por Sulamita Esteliam
Você sabe o que relacionamento abusivo? Então, vamos conversar a respeito.
Eram dez da manhã quando vi a postagem da minha caçula sobre tema nas redes sociais. Foi buscar longe: um texto de um psicoterapeuta publicado pelo sítio da Apav – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, com sede em Ponta Delgado, na Ilha de São Miguel, Região Autônoma dos Açores.
O título vai direto ao ponto, e me chamou a atenção: Seu jovem namorado não é nervoso, é doente!
Curti e comentei: tem que espalhar para meninas e meninos também. Transcrevo o texto ao pé da postagem, é didático.
O que eu não sabia é que, como boa comunicadora que é, Bárbara externava sua preocupação com uma amiga, vítima de um relacionamento abusivo, mais um.
E a moça parece não dar-se conta de que está enredada numa teia que tende a sufocá-la, no mínimo.
É mais do mesmo, infelizmente. Mas não tem que ser assim.
Num tempo em que não existia a Lei Maria da Penha, nasci num lar em que minha mãe era vítima de violência doméstica – moral, psicológica, física e patrimonial. Não creio que o tenha sido de violência sexual, jamais tocou nesse aspecto.
O único relacionamento amoroso que Dirce vivenciou durou seis anos, gerou quatro crianças, e foi uma relação abusiva enquanto durou. Sim, o meu pai amado era o algoz.
Não, não cresci vendo cenas repetidas de violência dentro de casa. Por uma razão simples: minha mãe ficou viúva quando Euzinha, meu irmão e minhas irmãs ainda estávamos na primeira infância. Um marido traído deu cabo ao meu pai.
Volto sempre a esse assunto por que fiz do trauma uma trombeta. Aprendi com a minha mãe, que contava os abusos sofridos de peito aberto.
Ela denunciou meu pai à polícia em pleno ano de 1958, mas só o fez quando a sucessão de ocorrências tornou-se insuportável. Sim, ela o amava, perdidamente. E o amou até o último suspiro.
Mais de uma vez escrevi sobre isso. E está no primeiro livro, que resultou numa espécie de terapia pessoal e coletiva, não apenas no âmbito familiar, mas de uma comunidade.
Estação Ferrugem – Vozes, 1998 – é também uma história de violência e resistência política da classe operária num Brasil sob golpe de Estado civil-militar e ditadura.
Certa feita, pincei dele um trecho e transformei numa crônica – Quem ama educa e grita -, publicada no A Tal Mineira e também em Carta Maior, de quem fui colaboradora por um tempo, há alguns anos.
O editor da época, sensível e plugado, me agradeceu pela coragem e pelo desprendimento. Entendo o impulso, mas é porque ele não conheceu a minha mãe.
É que a tendência da vítima – e as crianças de um lar onde vigora o relacionamento abusivo também são vítimas, assim como o são todos os familiares – é culpar-se, envergonhar-se, calar-se.
Meu segundo livro, que está na gaveta há 11 anos, também trata de violência contra a mulher, uma tragédia que parece não ter fim. Em Nome da Filha se baseia em caso real, desta vez acontecido em Pernambuco – leia uma crônica baseada na obra.
O silêncio sobre violência doméstica de qualquer natureza é fruto do medo. E é cúmplice do desespero que se transmuta numa espécie de inferno em vida, quando não leva à morte.
Minha mãe tinha razão em não calar-se.
Vale também para os relacionamentos abusivos entre namorados.
É com esse espírito, de romper com o silêncio e a impunidade, que a ONG Artemis, baseada em São Paulo, conduz a campanha #TambémÉViolência. Nesta terça, 27, houve ato nacional em frente ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Trazer à tona o que não pode ser calado.
Chama a atenção para os artigos 5º e 7º da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que abrangem e definem todo tipo de violência doméstica: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial – vide imagens ao lado.
Uma denúncia pública aos tribunais, representados no TJSP, de que é preciso cumprir, efetivamente, a lei de proteção da mulher a qualquer tipo de violência.
Se os tribunais só reconhecem a violência física, sobretudo a que causa morte, submete as mulheres alvo de abusos silenciosos e velados a outro tipo de agressão, a violência institucional.
A informação da campanha me chega através da Rede Mulher e Mídia e da Agência Patrícia Galvão. A psicóloga Rachel Moreno, do Observatório da Mulher, da RMM e autora do livro A Imagem da Mulher na Mídia é uma das feministas que emprestam sua imagem à campanha.
Vale à pena acessar o sitio da Artemis, onde você pode saber mais sobre a campanha, inclusive, baixar a cartilha sobre o assunto.
