Educação e indígenas na mira da besta-fera; Povo Pankararu é o alvo da vez

por Sulamita Esteliam

No domingo, 28, no interior de Pernambuco, a sombra da madrugada após a votação e apuração do segundo turno foi o manto para a barbárie se apresentar, desta vez em forma de destruição pelo fogo.

Queimaram a escola municipal e o Posto de Saúde da Família que atendem à comunidade do Povo Pankaruru na Aldeia Bem Querer de Baixo, município de Jatobá, no Semiárido pernambucano.

No primeiro turno, os bate-paus do inominável nem esperaram fechar as urnas para disseminar a selvageria, que incluiu a morte de três pessoas, dentre elas mestre Noa do Catendê, assassinado a facadas porque votou no PT

A amiga jornalista Laudenice Oliveira, que trabalha com os movimentos sociais, me envia, pelo zap, link do Diário de Pernambuco. Mas a notícia sobre o incêndio criminoso desta madrugada foi capturada no Facebook, na página do Povo Pankaruru.

Lá está escrito que a Polícia Civil abriu inquérito para investigar “a motivação e os suspeitos do incêndio. Uma perícia está nos locais.” O inquérito é coordenado pelo delegado Daniel Angeli

Transcrevo a postagem original, com as fotos:

“A barbárie começou.

Hoje nosso povo acorda com uma escola e um PSF destruídos pelo fogo do ódio, preconceito e da intolerância. A Escola São José e o PSF, prédios da Prefeitura de Jatobá, localizados na aldeia Bem Querer de Baixo, foram criminosamente incendiados tendo praticamente perda total da estrutura física, móveis, documentos, equipamentos… Pouca coisa se salvou.

A comunidade Bem Querer de Baixo é uma das principais áreas de conflitos entre indígenas e posseiros e onde recentemente tivemos ganho de causa pela reintegração de posse do nosso território.
Os maiores prejudicados são as crianças sem escola nas vésperas do fim do ano letivo, a comunidade sem o PSF onde eram realizados cerca de 500 atendimentos mensais e a nossa alma que é constantemente ferida, machucada… Mas jamais silenciada.

Que se faça a devida investigação, que os culpados sejam punidos, que haja justiça!

Hoje, mais do que nunca, resistir é a palavra de ordem.

Que a Força Encantada nos proteja.”

A lembrar que o presidente eleito pregou a violência generalizada, que torna alvos os povos tradicionais – indígenas, quilombolas, assim como negros de modo geral, mulheres e gays.

Embora tenha, ao final, mudado o rumo da prosa para estancar a sangria de votos que ameaçava sua eleição, deu a seus seguidores e apoiadores passaporte livre para barbarizar.

O povo caiu no conto do coisa ruim. E tem gente que acha que é blefe todas as maldades anunciadas. Agora está feito.

 

O Povo Pankaruru foi um dos que reagiram às promessas de extermínio de direitos dos povos indígenas, arduamente conquistados.

Um pregação que serve ao latifúndio e ao agronegócio, uma das bases de sustentação da sua candidatura.

Valeram-se de sua página no FB para divulgar um vídeo produzido com lideranças indígenas; e um texto veemente, em resposta à pregação racista e desumana do então candidato.

“Os verdadeiros filhos da Pátria dizem que ele não nos representa. Nós dizemos também que ele não nos representa.”

Assista ao vídeo – e leia o texto-resposta dos Pankaruru aqui

Registre-se que Pernambuco não é caso isolado. Na noite de domingo, em Salvador, uma jovem de 24 anos foi espancada, outras mulheres foram presas, militantes pró-Haddad.

Os agressores, soldados da própria PM  do estado onde o governador Rui Pimenta é do PT, e foi reeleito no primeiro turno com 70% dos votos, votação semelhante à atribuída ao professor no segundo turno.

No sábado, em Pacurus, no Ceará, um jovem de 23 anos foi executado a tiros, dentro do veículo onde participava com a família de carreata pró-Haddad.

No domingo anterior, em Olinda, o prefeito local, do Solidariedade caiu na boca do povo. A conversa geral é que ele teria proibido a passagem do Amor em Bloco – reunião de mais de 70 blocos carnavalescos em apoio ao candidato do PT e por Democracia pelo Sítio Histórico. Que, aliás. estava coalhado de PMs.

O partido dele apoiou você sabe quem.

Uma integrante de grupo carnavalesco que não estava no desfile buscava se orientar aonde encontrar a manifestação, e me abordou. Estávamos no Largo de São Pedro, a caminho do Largo do Amparo, onde o cortejo deveria estar, dado a hora, quando nos abordou.

Ela com a roupa do bloco, e só então colocou os adesivos do candidato do PT. Disse que se sentia insegura, com medo de abordagem policial indevida, e animou-se quando nos viu paramentadas. Pediu para nos acompanhar – a mim e minha filha e netinha ainda bebê.

Na verdade, acabou nos convencendo a dar meia volta e partir para o local da dispersão, e nos guiou por caminhos pouco conhecidos. Terminamos fazendo um arrodeio imenso, pois os blocos não estavam lá, e tivemos que ir ao encontro deles no Bonsucesso, para onde deveríamos ter seguido já o ponto de partida.

