por Sulamita Esteliam
Boa Viagem se vestiu com as cores do arco-íris para receber a Parada da Diversidade 2016, no domingo, 18. Com a praia já bombando em ritmo de verão, que por aqui chega junto com a primavera do calendário normal, e a despeito da propalada crise. Balões multicores e bandeiras enfeitaram barracas, quiosques e até algumas varandas de apartamentos à beira-mar.
Todos juntos, na luta pela igualdade de gênero. Unidos pelo direito de amar sem Temer. Mais uma voz coletiva no Fora Temer. E não faltaram faixas e cartazes, com todas as letras, e com alguma sutileza, a começar pelo tema da 15ª edição: Democracia Fora do Armário.
Na tradução do Fórum LGBT de Pernambuco, organizador da Parada da Diversidade, é preciso recuperar as políticas públicas de combate à homofobia e de respeito aos direitos de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e trans-gênero em Pernambuco, “que regrediram sensivelmente nos últimos anos”.
Cidadania é a palavra.
Interessante que o carro abre-alas tenha sido a do Coletivo de Gênero do Sintepe, o Sindicato dos Trabalhadores do Ensino de Pernambuco. Confesso que fiquei feliz ao constatar a adesão.
A escola é fundamental no combate ao preconceito, pois é uma extensão da família. É pela educação que se alimenta a tolerância, a convivência e o respeito às diferenças. A entidade faz o que é seu papel, estimular fazendo-se presente.
Foram vários trios elétricos a darem ritmo à parada. Até por volta do meio dia, contei nove carros: a partir da concentração, no Parque Dona Lindu, até quase a divisa com Piedade, na orla que avança para a vizinha Jaboatão dos Guararapes. Mas outros se agregaram.
Interrompi mina caminhada, no retorno, para dar um giro pela concentração. O Parque Dona Lindu já fervia, mas ainda não estava tomado em sua totalidade. Até porque, naquele horário, a maré estava seca, e muita gente que veio para o evento, muitos de fora da cidade e do estado, aproveitou para curtir uma praia básica.
De volta para o meu ponto na orla, a meio caminho entre o início e a dispersão do desfile, muita gente seguia na direção contrária. Saí da praia por volta das três, e só então pude clicar as primeiras alas e trios chegando ao Posto 7.
Eram quase cinco da tarde quando o desfile chegou ao fim, cerca de uma hora para cada quilômetro, no sentido Pina. Já estava em casa, mas, apesar da distância, dá para ouvir quando o troar do som pesado cessa.
Anjos de todo naipe, balizas, porta-bandeiras, passistas, dançarinas, ciganas, soldados romanos, vaqueiros do Sertão. Diadorins sem veredas, pisando o asfalto sobre montarias vistosas.
Gente com roupa de banho, domingueiras. Gente bem-comportada, com cartazes de amor, compreensão e solidariedade – grupos de jovens ligados a igrejas; é a primeira vez que os vejo no acontecimento. Sinal dos tempos?
A lembrar que boa parte das agressões morais à população LGBT bem do fundamentalismo religioso. Registre a famigerada “cura gay”, defendida pelo deputado pastor Marcos Feliciano. Aquele senhor agora envolvido num processo por tentativa de estupro – aliás, que deve considerar bastante conveniente para usa reputação junto ao rebanho.
E, claro, não podia faltar candidatos, e muita polícia, e ambulantes.
A menos de 15 dias para o primeiro turno das eleições municipais, um evento de tamanha grandeza é ideal para a caça ao voto. É campanha legítima, e faz parte do espetáculo.
Vários postulantes à vereança e quase todos os candidatos a prefeito passaram pela concentração. O atual detentor do mandato , do PSB, se deu ao luxo de nem passar perto. Outra ausência registrada foi da vereadora do DEM, a jovem Priscilla Krause. Ambos foram pescar eleitores na Zona Norte, segundo a mídia nativa.
Cá na Zona Sul, João Paulo (PT), meu candidato, chegou pouco depois do meio dia. Simbolicamente, trajando camisa lilás. Distribuiu e recebeu abraços, posou para fotos, deu entrevistas.
Seguia em direção ao palco onde desde as nove da manhã acontecia um show, quando avistou as bandeiras do PSol e o candidato Edilson Silva, deputado estadual. Deu meia volta e foi cumprimentá-lo. Atitude de civilidade democrática importante.
Todos os candidatos, naturalmente, incluem os LGBTs em suas plataformas eleitorais. João Paulo tem políticas públicas para a comunidade a mostrar, ele que comandou a prefeitura por duas gestões: 2000-2008.

É obra dele trazer a Parada da Diversidade para a Av. Boa Viagem, um dos poucos eventos a permanecer na orla, por sua característica social. É também de seu tempo a lei que garante pensão aos parceiros de servidores homoafetivos.
Aliás, o Parque Dona Lindu e a revitalização da orla – inclusive com a instalação de banheiros públicos, ciclovia e da Academia da Cidade -, também são obras das duas gestões dele na Prefeitura do Recife.
Obras polêmicas, que, diga-se, sacudiram o conservadorismo da sociedade recifense, e chegaram a ser questionadas pela oposição na Justiça. Mas que valorizaram a vocação turística local, trouxeram conforto e a tornaram mais apta a abrigar a diversidade cultural da terra.
Tanto, que o atual prefeito fez questão de deixar suas pegadas sobre as melhorias herdadas dos antecessores adversários.
Falo do que sou testemunha. E Boa Viagem é meu quintal, há mais de 19 anos.
Mas, voltando à Parada da Diversidade, até quando deixei a concentração, por volta das 13:00 horas, ainda não haviam chegado os demais candidatos. A mídia local registra as presenças de Daniel Coelho (PSDB), Carlos Augusto Costa (PV) e Simone Fontana (PSTU).
Para além da alegria das cores do arco-íris e da irreverência das fantasias, a parada é uma chance bem-humorada de dar visibilidade à luta por direitos, respeito e pela vida da população LGBT.
Todos os anos, as bandeiras se repetem, porque os problemas não cessam; muito antes pelo contrário. Ser gay. lésbica, bissexual, travesti ou transexual é viver em risco permanente.
Este 2016, em pleno golpe de Estado, sob ameaças de perda de direitos histórica e duramente conquistados, e da perspectiva de avanços, a luta pede mais vigor. Daí que o lema Democracia Fora do Armário faz todo sentido.
Clique para conhecer o último relatório oficial sobre violência homofóbica no País, de 2013. Produzido pela então Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. É o terceiro, desde 2011, todos ainda na primeira gestão Dilma Rousseff.
E olhe que é iniciativa pioneira na América Latina.
O relatório se baseia em dados do Disque Direitos Humanos (Disque 100) e das ouvidorias da própria SDH e da então Secretaria de Políticas para Mulheres. Agrega relatório à parte, baseado nas publicações na mídia sobre violência contra a população LGBT, compiladas desde os anos 1980 pelo Grupo Gay da Bahia.