
por Sulamita Esteliam
Prometi, na postagem de sexta-feira, agregar fotos e vídeos das manifestações em Paris do Dia Internacional da Mulher, assim que as recebesse novamente.
Minha xará, querida Sulamita Lino, tornou a enviar as fotos logo na manhã do sábado. No entanto, um detalhe, para mim fundamental, me fez postegar a postagem: o vídeo com a caminhada do YPJ, um exército de mulheres sírias, que lutam pela liberdade e proteção das mulheres, de seu povo e de seu país.
Fui atrás de informações que desnudassem o significado dessa luta, que tem cinco anos – portanto é recente no tempo histórico -, mas que já faz história naquelas bandas do Oriente Médio, e por conseguinte no mundo.
O pai Google me levou a um vídeo, falado em kurdî e em inglês. Aí, me impus a tarefa de versá-lo em nossa língua pátria.
Como meu inglês é menos do que razoável, mesmo com ajuda do tradutor on line, foi um parto complicado. O resultado está logo abaixo do vídeo, que tem duração de 17 minutos e alguns segundos.
Qualquer impropriedade, observe a correção nos comentários, por favor. A Tal Mineira agradece.
Estou vivamente impressionada com o que vi, devo confessar. Sobretudo, a fala da comandante maior do YPJ, Nesrin Abdullah, que fecha o documentário, é dura e crua, e me balançou. Simplesmente desconcertante.
Todavia, fico por aqui.
Deixo para você, mulher principalmente, o prazer de degustar, refletir e tirar suas próprias conclusões.
Narradora
– Pessoas me disseram para ficar em cas, que sou muito frágil para transportar armas, que não sou suficientemente forte para lutar.
Sabia que esse passo seria o primeiro de muitos.
Somos uma força armada feminina, formada para impulsionar o papel das mulheres na proteção do nosso povo e da revolução em Rojava, norte da Síria.
Somos uma unidade autônoma da YPG, People’s Protection Units (Unidades de Proteção do Povo).
Praticamos auto-organização, através de um estilo de vida comum, com base em nossa ideologia, democracia direta, empoderamento e liberdade das mulheres.
Juramento coletivo
– Armas no ombro!
– Estou pronta para o nosso paradigma de uma sociedade democrática e ecológica para uma Síria democrática.
Hesret Qamishlo, membro do YPJ
– Juntei-me ao YPJ para vingar nossos amigos martirizados, carregar sua resistência e lutar contra a injustiça contra as mulheres.
– Aqui posso proteger o meu País.
Bishengê Shedade, outra membro do YPJ
– Meu nome é Bishengê. Sou de Shedadi, e me juntei para protestar pelo direito das mulheres e continuar a resistência de nossos camaradas.
Juramento coletivo
– Nos prometemos, nós prometemos, nós prometemos!

Narradora:
– Mais do que um contrato escrito, é comprometimento real e moral. Prometemos honrar, entregar nosso coração.
Nós dedicamos nossa vida à proteção e ao desenvolvimento de uma nova sociedade ética, colocando a liberdade do nosso povo acima de tudo.
Nós, membros da YPJ, nos dedicamos a crescer e a lutar como mulheres revolucionárias, com coragem, honestidade, empatia e integridade em qualquer situação, na linha de frente como no cotidiano.
Azima, comandante do YPJ:
– A situação da mulher no Oriente Médio é mundialmente conhecida. O quadro é desenhado pela sociedade. As condições são impostas a elas em nível moral. Ninguém poderia ir além.
Como as mulheres se organizam em nivel militar?
Como se desenvolveriam como soldados? Como lutariam?… E contra ataques dos ISIS (Estado Islâmico do Iraque e Síria)? Eles são bem organizados.
Pessoas diziam que o exército de mulheres não teria força suficiente.
Nós não nos organizamos apenas contra o ISIS, mas contra as condições previamente impostas pela sociedade. Então, há uma luta contra isso também.
Especialmente porque você tem de se afastar de sua familia. Antes você era membro da sua família. Agora você é parte de sua nação.
Por estas razões também, quando o YPJ foi formado, havia muito poucas de nós.
(A primeira tropa do YPJ foi formada em 13 de fevereiro de 2013, em M.Roksan Afrin, Afin).
Podemos dizer que havia 20, 30 mulheres em uma unidade, duas unidades, três, quatro unidades.
Foi assim que o YPJ cresceu passo a passo. Mas, no início, nós éramos apenas algumas.
(Em 04 de abril de 2013, o YPJ foi oficialmente criado , durante a primeira conferência em Derik)