Mas, como se diz, é tudo cessa quando um valor maior se alevanta.

A moça relatou que na subida do Bairro Novo para a Sé, uma colega que estava sozinha foi intimada por um soldado a retirar os adesivos, sob pena de “não passar”.

O nome disso e daquilo, e daquilo outro, aqui como na Bahia ou no Ceará, é arbítrio. Impedir a livre expressão e manifestação do pensamento é atitude típica do fascismo. Assim como a truculência e a barbárie para intimidar o diferente ou o opositor.

A besta-fera está solta país afora, e faz tempo. Mas especialmente ao longo da campanha eleitoral. A eleição terminou, mas infelizmente o pesadelo apenas começou.

Não foi por falta de alerta. Mas as pessoas, como que hipnotizadas, seguem a manada – até que a vítima seja ela ou alguém de sua família ou afeição continuaram abduzidas e, pior, em estado de euforia.

O país se afundando no precipício, e elas em estado de ola, como nas disputas do futebol. Pois que comemorem enquanto podem, e não venham chorar depois.

Sinceramente, torço para que tudo siga o curso do respeito as liberdades e aos direitos. Mas sabemos que não é esse o diapasão.

Disse isso hoje mesmo a uma conhecida mineira, amiga da família do meu filho, que me enviou um vídeo em tom de gozação. Considerei agressivo. O personagem é um dinossauro aterrorizando a cidade aos berros do nome do coiso.

Ela é negra, doméstica, tem quatro filhos e filhas negros. Negro é o pai dos filhos dela, de quem sofreu violência doméstica, mesmo depois de separada. Negro é o atual parceiro. Mora em casa própria, financiada pelo programa Minha Casa Minha Vida.  É evangélica, cuida dos meus netos, e votou em Bolsonaro.

Nossas tentativas de virar o voto dela – minha, de uma das minhas filhas e, quero crer, também do meu filho, patrão dela – foram inúteis.

O pastor e a falta de raciocínio lógico, de humanidade e autoproteção comanda a mente dessas pessoas. São vítimas fáceis para a sedução do capiroto, e “em nome de Jesus”.

Os relatos de selvageria, falta de limites e despudor se amplificam, de Norte a Sul do País.

Pelo zap-zap, recebi de um amigo lá do sul um meme assinado por um tal “movimento pelas crianças”, ao lado, numa chamada clichê para o dedo-durismo de “professores doutrinadores”.

É de Pernambuco, pois minha fonte recebeu de um educador respeitado em terras recifenses. O nome de ambos me permito resguardar, por razões óbvias.

Na verdade, copia a iniciativa da recém-eleita deputada estadual catarinense, Ana CarolineCampagnolo  (PSL). Ela usou as redes sociais para divulgar comunicando pedindo para estudantes de seu torrão gravarem e denunciarem manifestações contrárias ao inominável eleito presidente da República.

A jovem mulher estreia muito mal na política. Está sendo investigada pelo Ministério Público, a pedido dos  sindicatos dos professores. É acusada de violar o direito à educação.

Conforme reportagem do Sul 21:

“Em nota, os sindicatos representantes dos trabalhadores em educação das redes pública e privada municipal, estadual e federal do Estado de Santa Catarina classificam o comunicado da deputada eleita como ameaça e ataque à liberdade de ensinar do professor. Segundo os sindicatos, isso ‘é tipicamente aplicado em regimes de autoritarismo e censura’.”

Aqui mesmo, no Recife, antes do primeiro turno, o A Tal Mineira já relatou o caso de uma professora de cursinho, famosa por sua excelência em Língua Portuguesa, que foi denunciada por aluno por “doutrinamento de esquerda”. Ele gravou um debate de conjuntura promovido por ela em sala de aula, postou o vídeo nas redes sociais e a colocou sob a mira dos trogloditas de plantão.

É bom notar que a Anistia Internacional já manifestou preocupação com o crescimento de relatos de professores alvos de pressões, coerções e intimidações indevidas.

O pretexto é a tal da “escola sem partido”, invenção dos golpistas do MBL que vem de 2015. Tentativa canhestra de vetar o conhecimento e o debate da História e do contexto sócio-político.

“Tentar impedir o debate saudável e necessário de ideias e conteúdos em sala de aula, inclusive através da proibição de autores consagrados e temas fundamentais para o pleno desenvolvimento humano, é uma violação do direito à educação e à liberdade de expressão”

O parágrafo acima é um trecho da nota divulgada pela entidade. Alerta as autoridades brasileiras para “atuar imediatamente para proteger o direito de professores e alunos em escolas e universidades e o pleno exercício do direito à liberdade de expressão e do direito à educação”.

É aí que mora o perigo.

Formar cidadãos e cidadãs pensantes é um dos princípios da educação. Mas a casa-grande pira quando a senzala toma conhecimento dos seus direitos. Bom mesmo é submeter seus filhos do andar de baixo à vida de gado.

 

 

 

 

 

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