por Sulamita Esteliam
O novo Congresso Nacional tem uma tarefa hercúlea pela frente: deter a escalada de retrocesso nos direitos de cidadania da gente trabalhadora, civis, trabalhistas e sociais; pôr fim à desconstrução da autoestima, do patrimônio e da soberania nacionais.
E, claro, buscar soluções para a penúria fiscal e a dêbacle econômica vertiginosa que assola o País.
Pode ajudar a ressuscitar o Brasil, ou acabar de enterrá-lo em cova profunda, vedada com cal in natura para deter o mau cheiro.
Se é que pretende representar o povo que o elegeu e não deter-se tão somente nos interesses pessoais ou corporativos. Ou quedar-se, como de hábito, diante de quem, de um jeito ou de outro, financiou os mandatos de seus componentes.
Meu lado utópico provoca o ceticismo no meu Euzinho dividido. Um dos lados do meu cérebro debocha de mim mesma, valendo-se de uma expressão pernambucana que gosto muito e adapto por questão de gênero: iludida é pior do que doida!
Escrevo devagar, não obstante, pois que ninguém parece ter pressa. Mais uma coisa digo, sem medo de errar: pior sem ele. Desenho: melhor um Congresso meia boca ou ruim do que Congresso nenhum; quem viveu, sabe do que eu digo.

A cerimônia de posse dos eleitos e reeleitos na Câmara deu-se pela manhã, e as bancadas de esquerda se destacaram com cartazetes de protestos, reivindicações que indicam as prioridades no exercício do mandato e a linha de atuação como oposição ao governo de plantão.
Por exemplo, os destaques da bancada do PT: “Lula Livre!”, “CPI do Queiroz”e a bandeira de Pernambuco; e do PSol: “Justiça para Marielle e Anderson”, “Pelo Fim da LGTFobia”, “Brumadinho não foi acidente”, “Demarcação de terras indígenas”.
À tarde sete” deputados discursaram por 70 minutos para conquistar os votos de seus pares e ganhar a presidência da casa para os próximos dois anos. Presentes 512 deputados, dos 513 que compõem a Câmara. Levaram hora e meia para escolher o resto da mesa diretora.
Deu Rodrigo Maia (DEM) de novo, pela terceira vez para presidir a Câmara. Obteve 334 votos dos deputados presentes, com apoio maciço do bloco majoritário, por óbvio.
O PRB de São Paulo ficou com a primeira vice-presidência, com 64 votos para o pastor e presidente nacional do partido, Marcos Pereira.
O estreante Marcelo Freixo (PSol-RJ) ficou em terceiro lugar na votação, com 50 votos. E o PT, que elegeu a maior bancada do Parlamento, está fora da mesa; nem a suplência levou.
Coisas da real política., explicável pela ausência de coesão quando está em disputa a ocupação de espaço. Volto a tratar disso depois.
Agora, preciso falar sobre o furdunço no Senado, que terá nova sessão neste sábado para tentar resolver o que não conseguiu definir em seis horas e meia de manobras anti-regimentais, bate-boca e tergiversações.
Acompanhei ao vivo pelos sítios da Câmara e do Senado as duas sessões.
Ato cênico grotesco no Senado. A lembrar que a presidência do Congresso Nacional cabe à casa maior, que representa os estados.
O primeiro round terminou 2 x 0 para autocracia: sob o comando de um certo David Alcolumbre (DEM-AP).
Candidato declarado, mas não registrado, à Presidência da casa, agarrou-se à cadeira após a posse dos 54 senadores, o terço eleito desta feita.
Alterou as regras do jogo em seu inarredável benefício. Último remanescente da mesa da legislatura anterior, revogou os atos que, na ausência do presidente e do secretário-geral da legislatura finda, atribuem ao senador mais velho o direito de presidir a sessão que elege o comandante da casa.
Revogou também a regra do voto secreto, e o plenário acabou aprovando a votação aberta, por ampla maioria, ao revés do regimento interno.
Consta que estaria orientado por Ônyix Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil. É a nova política do dedo podre e do autoritarismo.
Só que, aí, o motim se estabeleceu, puxado por Renan Calheiros (MDB-AL), novamente candidato e, durante horas se tentou chegar a um acordo, que não veio.
Teoricamente, o voto aberto não serve ao senador alagoano, que foi ironicamente confrontado pelo rapaz do Amapá, quando brandiu pras bandas dele a Constituição Federal.
