
por Sulamita Esteliam
A política, convenhamos, é um bichinho que corrói os calcanhares da gente. Não raro, revira o estômago, sem contudo nos tirar o apetite. É como a vida, a gente reclama, mas faz tudo para não passar desta para a dita melhor. Coisa da fome com a vontade de comer, se você me entende…
Recuso-me a comentar pesquisas aqui no blogue, que de noticioso pouco ou nada tem. Além do mais, pesquisa à essa altura do jogo, é feito nuvem. Não há, me desculpem quem pensa o contrário, cenário definido.
Os de sempre querem provar que Marina já ganhou. Outros, com acesso a trackings diários que não costumam vir a público, mostram que Dilma está em franca recuperação.
Já vi muita gente quebrar a cara na boca da urna.
Ocorre-me a eleição de Luíza Erundina, à época no PT e hoje no PSB, para a prefeitura de São Paulo, em 1988. E também a de João Paulo Lima e Silva (PT) para o governo do Recife, em 2000. Ambas contrariaram todos os prognósticos.
Jamais esquecerei a cara do editor-geral do diário mineiro onde esta escriba exercia a pauta de política, e coordenava a cobertura eleitoral naqueles idos dos 80 do século passado. Estávamos todos no meio da redação, em frente à TV, à espera da pesquisa de boca-de-urna.
Quando saiu o resultado, nossos olhares se encontraram. Eu segurei o riso no canto da boca. Ele ficou vermelho feito pimentão, girou nos calcanhares e bateu em retirada para o seu aquário, como se um escorpião o tivesse picado. A gargalhada foi geral.
É que, dias antes, num dos habituais embates com o chefe, na reunião matinal, Euzinha havia ousado sugerir, em defesa de determinada pauta, que poderíamos estar próximos a testemunhar um duplo feito: uma mulher e um partido de esquerda chegarem ao governo da maior cidade do país.
O homem – que entre os vivos já não mais está – virou bicho. Os colegas que participavam da reunião, editor e adjuntas, temeram pela minha saúde física, tal o destempero – para dizer o mínimo.
Sobrevivi – a ele e a outros do mesmo naipe que atravessaram o meu caminho nessa longa jornada de trabalhadora da informação.
Na campanha para a Prefeitura do Recife, João Paulo, que já havia sido presidente da CUT estadual, vereador e deputado estadual, enfrentou o ex-governador Roberto Magalhães (PFL depois DEM), que tentava a reeleição municipal.
O outro concorrente forte era Carlos Wilson, ex-vice-governador de Arraes, ex-deputado, depois senador. Seu partido de então era o PPS – o homem, que é estrela desde 2009, foi da Arena ao PT, passando pelo PMDB, PSDB, PTB e sei lá mais que siglas…
Todas as pesquisas de intenção de votos davam léguas de distância para o candidato no poder. João Paulo vinha na terceira posição, depois de Carlos Wilson. Esse não era o sentimento que se apercebia nas ruas, nas conversas com o povo, contudo.
Terminada a votação, a militância se reuniu no Marco Zero, no Antigo, para acompanhar a contagem. A princípio, os números corroboravam o que apontavam as pesquisas. Mas a boca de urna já registrara a ultrapassagem do segundo colocado.
A virada veio com a abertura das urnas das zonas eleitorais dos morros do Recife. A eleição foi para o segundo turno, e um operário chegou pela primeira vez à prefeitura da capital de Pernambuco.
Entonces, muita calma nessa hora. Só peru morre de véspera.
Agora é transição – do efeito luto à imagem da pureza de fachada, incorporada pela “salvadora da pátria” da segunda via tucana. Corrijo citação anterior, definição do ex-ministro Ciro Gomes sobre Marina Silva, muito bem usada pela candidata do Psol, Luciana Genro, em debate televisivo.
A burca já foi chamuscada, e vai acabar esgarçada como teia, ou franja de rede – tal e qual o propósito de fundar a sua, que é miragem antes de tornar-se partido. O mosaico de contradições de Marina Silva é tal, que pode sufocá-la em sua própria indumentária. É só questão de tempo, e algum trabalho. Porque oportunidades a própria mídia, cada vez mais venal, se encarrega de fornecer. Ainda falta um mês para as eleições.

No horário político eleitoral, é bom mostrar as correções de rumo para o segundo mandato: nas políticas de combate à homofobia, de direitos das mulheres, dos indígenas, do Povo Cigano, no direito à comunicação, à terra, na política de juros, no combate à sonegação, na justiça tributária, na relação com os movimentos sociais, por exemplo.
É hora de reforçar o caminho que a trouxe até aqui, dona Dilma. Os fundamentalistas, os banqueiros e o agronegócio, o “deus” mercado, os alpinistas sociais e a turma do “deixar estar pra ver como é que fica” já têm representantes da disputa. Provado está, e no plural.
Você tem a força daqueles que, como eu, acreditam que governar é buscar a justiça, a equidade social. Percorremos bom pedaço, mas a jornada é longa, e requer coragem, até para dizer por que não é possível fazer tudo de uma vez. Isso é política. Sabemos que não lhe falta aptidão.
Sim, esta noite, Lula e Dilma fazem comício na orla de Brasília Teimosa, aqui no Recife. Ele vem de Petrolina, no Sertão do estado, onde fez comício com os candidatos à majoritária. Ela vem de Fortaleza, onde fez campanha e colheu carinho da gente alegre cearense.
Ontem, Dilma esteve em Venda Nova, em Beagá, sua terra natal (e desta blogueira). Antes foram a São Bernardo, onde tudo começou – para Lula e para o PT.
A campanha de rua é olho no olho. É o teste que vale.

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Postagem revista e atualizada às 21:49 e no dia 05.09.14, às 8:39: correção de erros pontuais de digitação; inclusão da frase ” ou franjas (…)” até “(…) partido”, nas primeira e segundas linhas; inclusão do “n” em “Maria” = Marina, na primeira linha do terceiro parágrafo.