por Sulamita Esteliam
Soube logo pela manhã, mas só agora à noite, consigo chegar ao portátil para registrar e aplaudir a decisão de trabalhadores que ocuparam logo cedo a antiga sede do jornal Hoje em Dia, no Bairro de Santa Efigênia, em Belo Horizonte. É o #OcupaPredinho, que tem nesta quinta, seu primeiro dia.
Quem ocupa são cerca de 150 ex-funcionários da empresa – gráficos, jornalistas e pessoal administrativo, demitidos em fevereiro do ano passado, e até agora sem ver a cor dos seus direitos rescisórios. Aliás, sequer o último mês trabalhado foi pago.
O nome ironiza a expressão adotada no linguajar do empresário corruptor-delator, Joesley Batista, da JBS-Friboi, ao dizer que pagou R$ 17 milhões, superfaturados, por um “predinho” que não lhe serve para nada, só para o Aécio parar de lhe pedir dinheiro.
Agora à noite um debate, com a participação da presidenta da CUT-MG, Beatriz Cerqueira, do presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas, Kerison Lopes e outros jornalistas, discutiu os desvios e pressões sob a espada de Aécio-Andreia Neves sobre a imprensa mineira, em particular o Hoje em Dia.
Claro que o AhÉCim nega. Afinal todos conhecem sua candura, quase angelical, em frente a câmeras e microfones. É parte da canastrice, do espetáculo de cinismo e hipocrisia, do jogo de achar que todos são idiotas e ele é o esperto.
Já ao telefone, assume o casca grossa arrogante que sempre foi. E as gravações vazadas ou liberadas pela PGR estão aí para provar que não minto. Quem tenha estômago, que ouça.
Hoje vazou mais uma, a formatar o caráter do rapaz, o detonador do golpe “só pra encher o saco deles” (eles são a Dilma e o PT).
Aliás, importante registrar: a gravação envolve um deputado federal da bancada do PT mineiro, Gabriel Guimarães. E explica o comportamento para lá de suspeito deste parlamentar – desde a votação da fraude do impeachment de Dilma. Mas isso cabe ao partido tomar providências.
Ah, Tancredo, se você pudesse imaginar o desastre em que resultaria o menino do seus olhos, mesmo sob a proteção cerrada da irmã, a quem você certamente o confiou…! Nem ela deu conta, e olha que foi muito além do que recomenda o senso de responsabilidade. Ora se não…
Mas, você há de reconhecer, quem mexe com lama acaba lambuzado.
De volta ao Hoje em Dia, é triste que um jornal que já esteve na vanguarda do jornalismo mineiro tenha tido um fim tão lamentável e desprezível.
Falo com dor na alma, já que integrei a equipe que projetou o jornal, no final dos anos 80, e nele trabalhei mais de três anos. Parte deles no prédio da Padre Rolim, ora reduzido a “Predinho”.
Euzinha fui parte de um grupo de 26 colegas, a maioria editores e subeditores, voluntários para demissão coletiva, em troca da preservação do emprego de cerca de 40 repórteres. Foi apenas mais um, da série de passaralhos que fizeram a história do jornal, desde a origem em mãos de políticos.
O primeiro foi o ex-governador Newton Cardoso, embora não mostrasse a cara, mas os executivos principais eram seus sobrinhos. Montou o jornal a partir do antigo Diário de Minas, e para concorrer com as publicações dos Diários Associados, de quem tirou o doce da boca – o maná publicitário e outros expedientes. Viveram às turras, enquanto esteve no Palácio da Liberdade.
Todavia, esta velha escriba, que trabalhou a maior parte do tempo na Editoria de Política, era pauteira, dentre outras funções como editora-adjunta, afirma que a gente fazia Jornalismo, até maio de 1991, pelo menos. Ainda que às vezes fosse preciso matar um leão por dia.
O Jornal tinha seis meses de circulação quando se mudou para Padre Rolim. O local era meu velho e dileto conhecido. Ali havia passado quatro anos de atividade profissional, como parte da equipe de outro jornal icônico no mercado mineiro: o Diário do Comércio, e seus braço semanal Jornal de Casa.