Num rol de 84 países elencados pela ONU Mulheres, o Brasil é o quinto em feminicídio. Os levantamentos indicam que 41% dos casos de violência doméstica se dão em casa e 57% logo após o término de um relacionamento. Estima-se que três em cada cinco mulheres sofreram, sofrem ou sofrerão violência em um relacionamento afetivo nessas plagas.
O ato promovido pela Artemis é o primeiro passo da campanha, que tem o apoio da marca ativista Lush. Conscientizar a sociedade, apontar sinais de violências banalizadas em relacionamentos abusivos e oferecer medidas práticas para ajudar as mulheres vítimas, eis o propósito.
O seu jovem namorado não é nervoso, é doente!
por Paulo Farinha – Psicoterapeuta
ENVIAR 35 MENSAGENS durante o dia para dizer que te ama e perguntar onde está não é uma prova de amor. É uma prova de que ele é um controlador e que, se você deixa que ele faça e não põe um limite a tempo, a coisa só vai piorar ainda mais.
FAZER PERGUNTAS SOBRE DINHEIRO não é indício de estar atento aos tempos difíceis em que vivemos e reflexo de uma educação de poupança. Falar muitas vezes disso indica, isso sim, que um dia ele vai querer controlar o teu dinheiro. Aliás, se dependesse dele, era ele que geria já a tua mesada. Quanto gasta. Quando gasta. Em que gasta. Quando se der conta, estará pedindo autorização a ele para comprar coisas para você.
PEDIR A SENHA DO TEU E-MAIL ou da tua conta de Facebook não é sinal de que vocês nada têm a esconder um do outro. Não é sinal de que, entre vocês, tudo é um livro aberto. Mesmo que ele insista em dar a senha dele. Isso é um sinal de desconfiança permanente. E um passo grande para o fim da tua privacidade. Sabe o que é privacidade, certo? É um território seu, onde mais ninguém entra. A não ser que você queira.
OS COMENTÁRIOS SOBRE A ROUPA QUE USA ou o novo corte de cabelo não revelam um ciuminho saudável. Revelam que é ciumento. Ponto. Pouco lhe importa se você gosta daquela blusa ou daquelas calças apertadas. Entre os argumentos usados, talvez ele diga que já não precisa se vestir assim, porque isso atrai a atenção de outros rapazes e você já tem namorado. Se não for capaz de lhe dizer, na altura, que se veste assim porque te agrada, não para lhe agradar, pensa que este é o mesmo princípio que leva muitas sociedades a obrigar as mulheres a usar burka… Não é exagero. Controlar o que você veste é exatamente a mesma coisa.
PERGUNTAR A TODA A HORA QUEM É QUE TE TELEFONOU ou ver o teu celular, à procura das chamadas feitas e atendidas e das mensagens enviadas e recebidas não é um reflexo de pequeno ciúme. É um sinal de grande insegurança. Faça o que fizer, dê as provas de amor que der (na tua idade, o amor ainda tem muito para rolar, mas perceberá isso com o tempo), ele sentirá sempre que é pouco. E vai querer mais, e mais. E você terá cada vez menos e menos.
APERTAR O BRAÇO COM MAIS FORÇA num dia em que se chatearam e lhe passou qualquer coisa ruim pela cabeça não é um caso isolado e uma coisa que deva minimizar porque ele estava nervoso. Aconteceu daquela vez e é muito, muito, muito provável que volte a acontecer. Um dia ele estará mais nervoso. E a marca no teu braço será maior. E mesmo que ele «nunca tenha encostado um dedo» em você, a violência psicológica pode ser tão ou mais grave do que a física.
GOSTAR DE VOCÊ, MAS NÃO GOSTAR de estar com os teus amigos não é amor. É controle. E é errado. O isolamento social é terrível. Continuar a telefonar insistentemente depois de você ter dito que quer acabar a relação, ou encher o celular com mensagens pregando amor eterno, não significa que ele esteja sofrendo muito. Significa, sim, uma frustração em lidar com a rejeição. E se pensar em voltar para ele, pense que da próxima vez que isso acontecer ele vai telefonar mais vezes. E enviar mais mensagens.
GUARDAR ESTAS COISAS PARA VOCÊ não é um sintoma da sua timidez. Não quer dizer que seja reservada. É uma estratégia de defesa sua. E um pouco de vergonha, não é? E que tal partilhar isso? Ficaria espantada com a quantidade de amigas que passam por situações semelhantes.
Talvez a sua filha não leia isto. Mas que tal lhe mostrar, para ela pensar um pouco?
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