MP: a poda dos tentáculos do “monstro”

por Sulamita Esteliam

“Criei um monstro.” A frase, sintetizada, é do então procurador-Geral da República, o mineiro Sepúlveda Pertence, redator dos capítulos da Seção I, artigos 127 a 130 da Constituição de 1988, a Constituição Cidadã, ao deixar o MPF.

Sepúlveda, que integrou a Comissão de Sistematização dos trabalhos da Constituinte, viu a dimensão da sua obra e anteviu o impacto que ela poderia vir a ter no futuro da República de Pindorama.

Porque, tudo que envolve o tal do ser humano e relações de poder tende a desandar.

O papel que o Ministério Público assumiria, a partir de então, deveria ser o de defensor dos direitos da coletividade.

Essa a ideia: constituir-se em órgão guardião dos direitos de cidadania do povo brasileiro, parte integrante do Sistema de Justiça, embora ainda vinculado ao Poder Executivo.

Até então, o MP nada mais era que um órgão burocrático do Poder Executivo, cuja função se confundia com a Advocacia Geral da União. Dicotomia pouco compreensível entre manter-se independente e defender os interesses do governo de plantão.

Sepúlveda Pertence - Foto Beto Paixão
O advogado Sepúlveda Pertence, ex-PGR e ex-presidente do STF – Foto; Beto Paixão

Ao celebrar 30 anos de sua obra, em outubro de 2018, Pertence disse em entrevista à revista do MP do Distrito Federal e Tocantins:

“A Constituição de 1988 recuperou a separação de poderes e aperfeiçoou as garantias, não apenas de independência formal, mas financeira e administrativa.”

Mas não apenas. Se antes havia a disputa, um tanto surda, com as corporações policiais, a partir de então, o MP passa ter poder fiscalizador sobre a atividade das polícias.

E foi aí que passou a morar o perigo: no decorrer do tempo, a natureza do tal ser humano colocou as dois espíritos no mesmo corpo.

Em outras palavras, o MP ampliou além do limite democrático suas atribuições investigativas, invertendo os papeis: não mais a preservação dos direitos do cidadão e da coletividade, mas do Estado.

Além disso, procuradores e promotores tornaram-se, muitas vezes e descaradamente, agentes de interesses políticos e outros tão impróprios quanto, só que menos confessáveis.

Esta aí a atuação escandalosa da Força Tarefa da Operação Lava Jato e que tais que não me deixa mentir: intimidação de réus, tortura psicológica e redação de denúncias forjadas travestidas em delação premiada.

Deltan Dallangnol - Foto Pedro Oliveira-Alepe
Deltan Dallangnol, coordenador da Força Tarefa da Lava Jato, – Foto: Pedro de Oliveira/ ALEP

Por esses dias vieram à torna novas denúncias sobre o modus operandi do procurador-chefe da Força Tarefa, Deltan Dallangnol.

Diálogos entre ele e o colega Athaíde Ribeiro, revelados pela Operação Spoofing, da Polícia Federal, mostram que ele redigiu a delação de Pedro Barusco, ex-diretor da Petrobras, para incluir o PT, com objetivos políticos.

A Associação de Juristas pela Democracia acionou o Conselho Nacional do Ministério Público em reclamação disciplinar contra os dois procuradores. A ver no que vai dar.

É apenas uma entre várias acusações de mal-uso da função que pesam sobre o procurador curitibano, que agia em dobradinha com o ex-juiz-inquisidor, Sérgio Moro, premiado com o Ministério da Justiça.

A defesa do ex-presidente Lula fez reiteradas denúncias ao Conselho do Ministério Público, todas deixadas na gaveta até a prescrição.

Outro procurador federal, um certo Diogo Castor de Mattos, entrou na mira do mesmo CNMP, por ter financiado a instalação de out door com loas à República de Curitiba. De acordo com o órgão corregedor, seria violação do dever funcional, motivo suficiente para exoneração do cargo.

