por Sulamita Esteliam
Sabe aqueles dias em você não tem vontade de fazer nada? Pois foi assim a quarta-feira passada, e Euzinha segui exatamente o script, fiz nada.
Resfestelei-me no berço logo após o almoço, e maratonei uma série daquelas que lhe pegam pelos calcanhares da Netflix nossa de cada dia.
A Casa de Papel, gravada em espanhol da Espanha, legendas em português. Conta a história de um roubo fantástico, que deveria ser sem vítimas – material, física e metafísica.
Dezesseis episódios, um após o outro. Ainda bem que continua… e tomara que seja logo.
Ando assim abusada. Nem o blogue tenho considerado mais obrigação. Tão abusada, que nem me reconheço.
Não é tempo de cobra d’água, os seis meses que passo a ponto de me arrastar… Então, sei lá que bicho me picou!
Mas hoje acordei disposta a por fogo no mundo.
Só que o mundo olhou pra mim e disse, logo cedo: sossega, mulher, que o dia tem 12 horas, e depois vem a noite com tempo igual!
Pois bem. Embondei o dia todo. E quando a noite chegou, veio aquela moleza… que dormi até inda agorinha…
Embondei, para quem desconhece, é embromar no dicionário da finada tia Mundica.
– Eita menina embondeira…!
De fato, está mais para fuga do que para decisão.
Todo esse prologômeno é pra contar que, neste 18 de janeiro de 2018, acordei com notícia triste, já pressentida pelas toadas de amigos na rede nos últimos dias.

Soube que o Flávio Henrique não resistiu à peste amarela. Músico e compositor lá da terrinha de origem, que presidia a Empresa Mineira de Comunicação/Rede Minas e Rádio Inconfidência, empresa e emissoras públicas.
Encantou-se de manhãzinha.
Triste demais, pois se a morte tem hora certa, essa chegou cedo demais. Tinha 49 anos, o rapaz. Quarenta e nove anos de talento, alegria e entusiasmo.
Maior o desconsolo por que não é, propriamente, uma morte morrida. É uma morte matada, pelo descaso. Uma morte evitável, do ponto de vista da responsabilidade sanitária.
Sim, ainda não ouvi autoridade do ramo se manifestar, presentemente. Mas já ano passado, uma bióloga da Fiocruz estabeleceu a ponte.
Não é, não pode ser, por acaso que a febre amarela cruzou as fronteiras de áreas florestais e silvestres para as grandes metrópoles do Sudeste.
E também não pode ser culpa dos macacos encontrados mortos lá pelas bandas de Casa Branca do Brumadinho, onde o artista tinha um recanto, e também nos arredores de Mariana.
A culpa é da ganância e da irresponsabilidade de empresários e governos. A morte do ecossistema do Rio Doce, e não me digam o contrário, cobra seu preço em vidas humanas.
Aliás, circula na rede texto que atribui ao biólogo André Ruschi o seguinte diálogo com o gerente de uma fazenda em Baixo Gandu, cidade ribeirinha no Espírito Santo:
– Você tem ouvido o coaxar de sapo?
– Não.
– Então, temos que nos preparar para um surto de febre amarela. Sem peixe e sem sapos é inevitável isso acontecer. Peixes e sapos são os maiores predadores dos mosquitos que causam todas essas doenças.
Sacou?
É crime, mesmo. Ambiental e humano. E com endereço certo e sabido: Samarco/Vale do Rio Doce/BHP.
Só mesmo uma Justiça aparelhada pela casa-grande pode isentar os responsáveis por catástrofe tamanha como o estouro da barragem.
Um desastre que se configurou em tragédia, sim, pois que o crime é perpetuado se prevalecer a isenção das sanções devidas.
Com a conivência dos governos – antes, durante e depois.
Varreu do mapa Bento Gonçalves, inundou o rio de metais pesados, matou gente, matou bicho, e segue matando nas 40 cidades rio abaixo, e entorno acima.
Assassinou, também, a vergonha.
Flávio Henrique é mais um, e que sua travessia seja de luz.
Já são 16 os mortos pelo amarelão, tão somente nas Minas Gerais. E tem o Espírito Santo, onde o Rio Doce deságua, e os outros dois vizinhos, Rio de Janeiro e São Paulo.
Afora duas dezenas cadáveres, centenas, quiçá milhares de vidas embotadas pela lama ácida.
Voltamos a ser o país do Jeca Tatu. O País das indignidades.
É mesmo para acudir a vontade de dormir, e só acordar quando tudo isso não passar de um pesadelo.
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Deixo você com Flávio Henrique e o Cobra Coral, quarteto no qual era vocalista, em noite gloriosa nas Gerais de 2012. Foi quando venceu o concurso de Carnaval, com a marchinha Na Coxinha da Madrasta.
A marcha satiriza os excessos do vereador de Beagá, Léo Burguês (PMDB), com o dinheiro público.
Quando pensávamos que a dengue, chicungunha e zica eram as pragas mortais, ressurge do passado a febre amarela. o Brasil nos tempos do golpe. O Brasil nos tempos dos cortes das verbas da saúde. O Brasil nos tempos da febre amarela e outras endemias a pouco tempo dominadas.