Quando uma mulher se junta ao YPJ não tem experiência militar. E foi assim para qualquer uma em Rojava. Então, isso foi difícil.
Porque você também quer proteger sua terra, seu país. Você tem que conhecer sua própria história, defender seu gênero, como mulheres.
Eu queria saber o quanto as mulheres, realmente, protegeriam sua terra. Quanto elas adorariam, como elas poderiam esforçar-se para isto.
Foram perguntas durante as batalhas de Sherikani, Mabruska, Rawiya, Til Kocher, até a batalha de Kobane, e a última em Manbij.
O papel desempenhado pelas mulheres deixou seu dedo na história. Por exemplo, na guerra de Kobane, dentre todos os lutadores, 80% eram mulheres.
Da equipe de coordenação à linha de frente das unidades, havia mulheres.
A ideia de que, se são mulheres, o ISIS não vai ao paraíso, que se fosse uma mulher que os matasse eles iriam para o inferno. Isso não é verdade, porque o ISIS nos atacou, enviando muitos dos seus homens.
Por exemplo, o envio de 250 terroristas para 30 dos nossos camaradas.
Temos a expressão: você os arruina.
Nós arruinamos os planos deles, suas táticas, seus objetivos, sua existência.
A vitória em Kobane foi épica, e com a participação das mulheres tornou-se heróica.
A identidade que o YPJ ganhou não se concerne apenas às mulheres de Rojava, mas às mulheres de todo o mundo.

Narradora:
– Se a resistência Kurda permaneceu desapercebida até a batalha de Kobane, a resistência das mulheres lá deu origem a um símbolo que transcendeu quaisquer concepções anteriores sobre as capacidades femininas.
“Elas não entrarão em nenhuma parte da cidade, sem passar por todas as copas”, disse Meysa Ebdo, a comandante do YPJ em Kobane.
Nós dissemos que foi a batalha entre a humanidade e a barbárie, entre a liberdade e a tirania.
Nos recusamos a recuar e por isso centenas de nós foram martirizados. Mas o espetáculo da nossa resistência viverá para sempre na memória dos nossos inimigos e nos corações do nosso povo.
Resistência
Newroz Kobane, lutadora do YPJ

– Na revolta de Rojava, eu estava em Kobane. A guerra era intensa.
Eu estava numa unidade móvel. Era uma grande unidade. Íamos a todos os lugares. Por exemplo, durante o dia, durante a noite, nós íamos a qualquer lugar onde havia necessidade de suporte.
No leste de Kobane, enfrentamos algumas dificuldades, pois havia apenas alguns camaradas. Eles chamaram por reforço, porque eram superados em número na fronteira com a Turquia.
A Turquia deixou o ISIS atravessar, e o ajudou de toda maneira possível. Independentemente de quantas forças, fontes de exércitos e armas pesadas eles usaram contra nós, não caímos.
Talvez tivéssemos camaradas martirizados. Mas, por causa desse dia conseguimos ter Kobane novamente livre.
Prometemos aos nossos amigos martirizados, aos camaradas que resistiam e para nossas companheiras Kêvan, Aurîn e Gelhad, que nunca deixaríamos Kobane sozinha.
Como a mártir Rêvan. Ela estava apenas há um ano conosco, mas nos deu uma grande força e moral. A força que tiramos de nossos camaradas fragilizados. Daqueles com quem lutamos ao lado, daqueles que não estão aqui agora, e que nos permitiram chegar até hoje.
Nó ficamos fortes e mantemos a moral por causa dos nossos amigos.
Narradora
– Nosso senso de sacrifício não foi conduzido de maneira alguma por um desejo egoísta pelo paraíso, mas por amor ao nosso povo e aos amigos.
Dra Vyian, Hospital Militar de Kobane

– Realmente queria trabalhar no campo médico para se juntar a esse trabalho, para conhecer suas dores e como eles a superam.
Estou muito feliz em passar tempo com eles. Toda vez que um amigo se recupera, todos relaxam, e nos sentimos melhor também.
Nós somos um hospital militar para soldados, para forças de segurança, para todos que prestam serviço militar, para o YPG e YPJ. Nós realmente queremos desenvolver este setor, porque a guerra e a saúde estão interligadas.
Então, por exemplo, se houver uma luta repentina e não há serviços médicos suficientes, haveria muito martírio.
Nós somos o lado médico, eles são o lado militar, e nós nos ajudamos.
Porque nossos lutadores foram implacáveis na batalha de Kobane, fomos pressionados a agir rapidamente e a fornecer serviços médicos, o que foi um desafio por causa do embargo.
Nós sabíamos que, para fazer uma guerra de longo prazo, teríamos que desenvolver outras áreas afetadas por uma briga.
Desde a vitória de Kobane, muitos novos médicos estão sendo formados para atender as especificidades e emergências de guerra.
Vemos uma quantidade de mulheres se juntarem ao nosso treinamento militar, em que a educação sobre o significado da autodefesa e da democracia se intensifica.
Janda Kocher, responsável pela Academia Martyrlinda
– Os revolucionários do exército interno e os comandos precisam seguir treinamento e estilo militar, com pessoas em aprendizado constante.
Geralmente, nosso trabalho se baseia em educação e cultura. Como? Percebam que todos precisam ser educados. Quero dizer, em qualquer sistema, qualquer pessoa ou entidade precisa ser educado, para nos conhecermos, cada uma das nossas várias personalidades, e melhorar nossa consciência ética.
Em que ser baseia nossa ideologia?
Damos todos os conhecimentos essenciais sobre o Kurdistão. A maioria deles é também sobre a cultura das mulheres, para que possam conhecer de novo sua própria natureza, realidade e história.
Estamos, especialmente, estudando sobre as mulheres e seu vínculo com a família, e sua relação uma com a outra; sobre as mulheres e sua realidade, para conhecer suas personalidades e sua relação com os homens, como viver sendo uma mulher.
Dizemos que estamos construindo uma revolução. E esta revolução irá construir uma nação. E em uma nação democrática, todo mundo precisa conhecer sua própria verdade.
Shilan Afri, lutadora YPJ
– Como membro do YPJ, quero que todas as mulheres saibam se proteger.
Neijla, membro da HPC – Society’s Protetion Forces (Forças de Proteção Social)
– (As mulheres) Têm medo de tudo: medo do meio ambiente, medo da sociedade, medo das crianças, medo do seu homem. Mas, agora, esse não é o caso, além disso, porque você toma a sua vida em suas próprias mãos, sua mente em seus próprios conhecimentos e suas próprias políticas.
Woman Fighters Inspecial Forces (Força Especial de Lutadoras) – imagens do treinamento

