A pandemia autoritária e o temor da ruptura

por Sulamita Esteliam

O golpe é  permanente. E é “para enquadrar o Brasil, parar de investir nos pobres.” Palavra da presidenta Dilma Rousseff.

Topei com uma live de Nathália, uma militante petista e feminista potiguar, e Dilmãe esta tarde, no Instagram. Conversavam sobre os quatro anos do golpe que a retirou da Presidência da República, a pandemia, a crise político-econômica e as diatribes do capiroto.

Inescapável a pregação do golpe militar e a reedição do Ai-5, brandidas em manifestação contra a quarentena no último domingo, como ponto de pauta. Com aquele jeito despachado de ser, que Euzinha particularmente amo, e tanto incomoda o machismo de plantão, Dilma observa:

“Ele faz o jogo de sempre, ele vai e volta, ele vai e volta…”

Refere-se ao recuo, da boca pra fora, do capiroto-presidente na manhã de hoje, na paradinha estratégica junto ao cercadinho onde coleguinhas fazem o papel de bobos da corte palaciana. Ele disse que não disse o que pregou no domingo para seu gado golpista.

Para variar, culpou a imprensa por “falta de inteligência” ao acusá-lo de ser ditatorial e encerrou com a pérola ao estilo Luiz XIV, o rei absolutista de França, dono da célebre frase “L’état cet’in moi”/O Estado sou eu:

Não posso conspirar contra mim mesmo. Eu sou a Constituição.

Tática de guerrilha, de avanço e recuo. Ou farsa, mentira, em estado compulsivo.

Ou mais do mesmo para se autoafirmar quem está no poder, ao menos de brincar com coisa séria. Nas palavras de Reginaldo Lopes, deputado do PT de Minas, no Twitter, “flertar com o caos e tirar o Brasil para dançar à beira do abismo”.

O Globo, entretanto, fala qualquer coisa como um puxão de orelha dos setores militares não-palacianos ao comandante em chefe das Forças Armadas. Pregar o golpe as teria constrangido ou desmoralizado em seu “papel constitucional de guardiã da democracia”.

Os militares, ainda segundo o Globo, teriam aconselhado o capiroto-presidente a não estimular o acirramento dos ânimos.  Então tá.

É fato que as reinações presidenciais, que simulam delírios que já não enganam ninguém, tiram o sossego da Nação. Ao menos da parte que se importa, de fato, com os destinos do país e do seu povo.

A ansiedade e a expectativa reagiriam as instituições à ameaça de tal gravidade ao que resta da nossa frágil democracia. Por instituições – leia-se Legislativo e Judiciário, simbolizado do STF, os alvos dos manifestantes açulados pelo presidente.

O Brasil que se importa quer soluções para além das notas de repúdio. Sabe que a porta de saída é a queda do presidente. E a Constituição oferece caminhos para isso, para além do impeachment.

Mas a verdade é que ninguém quer ser responsável pela ruptura.

O caminho, todo mundo sabe, é caçar a chapa presidencial, no tempo útil – até dezembro deste ano – de se poder convocar novas eleições presidenciais para o ano que vem. Não é simples nem provável, mas é constitucional pois ilícito é o que não falta.

Mas o TSE, agora sob nova direção, continua sentado sobre o processo. A mais recente postergação, exatamente nesta segunda, é o pedido de vistas do ministro Edson Fachin, interrompendo o julgamento que já contava com o voto não, do relator.

Há outros sinais de fumaça no ar, sinalizando, no dizer do Luis Nassif, “a volta do parafuso”. A começar pela mudança no diapasão da mídia nativa, locomotiva do golpe.

Na tarde desta segunda, o STF foi provocado a intimar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) a abrir o processo de impeachment em seu poder. A ação é do jurista José Rossini Campos do Couto Correa, ex-conselheiro da OAB, autor de um dos quatro processos de impedimento do capiroto em curso na casa legislativa.

