Janeiro prova que a ignorância e o descaso não são virtudes – na política como na vida…

por Sulamita Esteliam

Janeiro se foi e o Brasil coleciona tragédias e interrogações, que só se acumulam, e não é de hoje. Mas, como tem acontecido nessas plagas, o abismo nos hipnotiza…

A torcida é para que fevereiro nos mostre o caminho da regeneração, enquanto não chega o Carnaval… e as mamadeiras de pirocas, finalmente, cumpram seu destino.

Sete dias do desastre da Vale em Brumadinho, mais um, desta vez um genocídio, a tatuar e perpetuar mais uma tragédia humana e mais um crime ambiental no lombo da mineradora.

Trezentos dias do encarceramento do presidente mais amado do Brasil, o sequestrado Luiz Inácio Lula da Silva, sem crime e sem prova, sem direitos e sem compaixão.

Mas, também, trezentos dias de resistência da brava gente da Vigília Lula Livre,no entorno da sede da Polícia Federal no Bairro de Santa Cândida, em Curitiba, no Paraná.

Gente que vai, gente que vem, que passa e retorna, gente que não arreda, pois não aceita a injustiça, a hipocrisia, a desfaçatez, a covardia que tem em Lula o alvo.

É lá que o ex-presidente se encontra refém, nas palavras de seu irmão Frei Chico,  que o guindou par ao sindicalismo, onde tudo começou.

O irmão-mentor foi visitá-lo nesta quinta, após enterrar o irmão-pai afetivo, Vavá, o mais velho, de que mano célebre não pode se despedir.  Quinta-feira é dia de visita da família, e ambos se consolaram, sem perder a indignação.

Um mês de desgoverno do capitão-presidente, o faroleiro, manipulador e pagador de mico. O último teve como vítima a tropa israelense especializada em resgate. Durou quatro dias a missão de “salvamento”.

Viu que era joguete dispensável; as equipes de bombeiros, de Minas e outras partes do País, se desempenha honrosamente da triste e desgastante tarefa de recolher os corpos, ou o que restou deles.

A Força-tarefa de Netanyahu pegou o banquinho e saiu de fininho… de volta à pátria em guerra permanente e onde, certamente, é muito mais necessária.

So, bye, bye! Sorry and thanks! Shalom!

Claro e perfeito exemplo a ilustrar o que Euzinha desejo refletir nesse dia.

Diria que perdemos o contato com o significado de República e democracia, e desligamos o botão da empatia.

Exceções, como as brigadas de voluntários a apoiar sobreviventes e as famílias das vítimas do genocídio provocado pelo desastre da Vale em Brumadinho, só confirmam o que quero demonstrar.

Digo o mesmo da militância incansável que resiste na Vigília Lula Livre. Estive lá, vi em pleno começo de inverno, acompanhei, sei bem do que falo.

Inverteu-se a curva da virtude e passamos a valorizar a ignorância como o elixir que dispensa a ética, o conhecimento e a inteligência emocional.

Esse desgoverno é fruto disso. Os pés pelas mãos, a terra arrasada e a piada pronta e o caos como horizonte

Não estamos sós no Planeta. Não obstante, como sempre, copiamos mal o que vigora no que seria o exemplo civilizatório, que um dia já foi a Europa. Que o diga o Tio Sam.

Todos, e especialmente os adoradores de yanques, que arrotam bizarrices nas redes sociais – já não o fazem nos bares e mercados da vida, enrustidos ou envergonhados, pois devem ter alguma noção de que sabemos o que fizeram na primavera passada, e antes dela –  deveriam perder alguns minutos do seu tempo para assistir ao vídeo que posto mais abaixo.

Trata-se de um discurso de Barack Obama para formandos da Universidade de New Jersey, em 2016, antes de deixar a presidência do Império do Norte.

Fala sobre o anti-intelectualismo e a negação da ciência e dos fatos, como uma virose que contamina a nação.

Extraio o essencial. O conteúdo original do trecho do discurso está no vídeo que me foi apresentado pelo maridão, dias atrás.

Hoje, ao ler sobre a coletiva de imprensa que o superintendente da PF de Curitiba teria concedido para rebater as críticas da negativa de liberar Lula para o enterro do irmão, como manda a lei – “Não entendi a polêmica”, teria dito -, busquei no Youtube a fala de Obama.