Passei pelas duas redações, nas editorias de Cultura, Economia e Política. E sempre tive muito afeto pelas pessoas com quem convivi nas três redações, e pelo lugar. Laços de amizade, orgulho e pertencimento.
Pois o “Predinho”, agora, está em mãos de quem pertence de fato, por direito e circunstâncias.
Que a justiça seja feita.
Transcrevo o manifesto e, mais abaixo, nota em que os trabalhadores contestam a Ediminas, razão social do Hoje em Dia, que divulgou nota afirmando “cumprir com as obrigações trabalhistas”; o que sempre fez – na Justiça do Trabalho:

MANIFESTO DOS EX-TRABALHADORES DO HOJE EM DIA
Ocupa Predinho
Por que estamos aqui?
Somos um grupo de 150 trabalhadores (jornalistas, gráficos e funcionários da administração) demitidos do jornal. Hoje em Dia há mais de um ano. Não recebemos nenhum direito trabalhista.
Nem mesmo o salário do último mês que trabalhamos.
Decidimos ocupar o prédio que foi sede do jornal durante décadas para denunciar a toda sociedade o calote. Fomos vítimas de uma negociata política, que envolve figurões da República, e pagamos a conta por projetos de poder, falta de ética e escrúpulos.
A ocupação tem o apoio de diversos movimentos sociais, que trazem solidariedade a nossa causa e lutam por um país mais justo.
Na delação do empresário Joesley Batista, da JBS, ele revela que pagou R$ 17 milhões, um valor que ele mesmo considerou superfaturado, por um prédio e um terreno na Rua Padre Rolim, no bairro Santo Efigênia, em Belo Horizonte. Os imóveis citados pelo empresário eram a sede do jornal Hoje em Dia e foram comprados pela JBS a pedido do senador afastado Aécio Neves (PSDB-
MG).
Mas existem vários detalhes que vão além da delação a que merecem atenção:
1 – Em 2013, quando a candidatura de Aécio Neves se afirmava no ninho tucano e os apoios para o projeto político do neto de Tancredo Neves eram estabelecidos, o governo de Minas Gerais, então comandado pelo tucano Antonio Anastasia, desapropriou um imóvel da Rádio Del Rey, que pertence à família proprietária do Grupo Bel.
2 – A desapropriação custou R$ 1,09 milhão aos cofres públicos e o pagamento foi realizado em junho de 2013.
3 – Cinco meses depois o Grupo Bel (também proprietário das rádios 98 FM, CDL e outras empresas) comprou o jornal Hoje em Dia das mãos da TV Record.
4 – Durante a campanha presidencial de 2013 o jornal Hoje em Dia se posicionou acintosamente favorável à candidatura de Aécio Neves.
5 – Um exemplo: O jornal chegou a publicar uma pesquisa nonsense, que ia à contramão de todas as outras pesquisas de opinião e dava favoritismo a Aécio. A notícia manchetou o portal do jornal no dia 14 de outubro e, velozmente, a imagem da tela do portal do Hoje em Dia estampava a propaganda de televisão de Aécio Neves no dia seguinte.
6 – Outro exemplo: A demissão do jornalista Aloísio Morais do Hoje em Dia, no dia 31 de outubro de 2014. O jornal tentou demiti-lo por justa causa por comentários que ele compartilhou em uma rede social. O comentário criticava o instituto que teve a pesquisa abalizada pela publicação do Hoje em Dia e favorecia Aécio Neves. O jornal perdeu em todas as instâncias e Aloísio foi reintegrado ao trabalho, por determinação judicial, depois de 22 meses.
7 – Após derrota do PSDB, tanto na presidência quanto no governo estadual, o Grupo Bel decidiu vender o jornal Hoje em Dia.
