- Foto: perfil no Instagram

MINHA LUTA NOS SINAIS DE TRÂNSITO

por Edu Durães – no Instagram

tantas vezes valho-me da arte da escrita para contar histórias de vidas das pessoas, especialmente as “invisíveis”. são os “malabaristas do sinal vermelho”, que se contorcem para garantir a própria sobrevivência.

hoje, minha vida imitou minha arte: estive nos semáforos, na raja gabaglia, região oeste de bhte; depois na babita camargos, cidade industrial, contagem. dividi minha história com o jonh e o guilherme, vendedores ambulantes; na raja; em contagem, com a luciana, que vende seguros pra carro e estuda veterinária; e o acaz felipe que, mesmo graduado em direito, vende loteria (salvo engano). deu-me um currículo dele – tentarei ajudá-lo.

fui dar visibilidade à minha luta: pedir um emprego de verdade, algo digno, um que pague um salário pelo trabalho que executo sempre com dedicação, empenho e esforço. enviar currículo parece não resolver. sequer respondem: “recebemos o documento.” estar no linkedin, muito menos; ter instagram, facebook, tampouco.

fiz de um jeito rudimentar. mandei confeccionar um banner. pendurei no pescoço, levei currículos e paçoca, que ofereci aos motoristas gratuitamente: a maior parte fez cara de espanto, não acreditando que o doce era de graça.

não estive nos semáforos apenas pra pedir emprego. para além disso, fui medir a reação das pessoas, os olhares, possíveis demonstrações de empatia e solidariedade.

na raja, que dizem ser uma região chique, a maioria das pessoas se mostrou indiferente à minha presença. raras abriram o vidro do carro. quando o faziam sequer me olhavam. “é bom que vejam sua situação, um cara qualificado, num momento difícil. estas pessoas parecem que não pensam que tudo pode acontecer com qualquer um. ninguém sabe o dia de amanhã”, disse guilherme.

na cidade industrial, foi melhor. um sujeito, ao receber a paçoca, me ofereceu 5 reais: “é pra te ajudar”. ri e recusei, dizendo que não estava ali pra pegar dinheiro. outro ofereceu-me moedas.

foi uma experiência rica a que tive. o ato de pedir é difícil: pressupõe se despir de muitas coisas, talvez nossa soberba e vaidade. mas, senti-me leve, bonito, até mais humano. voltarei aos sinais em breve.

Edu Durães

A página dos Jornalistas de Minas também publicou a foto principal com o link para o perfil de Edu Durães no Instagram, com o texto que se segue:

“Jornalista mineiro distribui doces e pede emprego no sinal de trânsito da capital mineira. Na sua página no Instagram, @eduduraes conta porque resolveu ir para as ruas pedir emprego.

Edu é formado em Jornalismo e Letras, tem mestrado, foi assesor durante 25 anos no Sindicato dos Metalúrgicos de Betim, escreve muito bem, é muito competente e pessoa boníssima.

A situação do Edu escancara o desemprego e a precarização do trabalho dos jornalistas não só em Minas, mas Brasil afora.

Profissão fundamental nas sociedades democráticas, o jornalismo hoje é, cada vez mais, exercido por mulheres e pessoas jovens que fazem múltiplas funções, antes exercidas por dois ou três profissionais, devido ao mercado escasso e baixos salários.

Uma triste realidade.

Quem souber de uma oportunidade, procure o Edu.”

A valorosa presidenta do Sindicato, Alessandra Mello, em resposta ao comentário que fiz na postagem, resume o drama que a todos aflige:

“Se explanasse a precarização que temos enfrentado cotidianamene, muitos não iriam acreditar. Como presidenta do SJPMG tenho a sensação de enxugar gelo…”

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