por Sulamita Esteliam
Não foi apenas no Rio de Janeiro, onde se deu a barbárie. A voz de Marielle Franco ecoou pelos sete cantos do Brasil e e mundo afora, em atos massivos e sonoros ou em vigílias, mas sempre em protestos a serem ouvidos por quem acredita que poderia calar a voz do povo.
Em especial da gente pobre, negra, favelada, desvalida, e também de quem se importa. E, em particular, da mulher negra e periférica, que sofre cotidianamente com a ausência de políticas públicas, e que forma a maioria das mulheres mortas neste país.
O gênero e a cor fazem diferença, sim. O que não retira o caráter essencialmente político do assassinato de Marielle, que acabou levando junto o motorista Anderson Gomes. Antes, o reforça.
Marielle foi abatida porque ocupava um espaço que lhe permitia ecoar a voz dessa gente desvalida, dessas mulheres sem rosto, cuja dor não vende jornais. Por que se opunha à natureza eleitoreira e preconceituosa da intervenção militar na sua cidade, com armas e truculência tão somente para as favelas, onde para sua gente morro é verbo.
E mulher, numa sociedade patriarcal e excludente, como a nossa, tem direito a ficar calada. Se é preta e pobre, então…
Pois não conseguirão calar a voz de dor e indignação, de revolta pelo assassinato, e responsabilidade pelo legado da vereadora pelo PSol da capital fluminense. Marielle vive na voz daqueles e daquelas que defendia!
Marielle Franco, entretanto, não é o primeiro caso de execuções neste Brasil do golpe. São nada menos do que 24 ativistas, lideranças comunitárias e militantes políticos assassinados em diferentes regiões do país desde 2014, quando o golpe começou a ser gestado.
O Ópera Mundi faz o dever de casa em levantamento alarmante e necessário. Uma amiga querida, ativista da comunicação, me enviou o link em reservado.
De qualquer forma, a dupla execução de agora caiu no colo dos algozes feito um bumerangue, quaisquer que sejam as mãos que efetuaram os disparos. O que está em jogo é muito maior e danoso, e é fundamental que nos mantenhamos alertas e unidos.
Nos obriga, nós que temos mais de 50 anos, a recuar no tempo, quando assassinaram o estudante Edson Luís, no mesmo Rio de Janeiro, e resultou na passeata dos 100 mil, em 28 de março de 1968. O que deflagrou uma série de protestos por todo o Brasil, escancarando a fase repressora do regime ditadorial civil-militar.
Ou, 13 anos depois, a bomba que explodiu no colo dos bate-paus do fascismo militar da ditadura requerida por civis, que poderia ter matado milhões no show do Primeiro de Maio de 1981, no RioCentro, ainda no Rio de Janeiro.
Três anos antes, os assassinatos do jornalista Vladimir Herzog, sob tortura no DOI-Codi em São Paulo, e do operário Manoel Fiel Filho, um ano depois, obrigaram a ditadura militar a iniciar a distenção, lenta e gradual, que levaria mais 10 anos até o inicio da redemocratização, ora enterrada pelos golpistas de sempre.
São memórias imprescindíveis como guia. É a História nos mostrando como tudo pode se repetir, não necessariamente como farsa, mas com a crueza da realidade manietada.
A violência política, policial ou para-policial ou militar é a face explícita de um país em desgoverno, fruto da desfaçatez de uma elite perversa, que viola a democracia com o mesmo escárnio que estupra direitos e mulheres.
E isso diz respeito a todos nós, mulheres e homens, pretos, pardos, brancos, indígenas, amarelos ou ciganos.
Nesse sentido, a rua é ou deveria ser um grande guarda-chuvas, na expressão do querido amigo mineiro, jornalista e advogado, Eduardo Nunes Campos, onde não se deve abrigar a intolerância. Lamentavelmente, ele próprio alvo de incompreensões e um quase linchamento nas manifestações de quinta à noite, em Beagá.
O inimigo comum é o adversário a ser derrotado, não a diversidade que nos distingue.
Ou nos igualeremos àqueles que combatemos.
Compartilho fotos de alguns atos-homenagem a Marielle e Anderson pelo Brasil.
Em São Paulo, uma multidão tomou conta do vão do Masp e ocupou toda a Consolação.
Em Belo Horizonte, minha Macondo de origem, milhares cobriram de gente em protesto a Praça da Estação, e caminharam pelas ruas do Centro em tributo à Marielle e Anderson.
Em Salvador, houve manifestações espontâneas em todas as atividades do Fórum Social Mundial no Campus da UFBA. O evento que discutiria propostas de esquerda para a candidatura do PSol à Presidência da República foi transformado em ato em memória de Marielle e Anderson, e se espalhou pela cidade universitária, arrastando milhares pelas ruas da capital baiana até a Câmara Municipal.
Mas não apenas na tarde e noite da quinta. Na manhã desta sexta-feira, a Assembleia Mundial de Mulheres aclamou Marielle como um exemplo ser seguido pela luta comum das mulheres mundo afora. O luto é resistência e luta.
“Ou o Estado vai nos matar a todas”, nas palavras uma ativista curda, ao relembrar para as mulheres que se aglomeravam no Pelourinho, que, como Marielle, suas três companheiras assassinadas em 2013, em Paris, lutavam pelos direitos das mulheres e por um mundo melhor.
No Recife, em Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Fortaleza, dentre outras capitais e cidades do país, também houve manifestações.
Ah, sim, notícias desta sexta dão conta de que a munição das pistolas 9 mm usadas para executar Marielle e Anderson, fazem parte de um lote adquirido pela Polícia Federal em 2006. Da mesma carga usada na chacina que abateu 23 pessoas em Osasco, Grande São Paulo, em 2015.
As polícias civil e federal vão rastrear o possível desvio. Mas gente experiente acha que tem gato na tuba.
O povo, o mundo, querem saber: Quem matou Marielle e Anderson?
Muito embora, no fundo de seu âmago, já tenha a resposta que uns e outros tentam maquiar.
Em caso de dúvidas, uma boa dose de Renato Aroeira, implacavelmente genial.
Tristeza imensa! Ótimo trabalho amiga Sulamita!! Muitas fotos, texto completo! Você é show@ Somos todas Marielle 💜
Célia – radialista apaixonada – comunicadora de gênero no radio Frente de Mulheres de Movimentos do Cariri – Ce Rede Mulheres Amarc/Brasil Rede Mulheres em Comunicação Rede Mulher e Mídia Terapeuta Holística em Reiki Celular Tim: 88 – 99635 1560
Obrigada, querida. Se achar por bem, espalhe. Xêros.