
por Sulamita Esteliam
A foto acima é para chocar, mesmo. Uniformes manchados de sangue pendurados em varal em frente ao Palácio Guanabara, no Catete. Simbolizam as 17 crianças e adolescentes atingidas por balas da polícia de Wilson Witzel, no Rio de Janeiro.
Cinco delas estão mortas, dentre elas a menina Agatha Vitória Sales Félix, que não resistiu ao tiro de fuzil que recebeu pelas costas dentro da kombi em que estava com sua mãe há uma semana.
O assassinato pelas forças de segurança que deveriam protegê-la indignou o Brasil e o mundo. Mas as autoridades nacionais e locais fingem de égua, como se diz na minha terra.
Mães das crianças e adolescentes, alvos da violência policial, sobretudo das crianças que perderam a vida, ainda têm forças para protestar.
Ora, há quem se lembre que crianças periféricas, pobre e negras especialmente – como Agatha e Miguel -, são alvo de balas perdidas ou direcionadas através dos tempos. E tudo fica por isso mesmo, na maioria dos casos.
Isso é o Brasil em quaisquer governos. É verdade.
Todavia, nunca dantes tantos casos em tão pouco tempo denunciam o efeito do estímulo de quem deveria dar o exemplo.
No Rio, a letalidade das batidas policiais sobe de 1200 pessoas em nove meses de governo Witzel. Nem as crianças uniformizadas de escolares são poupadas.
Não é por acaso. A truculência é política de governo, fiel escudeiro das sandices que toma conta do país a partir do poder central.
Sim, o Rio não está sozinho. Ser preto e pobre é pecado mortal desde sempre.
Em São Paulo, o garoto Miguel Gustavo Lucena de Souza tinha 12 anos, era inteligente, bom aluno. Mas, segundo a mãe e quem o conhecia, um caboclinho sonhador. Empinava pipas, mas queria mesmo era andar de carrões.
Tomou três balaços de um policial militar conhecido como “Carioca”, o cabo Thiago Santos Sudré da PM num parque de diversões em São José dos Campos. Depois teria sido asfixiado pelo algoz para garantir o sucesso da empreitada.
É o relato de testemunhas ouvidas pela reportagem do coletivo Jornalistas Livres. Cerca de 100 pessoas assistiram à execução, sim. A versão da PM é outra, naturalmente.
Foi um crime de morte anunciada.
Conta a reportagem que o “Carioca” havia recomendado à mãe “encomendar um caixão pequeno para seu filho, porque ele é uma sementinha do mal”.
E o cabo, com certeza, é o enviado de Deus, senão o próprio, com poder de vida e de morte.
Assim como um certo juiz provinciano de primeira instância decidiu que deveria condenar e encarcerar o presidente da República mais popular que este país já teve, em troca de um posto de ministro de um desgoverno obscuro que ajudou a eleger.
Taí o cerne do problema que assola o Brasil: o pudor saiu do armário e escafedeu-se na calda de um cometa.
E salve-se quem puder.
Precisamos de um basta. E ao que parece, ainda que muito lentamente, já é possível ver e ouvir os sinais da retomada do bom senso.
O Congresso tem imprimido uma série de derrotas ao desgoverno de plantão.Derrubou 18 vetos à Lei do Abuso de Autoridade. Caçou o artigo da Lei de Combate ao Crime que dava à polícia licença para matar, sem quaisquer ônus. Como se precisasse.
No momento em que escrevo, a maioria dos ministros da Suprema Corte anulou a sentença da Lava Jato no caso do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, Aldemir Bendine. Acataram a tese dos advogados do réu de que lhe foi negado o direito de defesa.
Isso significa que pode se formar jurisprudência para rever sentenças eivadas de casuísmos e vontades políticas do Ministério Público e de juízes da Lava Jato, de ontem e de agora.
Cada caso é um caso, mas, sim, abre-se a esperança para a libertação de Lula.
Podem espernear e vociferar à vontade nas redes, minions e robôs assinalados: isso é o Estado de Direito regido pela Constituição cidadã, violada em seus princípios fundamentais.