por Sulamita Esteliam
A fome é injustiça social cruel, e torna o ser o humano presa fácil de todos os males. E não apenas da peste, seja ela a pandemia de Coronavírus, seja de políticos ou empresários sem escrúpulos, lacaios da ganância que governa o mundo.
Como diz Carolina de Jesus em seu Quarto de Despejo, “a fome deixa a gente nervosa. É muito triste viver sem ter o que comer”.
Euzinha fico agoniada quando vejo alguém esfregar a mão na barriga e fazer careta típica de quem tem fome.
Saiu o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, produzida pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, com apoio da Oxfam Brasil – linco ao pé da postagem.
Os resultados são dramáticos. Mas não surpreendem quem tem olhos para ver e coração para sentir. É só olhar as calçadas, as esquinas, o território debaixo dos viadutos, as beira-canais das cidades deste país.
Um em cada cinco brasileiros ou brasileiras passam fome. Isso mesmo: são 19,1 milhões de pessoas – mulheres, e homens, idosos, adultos, jovens e crianças que não têm o que comer diariamente ou quase nunca, inclusive na área rural.
Eram 10,3 milhões em 2018. Significa que em dois anos mais 9 milhões de brasileiros e brasileiras passaram a experimentar o que é passar fome.
Metade da nossa gente, 116,8 milhões, convive com algum grau de insegurança alimentar – leve, moderada ou grave. Significa que hoje tem arroz, amanhã falta feijão, tem que botar água no leite das crianças, e comer ensopado de farinha de mandioca ao invés de pão com manteiga e café. Carne, nem pensar.
Regredimos aos patamares de 2004, quando o Brasil, via governo Lula, iniciou um programa audacioso e bem-sucedido de combate à fome e à miséria. Aos menos três refeições por dia foi a meta conquistada.
Tudo virou pó nos rastros do golpe parlamentar-jurídico-midiático de 2016. Crise mundial junto, vieram o desmonte das políticas públicas de longo prazo que focavam a redução da miséria e das desigualdades; e a ponte para o abismo que cortou verbas, engoliu direitos, destruiu empresas e empregos.
Os reflexos danosos foram multiplicados nos últimos dois anos de desgoverno que, sobretudo no desleixo proposital na gestão da crise sanitária, se revela genocida.
Foram analisados 2.180 domicílios, sendo 1.162 urbanos e 518 rurais. Desigualdades regionais históricas persistem e se agravam. E repercutem nos índices de contaminação e morte por Covid-19.

Constata-se a tentativa vã de sobrevivência com menos 1/4 do salário mínimo per capita em 25% dos lares do Norte e Nordeste e 50% das famílias com meio salário mínimo, por exemplo.

Enquanto no Sul/Sudeste ou mesmo no Centro-Oeste, menos de 10% dos domicílios vivenciam a penúria em estado quase absoluto.
E há a precariedade ou ausência de abastecimento regular de água. A insegurança hídrica atinge 40,2% das famílias no Nordeste e, pasme, 38,4% no Norte.
Inegável que a necessidade de quarentena afeta a economia, o nível de postos de trabalho e a renda de quem se mantem na ativa, remota ou presencialmente. Tudo isso impacta.
O que torna imprescindível a renda básica decente, para garantir alimentação e alguma dignidade a milhões de brasileiros e brasileiras desvalidos.
Políticas públicas, sim, senhores e senhoras. O Estado tem que cumprir seu papel.
Mas, como escreve o colega Fernando Brito, no Tijolaço, “não há escolha possível entre morrer de fome ou de Covid-19. Não se deve morrer de nenhum dos dois.”
Até porque, morto não trabalha nem consome.
Clique para acessar a íntegra do Relatório sobre a fome no Brasil da pandemia.
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Fonte requerida:
Tijolaço/Fernando Brito
- Um golpe no estômago