A mesma ação requer que a Suprema Corte, limite os poderes do presidente, enquanto durar a ação – um mandado de segurança nos moldes que afastou Eduardo Cunha da Presidência da Câmara e Aécio Neves do mandato de senador.

No final da manhã, o procurador-Geral da República, Augusto Aras, também saiu do canto da parede: requereu ao STF que abra processo para investigar, não o presidente da República, mas a possível participação de deputados federais e de empresários no financiamento das manifestações contra a democracia, no domingo, 19. Ato que, em Brasília, teve a presença do capiroto-presidente.

A lembrar que Aras engavetou a notícia-crime protocolada pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) e encaminhada pelo ministro Marco Aurélio. Segue na gaveta a mesma notícia-crime, reiterada ao Supremo e reencaminhada à PGR.

E tem mais: o líder da oposição, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) entrou com representação junto à PGR contra as irresponsabilidades presidenciais, baseado no Código Penal. Ação se baseia na pregão contra o isolamento social para conter a pandemia do Coronavírus e pela incitação ao golpe no último domingo.

Há a questão que não quer calar: a quem serve o impeachment?

Aos militares, que manobraram pela eleição do capiroto e lhe cederam um vice, mesmo sabendo quem ele é, certamente; só falta a cadeira presidencial. Basta aguardar que os civis resolvam o problema para eles se locupletarem.

Outro ponto é que sempre há a possibilidade de, num Congresso onde a oposição é minoria, o processo ser recusado, e o tiro sair pela culatra. E talvez seja justamente essa a aposta do capiroto.

Eis os temores de parte da esquerda, mesmo o PT, que se acha dividida, numa espécie de síndrome tucana, em matéria de #ForaBolsonaro. Parte, considera que não dá mais para segurar. Parte mantém a defesa de deixar o desgoverno sangrar até a inanição.

A questão é saber se o país aguenta até lá, ainda que lá não chegue a 2022.

Talvez, a presidenta Dilma tenha razão quando argumenta sobre me ponto da discórdia sobre o enfrentamento do adversário.

“Não se pode usar o impeachment como meio de destituir governo após governo, como fizeram comigo, até porque não havia crime de responsabilidade. Com o Bolsonaro está cheio de crime de responsabilidade. Mas é complicado tocar um impeachment em meio a uma pandemia.”

Fico por aqui.

Mas deixo para sua apreciação trecho do artigo do professor Luiz Augusto Campos, sociólogo e cientista político, IESP-UERJ, sobre a estratégia “macabra” do presidente-capiroto no desrespeito aos riscos da pandemia do Coronavírus.

“Seu raciocínio parece ser o seguinte. A saúde brasileira vai colapsar de qualquer jeito, um monte de gente vai morrer mesmo e as cenas de corpos empilhados vão se repetir aqui, isso é inescapável. Tentar controlar a pandemia (achatar a curva) é, na verdade, prolongar a duração da crise e, consequentemente, do seu próprio desgaste político.”

(…)

“Porém, o que escapa a esse cálculo político macabro é que ainda não sabemos quão mais breve será o pico de casos e mortes num cenário sem distanciamento social. Os EUA estão há um mês assistindo os números crescerem exponencialmente e não há nenhum sinal de que o pico ocorrerá nos próximos dias. Os picos atingidos na China, Cingapura e Coreia do Sul também não servem de exemplo, pois os três países aderiram a medidas agressivas de distanciamento social. Só agora, Itália e Espanha assistem a certa desaceleração do número diário de mortes, algo ainda distante de se zerar a letalidade.”

“Logo, o cataclisma brasileiro pode durar muitos meses, dando ao presidente o pior dos resultados: mais mortes do que em todo o mundo e por um período mais longo que em outros países. A questão que fica é: quanto tempo e quantos mortos a já parca popularidade aguenta?”

A íntegra do artigo, publicado originalmente no Jornal GGN, busquei no sítio da Dilma Rousseff.

 

 

 

 

 

 

 

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