Entenda por quê:

“Na política, como na vida, a ignorância não é uma virtude.”

“Não é legal não saber o que você está falando. Não é sustentar que é verdade e dizer que parece que é. Isso não é desafiar o politicamente correto. É somente não saber sobre o que está falando.”

“Qualidades como bondade, compaixão, honestidade, trabalho duro frequentemente importam mais do que competência técnica e conhecimento.”

“Mas, quando nossos líderes expressam desdém pelos fatos, quando eles não são responsabilizados por repetirem falsidades e só inventam coisas, enquanto verdadeiros especialistas são julgados como elitistas, temos um problema.”

Alguém precisa mostrar isso aos protagonistas do “Brasil Novo”. Ou aos velhos coadjuvantes que buscam holofotes desde o velho Brasil, sobretudo no sistema de Justiça.

No cenário do genocídio, o dia de buscas termina com 71 corpos identificados das 110 vítimas fatais resgatadas; 238 pessoas sem contato ou “desaparecidas”, 192 resgatados e 108 desalojados. Números reportados, via zap-zap, pela equipe do MAB – Movimento dos Atingidos por Barragem, que está em Brumadinho. 

Os movimentos sociais bloquearam estradas e fizeram protestos em várias cidades de Minas, incluindo a capital, Belo Horizonte, em frente ao Memorial da Lama, quer dizer, da Vale na Praça da Liberdade.

Brasil afora, também há manifestações em homenagem aos mortos e “desaparecidos”.

A água do Paraopeba está imprestável para consumo humano e animal ao longo dos 91 km que separam Brumadinho de Pará de Minas.

O governo de Minas divulgou o alerta nesta quinta, recomendando aos moradores ribeirinhos a manterem distância de no mínimo 100 metros da margem do rio, e não usar a água bruta para si ou para suas atividades.

Há 19 municípios banhados pelo rio no caminho da lama.

Barragens de contenção estão sendo colocadas nas estações de captação, na tentativa de bloquear os rejeitos e evitar que eles cheguem à Três Marias, a represa no Rio São Francisco. 

No Brasil de Fato, os detalhes, que incluem os protestos dos sobreviventes do desastre da Samarco-Vale-BHP em Bento Rodrigues, Mariana, até hoje impune.

Ocuparam o escritório da Renova, organização que deveria cumprir a obrigação de ressarcir os moradores e as prefeituras, e nada fez até agora, passados três anos.

O desastre matou 19 pessoas, fez desaparecer o vilarejo e contaminou 650 quilômetros de rios até a foz do Rio Doce, já no vizinho estado do Espírito Santo. 

Reportagem do The Intercept Brasil revela que, inclusive, a mineradora está a pressionar os prefeitos dos 39 municípios atingidos, rebaixando com chantagem os termos das revindicações constantes nas ações judiciais emperradas; 19 prefeituras já capitularam.

De outro lado, Leonardo Sakamoto informa, em seu blogue, que o Ministério Público do Trabalho não aceita os limites impostos no desmonte da legislação trabalhista para as indenizações por dano moral. E isso, é sim, uma boa notícia em meio a tanto descalabro.

Reproduzo um trecho a íntegra no Blog do Sakamoto:

“Ministério Público do Trabalho exige que a indenização por dano moral a ser paga a trabalhadores, empregados e terceirizados, ou a suas famílias na tragédia do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), seja de, no mínimo, R$ 2 milhões por vítima. A instituição afirma que considera inconstitucional a nova regra aprovada na Reforma Trabalhista, que limita a 50 salários contratuais a indenização por danos morais (extrapatrimoniais). A pedido do Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais, a Justiça do Trabalho bloqueou preventivamente R$ 800 milhões das contas da Vale para gantir o pagamento de indenizações por danos morais. Outros R$ 800 milhões já haviam sido bloqueados antes.”

No Boas Novas MG, um apelo importante: em Beagá, a Hemominas busca doadores de sangue O negativo para garantir o estoque no banco de sangue para atender as vítimas do desastre da Vale em Brumadinho.

E que venha fevereiro e o Congresso em atividade – mal-renovado e sob nova direção, mas nem tanto – e ao fim do recesso do Judiciário, com STF, com tudo.

Surpresas são bem-vindas naturalmente, embora pouco prováveis. Mas bem que a gente merece um freio de arrumação nesse desmantelo amplo geral e irrestrito.

 

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