por Sulamita Esteliam
Devo confessar que não li o artigo e desconheço o autor. Mas a indignação, ainda bem, e zuada nas redes foi tamanha, que vou abrir mão de comentar outros assuntos para começar a semana falando do óbvio e ululante, da última reinvenção da Falha SP, do que não existe: racismo reverso.
O que é inegável é a cloaca do racismo à brasileira, cada vez mais asquerosa e fedorenta – bem desenhadinha pelo talento do Nando Motta, que compartilho, obrigada.
Como não li o texto original, não assino o jornal, atenho-me ao axioma ou sentença enunciada.
Transcrevo artigo brilhante de Fábio Horácio-Castro, escritor premiado. Ganhou o Sesc de Litertura 2021 com o romance O Réptil Melancólico, editado pela Record.
Domingo Reverso
por Fábio Horácio-Castro – em seu blogue
A gente acaba perdendo a paciência. Eis que a Folha de São Paulo publica (mais) um artigo sobre “racismo reverso”. Desta vez um texto do Antonio Risério, intitulado “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo“.
E ainda querem que acreditemos que há inteligência crítica na grande imprensa brasileira.
“Racismo reverso”, ou melhor, racismo de negros contra brancos, é uma ficção do fascismo brasileiro. É uma fantasmagoria irrisória. Poderia dizer que é patética, porque não se sustenta, mas é preciso dizer que, na verdade, é canalha e cruel, porque visa a renovar e, portanto, a perpetuar, a opressão racista. Me dei ao trabalho de ir ler esse artigo. Um monte de frases soltas, reunidas para chamar atenção para o termo. O autor é um antropólogo sem antropologia. O jornal dispensa o jornalismo. Só o racismo resta efetivo.
“Racismo reverso” não existe, nunca existiu e, simplesmente, não pode existir. Não pode existir porque o racismo é um instrumento de controle, de opressão e de submissão ideológica produzido no contexto de uma luta de classes que, na história do Brasil, sempre significou o controle dos negros pelos brancos. Estruturalmente, nunca houve negros oprimindo brancos, e é por isso que não se pode falar nesse disparate. Dizendo de outra maneira, “racismo reverso” é apenas mais uma forma de racismo.
Sem nenhuma surpresa, percebemos que o autor, branco, não tem um único exemplo, uma única experiência pessoal de ter sido vítima de racismo reverso para contar.
Eu, que sou branco, também não teria um único exemplo a dar, mas poderia oferecer milhares de exemplos de como o racismo me foi oferecido, pela sociedade em que vivo e da maneira mais indigna possível, como instrumento de poder.
A Folha também não tem um único exemplo a dar de “racismo reverso”. O que ela quer é oferecê-lo como instrumento de poder a uma sociedade já bestializada.
O que a Folha quer é, apenas, re-legitimar o velho mote de que o Brasil é uma “democracia racial”, uma das maiores autoficções da inteligência brasileira, em todos os tempos.
Toda solidariedade aos movimentos negros. Vamos trabalhar para destruir essa falácia.