8 – Antes de se efetivar a venda do jornal, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) pediu que o empresário Joesley Batista, da JBS, comprasse o prédio do jornal. Segundo delação gravada de Joesley, o prédio foi comprado por um valor superfaturado. Ele chamou o local de: “predinho”, como passou a ser conhecido.
9 – Com os ativos da empresa liquidados, o grupo Bel fechou o parque gráfico, demitiu todos os funcionários da gráfica e não pagou os direitos trabalhistas.
10 – O jornal foi vendido para o ex-prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz, que é empresário da educação e conhecido por ter como prática dar calote em funcionários.
11 – Ruy Muniz, que chegou a ser preso acusado de fraude na saúde da administração da prefeitura de Montes Claros, assumiu o jornal e demitiu mais da metade da redação: 38 jornalistas.
12 – Os jornalistas não receberam nenhum direito trabalhista. Nem o salário do último mês que trabalharam.
13 – Ação judicial do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais pede que a responsabilidade pelo pagamento dos demitidos seja do atual proprietário, Ruy Muniz, e dos antigos donos do jornal, do Grupo Bel, que são capitaneados por Flávio Carneiro.
14 – Flávio Carneiro também foi citado na delação de Joesley e tratado como um “garoto de recados” para Aécio Neves. O empresário da JBS mandou Flávio falar com o senador para que ele parasse de pedir propina, pois eles estavam sendo investigados.
15 – Diante de uma armação articulada por políticos e empresários resta aos trabalhadores somente uma alternativa: a luta. Por isso, estamos aqui ocupando o prédio. Queremos apenas o nosso direito, que é o pagamento pelo que trabalhamos.

Trabalhadores demitidos do Hoje em Dia contestam nota da Ediminas S/A
Os demitidos da Ediminas – Hoje em Dia, arrolados na dispensa em massa ocorrida no dia 29 de fevereiro de 2016, vêm a público externar sua consternação diante da nota divulgada hoje pela empresa, segundo a qual a mesma vem “cumprindo rigorosamente a legislação trabalhista”.
O grupo citado foi demitido ao findar do último dia do mês de fevereiro propositadamente, de modo a não incorrer no período alusivo à negociação salarial, mas, ao mesmo tempo, fazendo os mesmos, inocentemente, fecharem a edição do dia seguinte sem saber que seriam defenestrados ao findar da jornada, numa atitude que evidencia a covardia dos gestores.
Não bastasse, em reunião oficial, se comprometeram, mediante o Ministério do Trabalho, a pagar o rescisório, chegando ao ponto de marcar horários com os demitidos no Sindicato dos Jornalistas, compromisso esse escalonado a partir da ordem alfabética.
No entanto, na véspera, à noite, em mais uma atitude inacreditável, depositaram o montante de R$ 500 reais na conta de cada um, sem nenhuma explicação.
No dia do acerto, os representantes da mesma compareceram ao Sindicato, no veículo identificado do jornal, e, frente aos demitidos e aos advogados e representantes do mesmo, se negaram a pagar, dizendo que deveríamos procurar a justiça.
Não bastasse, ainda se retiraram do lugar rindo, o que foi devidamente fotografado.
Com essa atitude irresponsável e leviana, jogaram os demitidos numa barafunda sem fim, pois sequer tiveram acesso de imediato ao FGTS, dado o grau de irregularidade da demissão.
Pessoas chegaram a ser hospitalizadas, mas, nas reuniões seguintes, o tom de insensibilidade foi mantido, chegando a nova gestão a colocar seguranças armados na porta da sede, de modo a intimidar os ex-funcionários. Alguns tiveram que viajar para outras cidades para tentar receber o seguro-desemprego, numa Via Crúcis sem fim, que perdura até hoje, passados mais de 15 meses após o ocorrido.
Trabalhadores demitidos do jornal Hoje em Dia / Ediminas
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PS: Devo explicar a ausência dos últimos três dias: estou na muda comigo mesma, e aí me recolho. E vamo que vamo…
PS2: Postagem revista e atualizada dia 02.06.2017: ajuste no calendário semanal, estava um dia atrasada no tempo.
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