Quando a checagem produz o avesso do jornalismo

 

por Sulamita Esteliam

Nos últimos dois dias travou-se uma disputa nas redes sociais em torno do caráter da visita, que não houve, do advogado argentino Juan Grabrois ao presidente Lula, prisioneiro político em Curitiba.

Seria Grabois um emissário do Papa Francisco? O rosário que ele deixou na Superintendência da PF para ser entregue a Lula seria ou não um presente do papa?

Tudinho por que a Agência Lupa, supostamente missionária da verdade factual, e que é associada ao Facebook, classificou a notícia como fakenews, falsa. Não o fez a partir do nada, mas de uma nota caolha publicada no sítio do Vatican News, que, por óbvio, traz notícias do Vaticano. E o Vaticano é o Vaticano.

A mídia venal, que não havia publicado uma linha sobre a visita bloqueada pela PF e o presente papal ao prisioneiro político Lula, aproveitou-se para repercutir a denúncia. Claro.

Só aí, com um mínimo de discernimento de como a roda gira, já se poderia imaginar o que aquece o chiado da chaleira.

Não podemos nos esquecer que vivemos em estado de golpe, no qual a mídia venal, ou PIG – Partido da Imprensa golpista é ponta de lança, pois não?

A Lupa, ao contrário do procedimento que deveria ser regra uma agência jornalística, quanto mais de checagem, partiu para o ataque à página do presidente Lula no Facebook e à mídia independente, personificada naqueles de maior penetração.

Mas escolheu o alvo errado, ao incluir a revista Fórum, editada pelo blogueiro Renato Rovai. Acusou-a de espalhar notícias falsas, mas sem ouvi-la ou a quaisquer dos sítios noticiosos e/ou blogues.

Mais: ignorou a fala de Juan Grabois, em entrevista gravada em vídeo, onde ele se coloca, claramente, como emissário de Francisco. Não é interpretação nem invenção da Agência PT ou do sítio do ex-presidente Lula. Está lá, gravado, para todo mundo ver e ouvir.

Presente, dentre outros, o microfone da Globo – conforme assinalado na postagem do A Tal Mineira, na segunda, 11. Ali, observa-se, a propósito, que, em dado momento, quando a fala do entrevistado se torna explicitamente política, o repórter gira a ferramenta para exibir a logo da repetidora local.

Ainda assim, muita gente, inclusive de esquerda, viajou no balão ativado pelo PIG, via agência supostamente de checagem de notícias falsas.

Detalhe: a Agência Lupa, de propriedade de João Moreira Salles, está ligada umbilicalmente à revista Piauí, concorrente da Fórum, informa a contra-narrativa da Fórum – clique para ler a matéria original.

O próprio Rovai pôs sua experiência, e suas fontes, em campo para desmentir o desmentido, o que fez também em seu blogue. Uma manipulação clara, que afeta sua imagem, da revista que dirige e, portanto, seus negócios.

Conseguiu chegar ao Juan Grabois, que por sua vez cutucou o ninho chamado Vaticano, de vespas embatinadas, e obteve uma, depois outra nota repondo os fatos como eles são.

Euzinha faria a mesma coisa, se me sentisse atingida em minha reputação profissional, mesmo editando um blogue anão, como o é o A Tal Mineira. Assim como faria minha obrigação, assumindo a “barriga”, ou admitindo o erro, se fosse o caso.

Mas não é apenas isso que está em jogo, e Rovai vai ao ponto.  Quem vai dizer o que é fakenews ou fato e com que intenções? A mídia convencional e suas parcerias, como o Facebook?

Aliás, “agência de checagem”  foi assunto de debate no último #6BlogProg, em São Paulo. Verdade é o que elas publicam, ainda que manipuladamente, e mentira é o que informa a mídia contra-hegemônica?

Acompanhei o leve-e-trás das redes deste imbróglio, colocando a posição baseada em minha experiência para lidar com situações do gênero. E aguardei que se desfizesse o embrulho, muito mal embalado por sinal.

Balões de ensaio têm cheiro, tem cor e fins políticos. Repercuti-los é contribuir para multiplicar seus efeitos.

Quando mais quando, tanto no caso do A Tal Mineira como nas demais postagens a respeito na blogosfera independente, a informação tinha fonte certa, e foi devidamente apurada.

Euzinha assisti ao vivo a entrevista de Grabois, linquei as postagens da Agência PT e do sítio Lula.com.br. Juan Gabrois, ademais, nem de longe parece ser impostor, e se o fosse teria que ser dos melhores para ousar falar em nome do papa.

Assim como outros blogues e sítios independentes, fui ao Vatican News checar a relação dele com o Papa. Não tenho por que duvidar do que ouço e vejo, e meu discernimento entende como apropriado. E é o que querem que façamos, todos; é parte do jogo desconstruir para se atingir o alvo.

E há que se lembrar, também, que, na entrevista, ele se apresenta como emissário de Francisco, não do Vaticano, o que não torna sua missão oficial.

Desnecessário lembrar que papa, além de chefe da Igreja Católica, e portanto pastor, é chefe de Estado, o que o obriga ser cuidadoso quando se trata das instituições.

Além do mais, é corrente que Jorge Bergoglio sempre se valeu de intermediários para levar sua mensagem onde a conveniência política não o aconselhe a fazê-lo pessoalmente.

Mesmo para quem tem demonstrado coragem pastoral e política, o Papa Francisco é sagaz o bastante para saber onde pisa. O ninho chamado Vaticano não prima em parir somente anjos. Está aí a História para não nos deixar mentir nem olvidar.

Transcrevo a correção, já que o desmentido foi, convenientemente, excluído do sítio Vatican News; mas uso a imagens colhidas pela Lupa para ilustrar. A nota que o substituiu também tomou chá de sumiço, e veio à tona uma terceira,

Mais abaixo, a carta, original e versão em português, que Juan Grabois escreve ao ex-presidente Lula, postada em seu Facebook. Ele relata o episódio de sua visita frustrada, reafirmando a mensagem do Papa Francisco, do qual o rosário deixado na PF é parte, e pede desculpas pelo “dano causado” pela manipulação da verdade.

A Agência Lupa ainda não se convenceu de que, no mínimo, se precipitou ao definir como falsa a notícia a partir do fato constatado. Diz que aguarda um “pronunciamento oficial do Vaticano”.

Das duas uma: ou não entendeu nada, ou sabe que embarcou numa furada e não vai admiti-lo.

 

Correção sobre o caso Grabois-Lula

Corrigindo um nosso serviço precedente sobre o caso Grabois-Lula, devemos ressaltar que havia imprecisões na tradução e nas transcrições que induziram a alguns erros.
 

Cidade do Vaticano

Corrigindo um nosso serviço precedente sobre o caso Grabois-Lula, devemos ressaltar que havia imprecisões na tradução e nas transcrições que induziram a alguns erros. Abaixo apresentamos a notícia correta.

O advogado argentino Juan Gabrois é Consultor do ex-Pontifício Conselho Justiça e Paz, que passou a fazer parte do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, e é o coordenador do encontro mundial dos movimentos sociais em diálogo com o Papa Francisco.

Grabois concedeu uma entrevista (https://youtu.be/A7F-C1Bi5Q0) depois de ter sido impedido de visitar o ex-presidente Lula no Cárcere de Curitiba, onde está detido há mais de dois meses. Grabois definiu inexplicável a rejeição de não ter podido se encontrar com Lula a quem queria levar um Terço abençoado pelo Papa, as palavras do Santo Padre e as suas reflexões com os movimentos sociais e discutir assuntos espirituais com o ex-chefe de Estado.

Grabois disse que está muito preocupado com a situação política no Brasil e em vários países da América Latina. Enfim, disse estar muito triste pela proibição de realizar esta visita, mas que o importante é ter conseguido levar a Lula o Terço.

 

13 junho 2018, 00:51

 

Querido Lula:

Ontem eu saí do Brasil muito angustiado. Como sabes, impediram-me de te visitar de forma injustificada, arbitrária e mal-educada. Depois, visitei os meus irmãos e irmãs provadores, carrinheiros, camponeses, favelados, professores, servidores públicos, operários e integrantes de diversas pastorais. Pude sentir a dor do seu povo, partilhar a sua impotência perante a injustiça, a sua revolta perante a perseguição do seu máximo dirigente. Notei também a enorme deterioração institucional, social e política que o Brasil sofre por causa da ambição de poucos que concentram o poder e impedem que as diferenças se apaziguamento nos quadros da democracia.

