por Sulamita Esteliam
Estamos de volta com a Leitura Literária no canal A Tal Mineira TV no Youtube. As peças interiores desgovernaram, e precisei desse tempo para recolocá-las no lugar.
A última gravação foi em novembro, no encerramento da semana da Consciência Negra. Aqui no blogue, o retorno foi mais rápido, logo no início do janeiro. Botar a cara no vídeo, convenhamos, é outro papo.
Tantas perdas, tantos medos, tanta revolta, tamanha é a impotência, frente ao desmoronamento do todo, que você precisa parar o mundo e dar uma volta em torno de si para se reencontrar e reconectar-se com a esperança.
Mas cá estamos tentando esperançar.
Escolhi a escritora mineira Madu Costa, multiartista das letras – escritas, faladas, interpretadas, dançadas, multiplicadas – em particular para as crianças, de todas as idades. Amo de paixão.
O texto é uma homenagem ao irmão caçula, Pedro, amigo querido, de muitas cantorias. Foi encantar estrelas em dezembro passado; exatamente no dia 9.
A crônica foi publicada no jornalzinho do bairro onde a família sempre morou: Sagrada Família, região Leste de Belo Horizonte, um dos mais populosos da cidade.
Ambos são irmãos da minha irmã por escolha, Eneida da Costa, jornalista como eu. Fizemos juntas a faculdade, e era na casa dos pais dela que aconteciam as nossas festas, memoráveis. Tornei-me parte da família, e como tal sou acolhida, o que me gratifica muito.
Pedro tocava lindamente, fazíamos boas parcerias. Era de poucas, mas certeiras palavras. Tinha o olhar penetrante, falava baixo e devagar, mas firme. Esticava as palavras quando queria dar ênfase: “Maravilhooosa!”
Tinha a voz grave, calorosa. Ler a crônica de Madu é como ouvir, nitidamente, a voz de Pedro.
Ah, meu amigo, sei que está na luz, no colo da amada mãe Judith. Mas você sabe o tamanho do buraco que seu encantamento deixou dentro de cada um e cada uma de nós que o amamos!
Furou a fila!
por Madu Costa
“Estou curado. Agora é com os médicos descobrirem o nome do que ataca meu corpo.”
Assim Pedro se referia à sua experiência.
Esteve lúcido e lúdico durante os três meses de enfermidade corporal.
O espírito apresentava-se em prontidão.
“Minha mãe está aqui comigo.”
Preparem um churrasco daqueles pra quando eu sair daqui.
Será logo, logo.
Sinto-me muito bem.
Os medicamentos cumprem seu papel e eu estou ótimo.
Quero comer orapronobis com angu e almeirão.
Quero beber suco de graviola e água gasosa.
O irmão caçula, estava certo da sua cura e ela lhe veio pela via espiritual.
Conversou até o último suspiro.
Apagou como uma vela a gastar o pavio.
Pavio curto.
Afinal de contas, tinha ele, cinquenta e oito anos de idade.
O caçula.
Furou a fila.
Éramos sete.
Caçulas, mimados, gostam de aparecer, e nós ficamos a “ver navio.”
Restou-nos cantar pra ele.
Sem violão, já que o violeiro era ele. Mas cantamos noite adentro e afora.
Cantamos no velório.
Cantamos na varanda da noite a derradeira serenata, embalada por bons copos de cerveja gelada, uísque e cachaça da boa.
Somos assim.
Celebramos quem vai e quem fica.
Celebramos a vida e a passagem.
“Vai, meu irmão, pega esse avião.
Você tem razão de correr assim,
Desse frio, mas veja…
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Mas não diga nada, que me viu chorando.
E, pros da pesada, diz que eu vou levando.
Vê como é que anda aquela vida boa e se puder
Me manda uma notícia, boa.”
Samba de Orly – Chico Buarque
Pedro José Ferreira Costa
11/03/1962-09/12/2020