No entender do colega Jefferson Miola, em artigo no seu blogue, “trata-se da menor das ilicitudes cometidas pelo procurador lavajatista”. Sobre ele pesam suspeitas mais graves, como “conflitos de interesses nos processos da Lava Jato contra Lula”.

“Consta que seu irmão Rodrigo Castor de Mattos atuou como advogado na delação forjada dos publicitários João Santana e Mônica Moura para incriminar Lula.  Além disso, um primo dos irmãos Castor de Mattos – o subprocurador da República Maurício Gotardo Gerum –, também atuou nos processos contra Lula no TRF4.

O alto comando da autodesignada “força-tarefa” conhecia o conflito de interesses de Diogo Castor de Mattos praticamente desde o início da operação. Mas se acumpliciou e prevaricou.”

Por essas e outras, fica difícil ir contra o princípio de redução do alcance dos tentáculos do Ministério Público, um polvo que tem assombrado a classe política, mas cuja ação interfere na vida das gentes e do país – para o bem e, lamentavelmente, não raro, para o mal.

No frigir dos ovos, a ampliação de seus poderes não alcança o cumprimento do seu dever constitucional de defender a cidadania. As exceções só confirmam a regra.

Várias tentativas já foram feitas nesse sentido: a chamada PEC da Impunidade, em 2012 foi uma delas, não passou.

Mais recentemente, a lei da improbidade de administrativa, aprovada pelo Congresso, afrouxou as regras de punição de gestores, ao arrepio do Ministério Público.

Agora, a Câmara dos Deputados pode votar ainda esta semana a PEC nº 5, mais conhecida como PEC da Vingança, de autoria do presidente Arthur Lira (PSD-AL).

Dentre outros pontos, altera a composição do CNMP, ampliando a participação da sociedade civil – leia-se do Legislativo – de dois para cinco membros. Entretanto o número de representantes da corporação MP permanece: 12.

O texto do relator, Paulo Magalhães (PSD-BA), obriga o Conselho a criar, em 120 dias, “um código de ética que vise combater abusos e desvios de seus integrantes. Se esse prazo não for cumprido, caberá ao Congresso elaborar o código por meio de uma lei ordinária”.

Há quem critique a tentativa de politização do CNMP, a começar, naturalmente, pelas entidades associativas dos procuradores, que considera a PEC como instrumento que “fere de morte a instituição”.

Há quem veja boa dose de exagero nessa interpretação e questione por que só o Ministério Público tenha o poder de se autofiscalizar.

A despeito da origem ou da motivação, há se concordar que toda democracia implica limites, e as exceções não podem, ou não devem, fazer as regras.

A propósito, embora sem explicitar casos, na mesma entrevista, referida acima, à revista do MPDFT, Sepúlveda Pertence avalia:

“(…) O que complica muito é se existe e até onde vai o chamado poder investigatório do Ministério Público. Estou convencido de que é necessário construir uma base de legitimação desse poder investigatório. É preciso uma disciplina na investigação do Ministério Público para que o investigado, o indiciado, não tenha menos garantias do que tem no inquérito policial.”

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Fontes referidas:

Revista do MPDFT/Projeto Memória

A Constituição de 1988 e a evolução do Ministério Público

Constituição Federal

Da organização dos poderes

Carta Capital

‘Criei um monstro’

Agência Câmara

Câmara pode votar, nesta quarta, projeto que altera a composição do MP

El País Brasil

Sob o eco da Lava Jato, Câmara acelera projeto para minar o poder do Ministério Público

Jefferson Miola

Não basta só demissão, procuradores têm que ser processados e presos

Brasil de Fato

AJBD protocola ação contra Deltan Dallangnol por interferência na delação de Pedro Barusco

DCM

Exclusivo: Dallangnol escreveu parte da delação de Barusco e incluiu PT “por fins politicos”

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