por Sulamita Esteliam
As urnas dizem amém.
Copio, literal e desavergonhadamente, um intertítulo da reportagem analítica de Sérgio Miguel Buarque no Marco Zero, coletivo jornalístico independente do Recife. Trata da nova composição da Câmara Municipal, e foi publicada no início de outubro.
Todavia, cai como uma luva para o resultado global das eleições encerradas em segundo turno no último domingo do mês encerrado no Dia das Bruxas e do Saci.
As urnas dizem amém ao conservadorismo, ao moralismo seletivo que sacrifica o PT e a esquerda – que não obstante joga o jogo, aqui, acolá e alhures -, ao deus hipocrisia.
No Recife não foi diferente.
E o segundo turno, que poderia caracterizar-se o milagre do reconhecimento ao projeto que mudou a cara e os rumos da cidade e das pessoas, quedou-se diante do poder da coroa imperial, dos herdeiros do falecido Eduardo Campos.
Aquele que se foi na campanha presidencial de 2014, na explosão do jato sem dono, que a Turbulência da PF apurou ser fruto de propina empresarial.
Aquele que deixou herdeiros apontados, igualmente, como beneficiários das burras das empreiteiras que abastecem as campanhas eleitorais, e não apenas. Geraldo Júlio (PSB), o adversário de João Paulo (PT), chefiava o comitê de obras para a construção da Arena Pernambuco, e é planilhado, dentre os 16 políticos citados na planilha da Odebrecht.
Não obstante, dominam o estado, dominam a prefeitura da capital, dominam a câmara municipal.
Mas perderam em Olinda, para um certo professor Lupércio, ex-vereador e deputado estadual da terrinha, evangélico e do partido Solidariedade.
O irmão de Campos, que organiza a Fliporto, que tornou-se parte de Olinda, arvorou-se olindense, embora morador de Casa Forte, no Recife; foi defenestrado.
No Recife, João Paulo procurou ressuscitar a empatia ímpar com o povo mais humilde e plugado na cultura que poreja nas veias abertas da cidade.
A mesma energia que o levou a governá-la por dois mandatos e sair ungido com 80% de aprovação, e ainda fazer seu sucessor – dois feitos inéditos para a rebeldia própria da capital pernambucana.
E foi aí que a porca torceu o rabo, e o PT se quebrou ao meio, quatro anos depois. Num processo suicídico semelhante a Porto Alegre e a Belo Horizonte, lavou roupa suja em público, aceitou interferência da cúpula do partido.
Resultado: cedeu espaço à voracidade do neto de Arraes, que já traçara seu plano de voo para paragens mais ambiciosas. Com o auxílio luxuoso do antigo parceiro das gestões petistas, o PCdoB.
Como Alckmin tirou João Dória da cartola em São Paulo, nestas municipais, Campos sacou um ilustre desconhecido secretário de estado, e fez dele prefeito do Recife; e dois anos depois, fez o mesmo com outro auxiliar, Paulo Campos, para sucedê-lo no Palácio Campo das Princesas.
Autocracia da mais pura essência coronelística.
Houve momentos, nesta campanha, difícil sob todos os aspectos, em que o espírito que vigora nas ruas levava a manter viva a esperança. Apesar de tudo, e da diferença abissal dos números que emergiram do primeiro turno.
O jogo é pesado e desigual, lembrava os pés no chão. Mas João é ficha limpa e bom de virada, repetia a militância para quem o sonho não se acaba assim…
Geraldo Júlio fez um governo medíocre, voltado para maquiagem geradora de imagens de propaganda. Desmontou as políticas públicas exitosas, que mudaram a face da cidade e tornaram melhor a vida das pessoas: Academia da Cidade, Círculos Populares de Esporte e Lazer, Programa Guarda Chuva, Orçamento Participativo.
Conseguiu embotar a alegria do Carnaval, outrora multicultural. O centro do Recife regrediu ao caos pré-2001. Os morros voltaram a produzir vítimas das quedas de barreiras.
Suas principais obras, exibidas como trunfo na campanha, como a Via Mangue, o Hospital da Mulher, são continuidade ou ampliação de programas das gestões petistas no município e/ou contrapartidas de programas e recursos federais.
A vitrine traz, ainda o programa, que se pretende de segurança, denominado Compaz. São centros comunitários de lazer e serviços, a serem instalados nas seis regiões político administrativas da cidade. Apenas um foi entregue, o segundo está em andamento e o terceiro com as obras paralisadas.
O sucesso na educação, o tão propalado pódio nacional no Ideb, revelou-se uma falácia, desmontada pela série Truco, dobradinha da Agência Pública e do coletivo Marco Zero, de jornalismo independente.
A história que fica é a versão dos vencedores, entretanto. É o que nos ensina a memória, quando a gente dela faz uso.
Seja feita a vontade do povo.
Transcrevo o agradecimento de João Paulo ao povo recifense, recolhido em sua página no Facebook:
“Nunca estamos sós quando se luta junto. Eu luto a luta do meu tempo e acredito que só unidos construiremos novos patamares da democracia e colheremos novos alimentos com as sementes que em breve, germinarão.
Nosso caminho foi longo, árduo e heróico e conseguimos unir e agregar muita gente na defesa intransigente dos direitos sociais e da verdade.
Sei dos milhares que atenderam ao nosso chamado; dos que enfrentaram máquinas poderosas e tiveram coragem de se expor, e dos milhares que acreditaram na luta e foram às ruas de forma militante e espontânea, apostar num futuro de justiça social e modelo includente de gestão para o Recife das águas e das marés, das chuvas, dos alagados e dos morros, das pontes e das comunidades que se misturam e o fazem guerreiro.
Aos 333.516 eleitores e eleitoras que confiaram em mim e que pediram mudança, deixo o meu mais profundo obrigado e o compromisso permanente de estar sempre ao lado dos que mais precisam. Ainda temos muito chão e a certeza que um Recife digno e para todas e todos é possível.
Firme na luta!”
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Agrego, para fechar, o comentário de Bob Fernandes para o resultado nacional – diferente do que foi há quatro anos, registre-se, a bem da verdade, quando, apesar do tiroteio, o PT ganhou São Paulo com Haddad: