por Sulamita Esteliam
À hora em que finalizo o texto que escrevi mais cedo, a tropa de choque do governo aprovou por 50 votos a 26 e uma abstenção o texto-base do projeto que joga no lixo da história os direitos trabalhistas.
Todos os destaques rejeitados: a prevalência do negociado sobre o legislado, o trabalho intermitente e a possibilidade de trabalho insalubre para a gestante.
Significa que a ordem do patronato, razão precípua do golpe que derrubou Dilma Rousseff, está sendo cumprida. O projeto aprovado na Câmara e agora no Senado recebeu cerca de 100 emendas redigidas diretamente por lobistas empresariais, e vai à sanção presidencial.
O mordomo usurpador está moribundo, mas paga a conta antes do enterro, para além de suas pretensões. Nenhuma emenda para evitar que o texto retorne à Câmara.
E assim, o tucanato cumpre o seu legado de representante da casa-grande, e pode, enfim, desembarcar do desgoverno marionete à beira da catatumba.
Para medidas radicais, atitudes radicais. E tinha que partir de mulheres o ato de resistência mais consistente contra o PLC 38.
Muito orgulho de ser mulher. Não qualquer mulher, mas mulher que honra as saias que veste, que sabe dar dignidade ao seu mandato, ou ao seu trabalho, qualquer que seja, que sofre nas entranhas o ato de parir, e na alma o custo de deixar sua cria dormir de barriga vazia.
Muito orgulho das senadoras Fátima Bezerra (PT-RN), Vanessa Graziotin (PCdoB-AM), Gleizi Hoffmann (PT-PR), Regina Sousa (PT-PI) e Lídice da Mata (PSB-BA). Com o apoio de Kátia Abreu (PMDB-TO).
Durante oito horas ocuparam a mesa do Senado impedindo que a votação a toque de caixa de um projeto que faz as relações de trabalho retrocederem, praticamente, aos tempos da escravidão.
Com luzes e microfones cortados, as senadoras Fátima, Vanessa e Gleizi almoçaram na própria mesa, no escuro, mas não arredaram pé.
“A escuridão do Senado é uma luz para as lutas em toda a sociedade”, escreveu Gilberto Maringoni, professor, jornalista e cartunista, em seu blogue na Revista Fórum, ainda no meio da tarde. O mais belo texto produzido sobre a resistência a que a CLT virasse pó.
“O fim da CLT não atinge apenas quem trabalha. Ela desorganiza a sociedade. Os sindicatos representam uma poderosa e eficiente teia de assistência e organização para os de baixo. Sem as entidades, outras estruturas ocuparão esse lugar. Podem ser igrejas variadas, pode ser o crime organizado, pode ser a barbárie nas relações sociais.”
Um exemplo de dignidade que a maioria dos homens, e algumas mulheres infelizmente, sob argumentos os mais estapafúrdios, se negaram a seguir.
No inicio da noite, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), o Índio na lista da Odebrecht, investigado, abriu a sessão praticamente na marra.
Depois de esgotadas as tentativas de negociação conduzidas pelos senadores Paulo Paim (PT-RS) pela oposição, e Jader Barbalho (PMDB-PA) pela base do desgoverno.
Assista a um trecho do discurso da senadora Gleizi, que esfrega na cara dos golpistas a sua covardia:
O Senado, em última instância, abre mão do seu papel de seu poder revisor, de seu papel de legislar.
Teotônio Vilela, recordado no emocionado discurso do senador Paulo Paim, com voz embargada – um gigante na tentativa de um mínimo de bom senso e decência – deve estar se virando no túmulo.
Aqui a fala de Paim pós-aprovação do projeto e recusa dos destaques acordados:
E não deve ser surpresa para ninguém.
Afinal, a maioria dos senadores é feita de empresários e latifundiários, frequentadores da lista suja do trabalho escravo, ou advogados defensores da plutocracia, ou ainda investigados na Lava Jato.
São estes o senhores e senhoras que decidem pela vida e morte dos trabalhadores. Pela minha, pela sua, pela nossa vida.
E foi com cruzes que os movimentos sociais se manifestaram em frente ao Congresso Nacional e diferentes pontos da Capital Federal: mais de 100 símbolos da dor e da morte, uma para cada um dos direitos sequestrados pela ganância
Você me pergunta, de que adiantou a valentia das mulheres senadoras da oposição?
Conseguiram o direito de representantes dos movimentos sociais assistirem a sessão que decidiria sobre suas vidas, o que estava vetado.
Conseguiram discutir o projeto em transmissão ao vivo por todo o país, porque nem isso a base governista aceitava em princípio.
Conseguiram o direito de levar ao debate e à votação as emendas que tentam minimizar o impacto da chibata no lombo do trabalhador, sobretudo das mulheres.
Sim, porque são as mulheres as mais prejudicadas com o retrocesso. As mulheres que já tem jornada de trabalho triplicada, e que, com CLT e tudo, recebem salários menores pela mesma função.
As mulheres que são a maioria dos trabalhadores domésticos, os últimos a terem seus direitos trabalhistas reconhecidos e que agora vão perde-los. Por que até o salário mínimo está ameaçado.
As mulheres agora perdem, inclusive, o direito e o cuidado de, grávidas, não se sujeitarem ao trabalho insalubre, e, lactantes, poderem amamentar no tempo devido suas crias no trabalho.
A reforma trabalhista viola princípios constitucionais básicos básicos.
E não sou Euzinha quem diz, é o Ministério Público do Trabalho. São ao menos 12 pontos de alteração da CLT, inclusive os destaques rejeitados, frontalmente inconstitucionais.
Por isso, o A Tal Mineira não se refere a “reformas”, porque se trata de degola de direitos. Uma crueldade, como bem define Paim. Acaba com os princípios de proteção social do trabalho e da dignidade humana.
Um vergonha a mais para esta nação purgar, até que venham dias melhores.
Fique com a Gleisi, no discurso que abriu a sessão do dia, durante a ocupação das mulheres guerreiras:
Fotos: Lula Marques/Agência PT e José Cruz/Agência Brasil