por Sulamita Esteliam
A semana começa com o sopro da revolta que desembarcou nas ruas neste domingo nas principais capitais do país. É singular que tudo tenha sido deflagrado pelas torcidas organizadas antifascistas, ainda no mês passado, em São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte. Agora alcança outras plagas, de Manaus a Brasília e Rio de Janeiro, passando pelo Recife, Tamandaré e Salvador.
Gesto de ousadia que parece não mais animar as esquerdas institucionalizadas, muito menos os sindicatos.
Claro que há uma pandemia em curso e restrições de convívio social a respaldar a cautela e medidas sanitárias.
Mas a grande maioria dos que foram para as ruas, aos menos em São Paulo, no Rio e Porto Alegre, é formada por jovens, teoricamente fora do grupo de risco; e periféricos, na prática expostos todo o tempo, seja em suas moradas e/ou comunidades, seja no transporte público, porque os que ainda têm trabalho não puderam quarentenar.
Uma realidade cruel, a esfregar na cara da classe média branca e enfadada no confinamento do trabalho remoto, o tamanho da desigualdade que assola a maioria das pessoas neste país.
Gente pobre e negra, quase toda, que sofre o arbítrio policial e o chicote no lombo, todos os dias. Seus pais, mães, filhos, amigos e vizinhos morrendo feito formigas, quando não é por tiro, é por descaso, como agora na pandemia agravada pela irresponsabilidade do desgoverno central.
Por outro lado, ao menos na minha Macondo de origem, sei que os velhinhos, de classe média “comunista” e torcedorxs de Galo, Cruzeiro, América e Corinthians, deixaram medo e rivalidade de lado e foram à luta. Juntos com, nas palavras de um dos participantes, a “esmagadora maioria de jovens, um alento nesses tempos sombrios”.
Houve também carreata de quem preferiu se preservar, e panos brancos, e pretos, e vermelhos na janela, e barulhaço, de quem, como Euzinha e o maridão, cá no Recife, ficou em casa. Segue um panorama do protesto na capital mineira, sob olhar de Hyanna Cunha:
O gigante adormecido começa a se mover, ainda que no rastro dos protestos antirracistas no Estados Unidos, a partir do assassinato de George Floyd por um policial branco.
E tomara que não tenha o viés de 2013, que destampou o baú represado de insanidades que nos trouxe até aqui. Não, não era por 20 centavos!
Golpe sobre golpes, inclusive a retirada de direitos sociais e até de sobrevivência, atingiu em cheio o movimento dos trabalhadores, sobretudo, e também os partidos de esquerda. É como um recuo no tempo à era das perplexidades.
Então, é muito bem-vindo o grito #ForaBolsonaroGenocida, extrapolando as redes sociais e as janelas da quarentena para se corporificar no palco onde o povo sempre brilhou.
Como diz aquela velha canção da resistência à ditadura, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Mesmo que seu autor tenha, em tempos mais ou menos recentes, refugado a intenção de protesto.
Ainda, e de certa forma especialmente, que agora conta com a boa-vontade de cobertura da mídia, sempre venal, que agora tenta se esconder no jornalismo que se negaram a fazer quando a sanha era derrubar Dilma, prender e condenar Lula, acabar com o PT.
O medo é a arma dos opressores.
Aqui, vale à pena resgatar um samba feito em protesto ao governo interino de mordomo-usurpador Temer, as que cabe como luva a esses tempos de sangria sob comando fascista cada vez mais explícito: A Minha Liberdade Custou Sangue:
As ruas ainda estão longe de reunir milhares, mas o que pontuaram já é o suficiente para incomodar o inimigo, cada vez mais atemorizado e enfraquecido. Apesar dos arrotos de barbaridades, o que inclui liberar armamento para as milícias.
O capiroto acusa o golpe, talvez porque, na interpretação de alguns analistas, não possa contar com o apoio institucional das Forças Armadas em seus delírios de autogolpe. Os militares que o cercam não representariam o espírito do comando da tropa. Tomara, mesmo.
Antes classificou como “terroristas” os que iriam se manifestar, quando sempre aplaudiu e estimou as manifestações em seu favor, que aliás minguam a cada fim de semana. Agora, fala que “eles (a oposição) começam a botar as mangas de fora”…
Fora é o destino dele e de seu desgoverno, com sua necropolítica. Elementos não faltam para o basta, embora o Congresso se mantenha na janela, esperando a banda passar. Ou não, talvez haja um concertamento, e as ruas podem mudar o ritmo. A ver…
Nesta terça o TSE inicia o julgamento dos processos que pedem a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, enquanto no STF corre o processo das fakenews produzidas pelo gabinete do ódio. Tomara que, desta vez, os juízes façam valer a lei.
Isto numa semana em que o Tribunal Internacional de Haia, na Holanda, também inicia o julgamento do presidente brasileiro por crime contra a humanidade, sua negligência frente à pandemia de Covid-19.
Ação. É tudo que precisamos para recomeçar o caminho de volta para a democracia e retomada dos direitos usurpados.

Agrego, pós-publicação, fotos dos protestos em Pernambuco: