
por Sulamita Esteliam
A Luiza faz aniversário neste 15 de maio, e quem ganha o presente somos nós. Euzinha em particular, que a conheço desde bebê, a admiro e tenho a alegria de desfrutar do seu afeto. É recíproco.
O presente é o artigo, que transcrevo abaixo, publicado originalmente no Brasil de Fato/Minas Gerais, cujo link ela me enviou na quinta-feira à noite. Traz reflexão importante sobre as mazelas da educação, cada vez mais uma mercadoria ao sabor das conveniências, numa sociedade desumanizada pelo capital.
Processo que se exacerba em tempos de distanciamento social obrigatório, e que acaba gerando sobrecarga de trabalho não-reconhecido, mais do que sempre.
Tudo isso sem contar o uso da pandemia como desculpa para precarizar ainda mais a educação pública com o uso das plataformas digitais para o ensino à distância. O assunto, aliás, é tema de reportagem também no Brasil de Fato.
Como naquela canção do Gil, a novidade é o máximo. Mas nem de longe leva em conta a brutal desigualdade social e as limitações humanas de nossas famílias – a de mestres e de estudantes.
E ninguém bate palmas para educadores, será por quê!? A pergunta é de outro professor, DiAfonso, daqui do Recife, de quem capturei a ilustração que abre a postagem.
A novidade é a guerra. As armas é que são diversas.
Na educação, na saúde, na doença, na vida como na morte, alguns são mais iguais do que a maioria. A igualdade é só um pesadelo medonho.
Segue aí o refrão da música de Gil-berto, parceria de sucesso com Herbert Vianna e João Barone, em 1986, gravada também da banda Paralamas. Tão atual e tão perto da realidade, que parece imutável; e quando muda é para pior.
Oh! Mundo tão desigual
Tudo é tão desigual
Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô!
Oh! De um lado esse carnaval
De outro a fome total
Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô!…
Para arredondar – e também homenagear Luiza, que também canta lindamente, além de ser professora de filosofia e de sociologia, e mãe de um casal de crias em idade escolar – deixo ao pé do artigo o vídeo com a interpretação do Gil de tempos remotos.
Ao artigo, pois:
A casa vira sala de aula

por Luiza Alves – no Brasil de Fato/MG
A crise na educação, que se escancara por um diminuto ser vivo ou, mais ainda, a crise no modo de vida capitalista, coloca a todos na condição de partícipes responsáveis pelo que virá. Um dos maiores intelectuais brasileiros, Paulo Freire, tão pouco lido e ao mesmo tempo tão condenado, nunca nos fez tanta falta. Nunca houve tanta necessidade de se pensar os rumos de uma educação que há tempos dá mostras cabais de sua falência.
As mazelas que a pandemia foi capaz de evidenciar não passaram a existir de súbito, elas representam a culminância de processos já existentes. No campo da educação, aponto para o processo de sua mercantilização, agudizada no Brasil pelas políticas neoliberais. Nessa educação-mercadoria, que tem como mote a produção de valor, o educando torna-se cliente e o educador, prestador de serviço – uma receita que, já sabemos, está fadada ao fracasso.
Professores, sobretudo os da rede privada, experimentam há muito tempo a ingerência de pais, gestores e patrões. Também não é novidade a contínua desvalorização do professor que se manifesta, sobretudo, nos baixos salários e na baixa procura por cursos superiores com formação voltada à docência. O conhecimento seguro, científico, filosófico e artístico, parece perder gradativamente seu valor, dando lugar ao negacionismo e ao relativismo. Intelectuais não são bem vindos e graça entre maioria o culto ao obscurantismo e às formas mais simplórias de organização do pensamento – vide a eleição de Bolsonaro, que representa a ascensão do senso comum em seu sentido mais torpe.
Essa educação-mercadoria foi uma das primeiras a ser impactada com as medidas de isolamento social, como forma de conter o avanço da pandemia de covid-19. Obrigadas a suspender as aulas por tempo indeterminado, as escolas privadas precisaram se adaptar: aulas online, professores conectados, reuniões por aplicativo. Ninguém estava preparado. Do dia para noite professores fizeram de suas casas, sala de aula, compartilhando pela tela do computador a intimidade antes reservada. Contraditoriamente, alunos, acostumados com as telas dos aparelhos eletrônicos, viram-se inaptos a utilizarem-na como meio para aprender. Pais, que antes outorgavam à escola a responsabilidade integral pela educação dos filhos, agora se veem obrigados a participar do processo educacional.
No mundo real, um número imenso de pais se organizam no intuito de reivindicar a redução das mensalidades. Na outra ponta, um trabalho que não foi reduzido, pelo contrário, foi intensificado
Um olhar otimista e ingênuo consideraria que temos uma boa oportunidade de desenvolvimento humano para pais, filhos e educadores. No mundo ideal, pais aproveitariam o momento para se aproximar de seus filhos, reconhecendo o trabalho de seus professores e de toda comunidade escolar; alunos aproveitariam a oportunidade para desenvolver a tão sonhada autonomia defendida pelas Novas Bases Curriculares Nacionais (BNCC); professores aproveitariam para se reciclar, usando seu tempo em casa para fazer cursos e desenvolver novas habilidades tecnológicas de ensino.
No mundo real, o que se vê são professores ainda mais sobrecarregados, buscando a todo custo se adaptar. Horas de planejamento, domínio das ferramentas de vídeo e das plataformas de aulas online. O computador agora é instrumento principal de trabalho e a internet imprescindível, ainda que a conexão desses professores não seja a melhor e que, talvez, seus computadores estejam aquém da tarefa pretendida. A maioria tem filhos em idade escolar e precisa se dividir entre as tarefas de cuidado (intensificada no caso das professoras) e as horas de dedicação à escola (muitas vezes interrompidas por alguma demanda dos filhos). O medo do contágio pelo coronavírus cede lugar ao medo do desemprego, aumentando-se a produtividade e a competição dentro do ambiente escolar que agora é vigiado por pais e gestores que possuem livre acesso às salas de aula virtuais. Repete-se, portanto, a máxima já conhecida: “não pense em crise, trabalhe!”.
Nesse mesmo mundo real, um número imenso de pais se organizam no intuito de reivindicar a redução das mensalidades. Na outra ponta, um trabalho que não foi reduzido. A despeito dos trabalhadores da saúde, cuja contribuição é inegável neste momento e em tantos outros, os trabalhadores da educação não escutam os aplausos. Retomamos o que dissemos no início, um modelo de sociedade que transforma tudo em mercadoria não pode reconhecer o verdadeiro valor da educação. É urgente ressuscitar Paulo Freire, é necessário reabilitar o professor como agente de transformação com vistas a uma sociedade justa, é preciso repensar os caminhos.
Luiza Alves é professora de filosofia e sociologia da rede particular de ensino em Belo Horizonte.
Edição: Joana Tavares
Que alegria e honra ter meu texto publicado aqui por essa “tal mineira” que admiro tanto. A ilustração e a música, perfeitamente escolhidos, além da sensibilidade e precisão das palavras que apresentam o artigo confirmam o que eu já sabia: você é foda, Sulamita! Obrigada pelo carinho e pela bela divulgação do texto. Continuarei por aqui, acompnhando seu trabalho! Bjo!
Eita, até fiquei ruborizada! Obrigada, linda, pelo artigo e pela presença. Xêros.