
por Sulamita Esteliam
Alguém, em sã consciência, pode ter dúvidas de que a deposição fraudulenta da primeira mulher eleita e reeleita presidenta da República no Brasil, foi a consumação, também, de um ato de misoginia?
Melhor, como tão bem definiu a filósofa e escritora, Márcia Tiburi, em cerimônia que reuniu mulheres em torno de Dilma Rousseff, no Palácio do Planaldo, ano passado: foi um estupro.
Um estupro coletivo, eu acrescentaria.
Violada, em primeiro lugar, a democracia. Rasgaram a Constituição, ao forjar um crime de responsabilidade, que não houve, contra uma presidenta honesta. Urdiram para jogar na lata do lixo a vontade popular traduzida em 54,5 milhões de votos.
E para quê? Para colocar no lugar uma camarilha, enrolada até o último fio de cabelo nas lambanças “investigadas “pela Lava Jato.
E os fatos estão aí para não nos deixar mentir ou alimentar ilusões. É tudo mentira.
No primeiro Dia Internacional da Mulher pós-corporificação do golpe de Estado que cassou o mandato da presidenta legítima, é preciso não esquecer os números da economia e o caos que traduzem e prenunciam.
Claramente, ao recorrer à memória, vem à tona o quanto de machismo e de falácia moveram a fraude do impeachment de Dilma Rousseff como antídoto para a crise econômica, mundial – agravada por equívocos internos, há que se reconhecer -, que instalava-se no País.
Um trecho que capturei em matéria do ViOMundo sobre o encolhimento da economia brasileira no ano passado, em comparação a 2015, prova que deu xabu.
A produção de riquezas ou PIB caiu 3,6% e a taxa de investimentos do setor privado em 10,5%. Dados do IBGE, ora divulgados.
Então, recuemos um tiquinho no tempo.
O Brasil vivia o achaque das forças político-empresariais sobre o governo Dilma, sob o olhar complacente da Suprema Corte. As ruas em disputa.
De um lado, os movimentos financiados pela direita, os paneleiros das varandas gourmets – agora sob retumbante silêncio -, e os manobrados de plantão; aqueles milhões Cunhas trajados com a camisa da CBF. Tudo devidamente açulado pela mídia venal.
De outro os movimentos sociais e outras forças da esquerda, que custaram a acordar, mas que passaram a reunir milhares, e que defendiam a democracia e, mesmo com reticências, o mandato de Dilma. Sabedores de que eram os pescoços da gente trabalhadora que estava no cepo.
É nesse contexto que a BBC Brasil entrevista o dono da Riachuelo, Fulano Rocha, empresário entusiasta do golpe, um dentre centenas:
BBC Brasil – O mercado financeiro parece animado com a possibilidade de uma saída da atual presidente. Como empresário do varejo, que efeito acha que isso teria nos investimentos na economia real?
Rocha – Seria instantâneo. Bastaria uma troca da sinalização. É o que está acontecendo na Argentina. Não precisou de dez dias para a criação de um círculo virtuoso. A partir do momento que você sinaliza que está entrando em campo um governo que entende as delicadas engrenagens do livre mercado e vai colocar a sua sabedoria a favor do desenvolvimento, o fluxo de investimentos se reestabelece e a confiança desabrocha.
Pronto. O resultado está aí, a mostrar que é ilusória a pílula dourada vendida pelo desgoverno e seus acólitos na mídia. A economia real caminha na contramão.
Afora o desmanche das políticas públicas e do patrimônio nacional, e o escárnio dos estafetas em postos de comando: 12 milhões e meio de desempregados, a maioria, mulheres.
No município de Fronteiras, no interior do Piauí, por exemplo, todos os 500 trabalhadores de uma fábrica de cimento hidráulico foram demitidos com o fechamento da unidade esta semana.
No Rio, conta Fernando Brito, também no Tijolaço, uma empreiteira chamou os clientes e avisou que aquele sonhado apartamento classe média se dissolveu. Não há recursos para investir. O dinheiro da entrada foi devolvido, ainda bem.
O Brasil vai descendo a ladeira, aceleradamente, e isso é muito triste, mas previsível.
A análise dos números do IBGE mostram queda acentuada no ritmo da atividade nos dois últimos trimestres, exatamente o início do desgoverno do mordomo e a quadrilha que tomaram de assalto o poder.
Ah, diz o desgoverno, é reflexo da gestão Dilma Rousseff. Não é verdade.
O que há é a colheira do que plantaram. Para além de erros do governo Dilma, a crise econômico-financeira foi gestada pela crise política, pelo boicote e pela desestabilização do governo.
A estratégia carecia fabricar opinião pública favorável ao afastamento de uma mulher que se recusava a fazer o jogo das forças brutas. As mesmas que perderam a eleição, ou botaram as fichas nos perdedores. Partiram para a canelada.
No sítio Vermelho, reportagem traz avaliação de um especialista em orçamento e políticas públicas, o assessor técnico da Câmara dos Deputados, Flávio Tonelli Vaz. Ele vai direto ao ponto: o resultado do PIB reflete a falácia de que o impeachment seria a solução para a crise e a incapacidade de Temer para retomar o crescimento.
“Esse é o PIB do golpe. O golpe não se deu só com o impeachment. O golpe começa com toda a articulação econômica, com apoio da mídia, para produzir a crise política. Esse é o PIB da crise, não da Dilma.”
Não posso deixar passar batido duas notícias da véspera do Dia Internacional da Mulher, dia em que as mulheres brasileiras e do mundo vão parar por pela vida e pela dignidade:
- Peixe morre é pela boca. O STF acaba negar recurso e, portanto, transformar em réu por incitação ao estupro e crime de injúria o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Há dois anos, esse paladino do golpe e da violência como modus operandi na política, insultou a deputada Maria do Rosário (PT-RS) em plenário. Disse que ela não merecia “ser estuprada”, porque era “feia”.
- O material comemorativo do 08 de Março do Senado não pode conter a palavra “feminismo” . É o que denuncia a blogueira feminista Lola Aronovich, do Escreva Lola, Escreva, a partir de informação da própria Assessoria de Imprensa da casa. É mais que censura, é a treva do arbítrio correndo solta, feito mula desembestada.
E vamos à greve das Mulheres.
A gente se encontra no dia seguinte.
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Postagem revista e atualizada às 23:57: alteração de texto nos parágrafos 8, 15 e 27, para clarear… e correção de erros de digitação e pontuação em diferentes trechos.