por Sulamita Esteliam
Emocionante e simbólica a imagem do padre Júlio Lancellotti, marreta em punho, quebrando pedras colocadas sob o viaduto, pela prefeitura, para impedir o uso como abrigo pelos sem-teto, em São Paulo.
Indica o caminho que o Brasil precisa para quebrar a paralisia e reencontrar a saída, para voltar a respirar: indignação e atitude.

Só que para agir é preciso sentir, olhar ao redor, e empatia é artigo cada vez mas escasso nesse país dominado pela capirotice. Os canalhas estão no poder e contaminaram o entorno.
Cena e tanto para fotógrafos, ilustradores e cartunistas, que sabem como ninguém traduzir em imagem o fato que salta aos olhos, mexe com a cabeça e o coração.

A repercussão do ato de indignação e resistência do padre Júlio fez as autoridades paulistanas mandarem por abaixo a crueldade que patrocinara.
Claro que quem pagou a conta foi um boi de piranha funcionário do departamento responsável pelo feito. Nada mais tucano do que dissimular os mal feitos, jogando nas costas do mais próximo.
Na foto em destaque, Tiago Queiroz captura um morador de rua acompanhando de camarote a limpeza do espaço, pós-ação do Pe Júlio.
Já nas hostes congressistas, não há a menor pretenção de disfarçar. Segue o estilo do chefe.
O vídeo que circula nas redes mostra o regabofe movido a espumante, uisque, camarão e lagosta, tudo com dinheiro público, garantindo a ressaca do dia seguinte para si e a implosão do que resta de Brasil.
Festança brega, irresponsável e abusiva. Em plena pandemia, chegando a 230 mil mortos, mais de 9 milhões de infectados.
Três centenas de pessoas aglomeradas, comendo, bebendo, dançando e rindo da nossa cara. Só os garçons e a vocalista da banda usavam máscaras.
Alguns convidados, tronchos de bebidas e inebriados com a perspectiva de futuro que os beneficia – ao inferno os outros – as carregavam penduradas na orelha.
Vai aí a imagem capturada no Twitter do insuspeito governista Gazeta do Brasil:
Deus me perdõe, mas o Covid-19 bem que podia prestar grande serviço à Nação!
A farra começou com a velha prática de ampla distribuição de verbas em troca de votos nos candidatos da tropa que infesta o governo às presidências da Câmara e do Senado.
Verbas, que deveriam estar sendo aplicadas na contenção do vírus, na compra e produção de vacinas, no fortalecimento do SUS.
É a vitória inequívoca do toma lá, dá cá. O chamado Centrão, a saúva da política brasileira, desde tempos imemoriais, está no comando – amplo, geral e irrestrito.
É a consolidação da tragédia que se abate sobre o Brasil desde o golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff: retirada de direitos trabalhistas e sociais, desmonte do patrimônio público, quebra da espinha dorsal da economia que é o investimento do Estado, em benefício da especulação financeira.
A falta de vergonha é antiga. Mas ali se esvaiu qualquer resquício de pudor.
Nada é tão ruim que não possa ficar pior. Eis que o Congresso, de novo, está prontinho para sangrar as veias abertas do que resta de país; “o volume morto”, na definição do colega blogueiro e ativista dos direitos humanos, Arnóbio Rocha.
A festa continua com a distribuição dos cargos na direção das casas legislativas. Na Câmara, a principal comissão, a de Constituição, Justiça e Cidadania está nas mãos de Bia Kicis (PSL-SP), da tropa de choque bolsonarista.
Mestre Paulinho Saturnino traduz:
– Irracional e agressiva, Bia kircis Será uma usina de crises. Tentaráimpora pauta mais recacionária já vista por essas plagas.
Suprema aberração, a Comissão dos Direitos da Mulher foi entregue à Flordelis, aquela deputada-pastora, acusada e tornada ré por encomendar a morte do marido – que também era seu filho de criação, e já fora namorado da filha.
A dúvida é qual capítulo ela tinha em mente quando celebrou a vitória acachapante de Arthur Lira para a Presidência da Câmara no Twitter:
– É hora de avançar! Agora a Câmara terá voz, podemos colocar e votar as pautas que conduzirão o Brasil a dias melhores.
Mas esse sequer é o problema, desde que previsível. O diabo é a hipocrisia, o cinismo, a desfaçatez, o deboche, a canalhice em nome de Deus.
Sabe o que é mais triste? Essa turba foi eleita – para o bem e para o mal. Capiroto et caterva chegaram lá pelas urnas; com ou sem, manipulação, mentira, disparo em maça, mamadeira de piroca, Kit gay e compra de voto.
E a cada eleição fica pior, porque as pessoas não refletem sobre o fato de que o voto coloca suas vidas nas mãos de quem faz as leis e de quem decide para onde vai seu emprego, a educação dos filhos, a saúde da família, o dinheiro dos impostos – o seu, o meu, o nosso dinheirinho suado de cada dia.
Sei de mim que não elegi nenhum e nenhuma dessa cambada, no Executivo e no Legislativo. Mas tomo na cabeça do mesmo jeito. E tem gente que acha que apenas questão de opinião ou do tal “lugar de fala”.
Fui lá na Bíblia, que tanto usam para engabelar os incautos, buscar o trecho que me veio à mente, quando ouço o que ouço e vejo o que vejo. Está em Mateus, 23:
Então, Jesus disse à multidão e aos seus discípulos: Os mestres da lei e os fariseus se assentam na cadeira de Moisés. Obedeçam-lhes e façam tudo o que eles lhes dizem. Mas não façam o que eles fazem, pois não praticam o que pregam. Eles atam fardos pesados e os colocam sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos não estão dispostos a levantar um só dedo para movê-los.
Em tempo: só para relaxar, que ninguém é de ferro!
Um colega jornalista lá das Gerais me envia um comentário, de postagem que fiz nas redes sobre o exemplo do padre Júlio que deveria inspirar geral.Veio no privado, porque, afinal, mineiro é mineiro:
O que o Brasil precisa é desembucetar.
Ao que contrapuz, Euzinha que nordestinei de vez:
Desencaralhar.
A propósito do tudo errado, torno, travado, desmantelado, aqui no Recife, há uma classificação das pessoas, em dialeto local, segundo o uso que faz das máscaras. É a seguinte:
Nariz e boca cobertos, como deve ser – rochedo
Nariz de fora: donzelo – o mesmo que bobo, idiota
Abaixo do queixo ou pendurada na orelha, feito brinco: tabacudo – donzelo mais imbecil
Na mão ou de jeito nenhum: fi de rapariga
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Fontes citadas:
Carta Capital
Arnóbio Rocha