Chichek, YPJ media (comunicação)

– Como YPG, IPJ, nós prometemos lutar pela humanidade, para o povo e, na comunicação o caminho é o mesmo: repetimos nosso compromisso de mostrar a verdade desta guerra.
Quando vou para a frente de batalha, pego minha munição, meu rifle, mas não esqueço minha câmera.
Zilane Britania, lutadora YPJ
– A guerra civil da Síria é a pior guerra que o mundo já viu há anos. E eu penso que, para mudar a forma como a guerra funciona, o mundo tem que olhar para o YPJ.
E entendo o quão é importante o YPJ estar na linha de frente, a mulher estar na frente de batalha. E as mulheres trazem seus próprios valores para a guerra.
Zin, comandante YPJ
– Hoje, por causa do YPJ, as mulheres participam de todas as instituições de Rojava. Elas têm seu próprio papel na comunicação, saúde, economia, arte e cultura, aprendizado de idiomas, em todos os campos.
O fato de que hoje estão construindo seu próprio lugar na sociedade, também é uma vitória conquistada pelo sangue das mártires YPJ.
Lutadoras a caminho de Manbij
– Por favor, você é da base Kurda?
– Da base Kurda? O que você precisa?
– Eu quero me juntar, então.
– Você quer se juntar?
– Por que você quer se juntar?
– Eu fiquei impressionada, eu gosto delas.
Zin, comandante YPJ
– Nós, do YPJ, vemos as mulheres que resistem na Europa como modelos. As mulheres europeias também devem vir hoje nos apoiar.
Quero dizer, mulheres como Clara Zetkins, Rosa Luxemburgo e todas aquelas de quem nós herdamos, e que nos deram armas para resistir hoje.
Mulheres europeias que não devem esquecer Joana D’Arc. Joana D’Arc vestiu-se de homem e foi lutar. Mas hoje é possível lutar como mulher, à nossa maneira.
E nós não somos uma, mas milhares de mulheres que lutam como mulheres.
Narradora
– Hoje, no YPJ, somos capazes não apenas de lutar na maior ameaça do nosso tempo, mas também para resolver as raízes que causam o grande empurrão para as mulheres permanecerem reprimidas.
Se nosso objetivo é claro, ainda restam muitas etapas até uma mudança significativa em todo o mundo.
E isso também diz respeito a você.
A luta que o YPJ leva contra o ISIS é para toda a humanidade. Elas se preocupam com a responsabilidade de proteger os valores humanos.
Nesrin Abdullah, comandante maior do YPJ
– O YPJ gosta de lutar porque sabe por que está lutando. As mulheres são mortas, e estamos no século 21.
As mulheres são vendidas e compradas.
As mulheres são tomadas como escravas, não têm oportunidades de trabalho.
As mulheres vivem em desigualdade com o homem.
Descarte todos esses lemas: direito das mulheres, democracia, igualdade, justiça social.
Se você se colocar em sua posição, você e sua experiência de vida, verá que não existem possibilidades.
Qualquer mulher, em qualquer país, não pode realmente se considerar livre.
Em qualquer país que se considere moderno e democrático, as mulheres estão sendo mortas.
A sociedade não precisa de um exército pra escravizá-lo. A sociedade precisa de forças que protejam seus valores.
Os principais objetivos do YPJ são:
- Unidade das mulheres em todo o mundo, como dissemos anteriormente.
- Construir uma nova cultura de exército.
- Construir uma sociedade livre, democrática e ecológica, o que aumenta a qualidade da relação entre as pessoas.
******* Postagem revista e atualizada dia 13.03.2017, às 13:12 h, para pequenas correções de digitação e inclusão de fotos.
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