
por Sulamita Esteliam
Três meses se passaram, desde o rompimento das barragens da mineradora Samarco, empresa dos grupos Vale e BHP Billinton, em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, Minas Gerais. E o que é feito da vida das pessoas atingidas pela calamidade humana, material e ambiental, a mais desastrosa de todos os tempos?
Os sobreviventes, segundo relato de representantes de entidades que acompanham o desenrolar dos impactos da tragédia, se sentem “esquecidos pelos poderes públicos e enganados pelas empresas responsáveis pelo desastre”.
Notícias desta semana, por exemplo, mostram que o abandono não é mera sensação de quem perdeu tudo, mas mantém a fibra, sabe-se lá como.
Uma delas dá conta de que um juiz mineiro atendeu a recurso das mineradoras e transferiu para a Justiça Federal aos processos relativos às ações civil pública, movida pelo Ministério Público estadual. Fez o mesmo em relação àquelas ajuizadas por particulares.
A consequência, segundo a promotoria em Mariana, são várias: restrições à participação das vítimas, suspensão dos processos já em fase adiantada e nulidade dos acordos formulados.
Noutra vertente, as mineradoras fazem corpo mole no cumprimento de acordos. Pediram à Justiça, pela segunda vez, prorrogação do prazo para depositar a parcela inicial de R$ 2 bilhões, que, por assim dizer, abrem o fundo de R$ 20 bilhões determinado judicialmente, ainda no ano passado.
A sanção é fruto de ação movida pela Advocacia Geral da União para custear programas ambientais e sociais. Os recursos visam recompor a bacia do Rio Doce na próxima década.
Afinal, o estouro das barragens despejaram 32 milhões de metros cúbicos de lama de rejeitos minerais sobre Bento Rodrigues, matou 17 pessoas, fora dois desaparecidos, desabrigou 940, prejudicou outras 3 mil diretamente, e milhares ainda sofrem os reflexos perversos.
Deixou um rastro de destruição ambiental e social em Minas e no Espírito Santo, onde está a foz do Rio Doce. Quilômetros e quilômetros rio abaixo, da montanha ao mar. Rios de lama, dejetos, sangue humano e animal. Desolação. Tristeza. Indignidade.
O prazo inicial para depósito da primeira parcela venceu em 19 de janeiro, foi adiado para 03 de fevereiro, e agora… só Deus sabe. Alega-se que “as partes” precisam de mais tempo para concluir as tratativas em andamento, com vistas a uma acordo.
Ora, ora, ora! E as famílias que perderam entes queridos, suas casas, seus pertences, sua história – e mais todas as pessoas impactadas ao longo do percurso do tsunami de lama e no entorno – são qual parte nesse imbróglio?
O destino das pessoas não podem ser mero joguete de tratativas oficiais, empresarias, judiciais.
A preocupação com o sofrimento, com a história e humanidade das vítimas da tragédia motivou um manifesto assinado por 21 instituições, dentre elas a Fiocruz, e dos movimentos sociais, divulgado nesta quinta. Reforça a necessidade de diálogo e participação das pessoas atingidas, sobretudo na anunciada reconstrução da Bento Rodrigues dizimada.
Eis a íntegra do documento.
A propósito, o Papo de Homem publicou uma série de reportagens sobre o caos da lama sob a marca #ExpediçãoRioDoce. Textos de Nina Neves e Ismael dos Anjos, que também assina as fotos.
Registro que o rapaz, de múltiplos talentos jornalísticos, é um dos orgulhos da família. A foto que abre esta postagem é parte do ensaio fotográfico que ele assina – clique para ver.