– Ora, senador, o senhor não se incomodou em violar a Constituição quando do impeachment da presidenta Dilma…!
Quem fala o quer, ouve o que não quer, mesmo vindo de quem vem. Renan fingiu-se de mouco.
Claro que votação aberta favorece a transparência, o que é desejável. Mas o regimento interno é a regra – confirmada inclusive pelo STF, em provocação recente (e novamente nesta manhã de domingo,quando Toffoli anulou a manobra – incluo PS) ; tendência comum e perversa do Legislativo, que transfere para outro o poder o que é seu papel resolver, e depois rasga a decisão.
Ora, se a regra não contenta a maioria, por que diabos não alteram o regimento interno?
A ver no que vai resultar neste sábado. Mas que começou mal a casa vetusta, não resta dúvida.
É para você ver como é que a banda toca.
Não se preocupe, no frigir dos ovos, o Congresso, na composição ideológica e credos – na terra, no céu, no purgatório e no inferno – é pior do que o anterior e o maior conservador dos últimos 30 anos.
Palavra do Diap – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, que elaborou uma Radiografia do Novo Congresso.
Exceções à parte, como o aumento da bancada feminina na Câmara dos Deputados e no Senado. E também no aumento da diversidade: há uma deputada indígena, mais presença de jovens, negros e de pessoas com maior escolaridade, mais plugadas nas redes e maior número de estreantes.
Todavia, perfil traçado pelo Diap mostra que o Legislativo Federal é – leia com aspas:
- Liberal, do ponto de vista econômico
- Fiscalista, do ponto de vista da gestão
- Conservador, do ponto de vista dos valores
- Mais à direita, do ponto de vista ideológico
- Atrasado em relação ao meio ambiente e aos direitos humanos
Tradução: a ideologia que a vigora é a da farinha, pouco ou muita, meu pirão primeiro, e azar o seu se é pobre, preto ou diferente. Que se dane o Zé e a Maria Povinho, sobretudo.
E não é porque de político se trata não. É da natureza humana privilegiar o umbigo, criar dificuldades para vender facilidades e vice-versa, portar-se como senhor da razão, ainda que exija lamber botas.
Quando vislumbra o poder, então, é que o apetite se aguça.
Para variar, na hora de votar, os eleitores se esqueceram do detalhe que faz a diferença: é do Legislativo que saem as leis – boas ou más, ainda que a ideia parta do Executivo, e a sanção caiba ao presidente de plantão.
Apesar de sofrer no lombo as consequências, quando mais abaixo da pirâmide social estiver. Está aí o passado recente para não me deixar mentir.
Passaram pelo Congresso todas as medidas de retrocesso na vida dos brasileiros e das brasileiras. E tem uma extensa pauta obscurantista e ainda mais cruel sobre a qual os parlamentares terão que se debruçar.
E está aí o STF para resolver de bom grado as omissões e as conveniências dos legisladores, como aliás têm feito ao longo da História.
A lembrar que o impeachment fraudulento da presidenta Dilma Rousseff e a prisão ilegal do ex-presidente Lula tiveram a mão grande, com malabarismos, com tudo, da Suprema Corte.
Não é à toa que a deposição da primeira mulher presidenta da República deste país, eleita e reeleita com lisura, leva a pecha vergonhosa de golpe parlamentar-jurídico-midiático, não necessariamente nesta ordem. Mas que foi, foi, e continua sendo…
Por iniciativa própria ou por aliamento automático às forças golpistas de plantão. E, na sequência e por conseguinte, ao desgoverno do mordomo usurpador. O Congresso capitulou, e o Supremo bateu palmas.
Um deu as costas para o povo que o elegeu. O outro disse, na prática, que o último reduto da cidadania tem nome, sobrenome ou partido, ou está fechado para balanço.
Pois tranquilize-se que, se o STF continua o mesmo, só muda quem preside e uma eventual composição dos grupos de julgamento. Ou arroubo de decência moral na interpretação das pendengas constitucionais.
É o Brasil de cara e corpo nus, sem pudor, diante do espelho e do mundo.
É triste e indigno, é. Mas é o que temos por ora…
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Postagem revista e atualizada às 8:10 da manhã, hora do Recife: correção de erros de digitação e ortografia em diferentes parágrafos; inclusão de informação sobre nova decisão do STF sobre a manobra do desgoverno no Senado. Peço desculpas pelos erros.
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