O drink mais amargo, porém, me esperava no aeroporto de Curitiba. Foi aí que soube que estavas a ser atacado nos meios de comunicação social e redes sociais. Dizem que mentiu sobre o Rosário enviado pelo Papa Francisco. Acontece que tu, preso e incomunicável, também mentes! Com espanto vi que os seus inquisidores indicavam que a fonte da sua calúnia era o próprio Vaticano. Maior foi a minha surpresa quando confirmei que numa página da internet chamada Vatican News tinham publicado um texto em português agressivo, repleto de imprecisões e erros de redação. A comunicação desta página não pode ser considerada oficial, mas, com efeito, trata-se de um local dependente do secretariado de Comunicação do Vaticano. Enquanto lia, não podia sair do meu espanto.

Evidentemente, um editor desse site, sabe Deus com que intenção ou a pedido de quem, quis causar um tumulto e conseguiu. Quando pude reclamar com os superiores, a nota foi removida do site e substituída por uma adequada (https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2018-06/precisacao-sobre-caso-grabois-lula.html), mas o dano já estava feito. Infelizmente, os meios que espalharam até o paroxismo a suposta desmentida vaticana não deram visibilidade à nova nota com a informação correta. Será que vivemos na era da pós-verdade?

Nunca revelei o conteúdo de um encontro com o Papa Francisco porque sou leal, o respeito e admiro muito. Além disso, sei que o seu apoio aos movimentos sociais e aos pobres lhe traz mais do que uma dor de cabeça. Como sabe, ele também sofre o ataque sistemático dos fariseus e herodianos dos nossos tempos. No entanto, tendo em conta as circunstâncias, sinto-me na obrigação de te contar como foram as coisas. Em meados de maio estive no Vaticano para visitar o Francisco, que me honra com uma amizade que não mereço, ama seu País e – como ele mesmo indicou – está preocupado com a situação actual. Como sabe, é muito claro e frontal, não precisa de porta-vozes, e eu nunca quis sê-lo. Sofro muito quando a mídia me coloca nesse lugar. Eu apenas tento ajudar no diálogo com os movimentos sociais, algo que tenho feito desde que nos conhecemos em Buenos Aires, há mais de dez anos, lutando por uma sociedade sem escravos nem excluídos. Neste momento, colaboro com o Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, que é presidido pelo cardeal Peter Turkson, com quem organizamos os três encontros mundiais de movimentos populares e outras atividades para promover o acesso à terra, o teto e o trabalho como direitos essenciais.

Por esses dias de maio, meus amigos dos movimentos populares do Brasil me ofereceram a possibilidade de te visitar. Fiquei muito satisfeito porque admiro o que fizeste como presidente pelos mais pobres e tenho a certeza de que és alvo de uma perseguição política, tal como Nelson Mandela e tantos outros dirigentes políticos na história recente. Aproveitei, então, aquela visita ao Vaticano para conversar com o papa sobre a situação e pedir-lhe um rosário abençoado para levar a ti. Assim foi. É incrível que um gesto tão simples de solidariedade e proximidade do papa, um objeto que serve para rezar, gere tantos problemas, mas não é a primeira vez e Vatican News é responsável por ter permitido que se publique essa nota tão inapropriada e de falta de profissionalismo. O seu responsável pediu-me perdão e perdoo-lhe, porque todos podemos cometer erros. Mas também sei que houve danos graves.

Também quero esclarecer que, quando me negaram ver-te, pedi aos teus colaboradores que te levassem o Rosário, esclarecendo, expressamente, que vinha da parte do papa e com a sua bênção. Por esse motivo, o que eles afirmaram na sua conta do Facebook – erroneamente denunciada de fakenews e ameaçada com a censura – é simplesmente o que eu lhes disse: A verdade. Entrego esta carta aos seus colaboradores com a autorização expressa de que a postem se lhes serve para amenizar o dano causado, embora tema que aqueles que odeiam esse operário que tirou da fome a quarenta milhões de excluídos e colocou de pé a América Latina em frente aos seus colaboradores, os poderes globais, não vão dizer a verdade.

Te peço perdão pelo que aconteceu e te deixo um abraço fraterno, Latino-Americano e solidário.
Rezo pela tua liberdade, o teu povo e a nossa pátria grande.

Juan Grabois

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