Tragédia em Capitólio é outro nome para imprevidência, descaso e ganância

por Sulamita Esteliam

“É necessário alterar os rumos da crise climática, civilizatória, política, cultural, estética, econômica e social no Brasil. Por natureza, precisamos deixar de ser um país colapsado.”

Isabelle Medeiros de Freitas – fotógrafa, mãe e geógrafa formada pela Universidade Federal de Alfenas, em artigo para a Mídia NINJA.

Há cerca de 36 anos, fui escalada para cobrir um fenômeno que seria trágico no Sul de Minas Gerais: um pedaço de rocha do cânion que cerca boa parte do Mar de Minas, o Lago de Furnas, ameaçava desprender-se, e o impacto que causaria na água poderia inundar várias das cidades do entorno.

Ficamos alguns dias à espera do fenômeno, hospedados em um alojamento da Cemig, beira-lago, na região de Passos. O desastre não se confirmou, ainda bem, e acabamos deslocados para cobrir um incêndio na Serra da Canastra, no Sudoeste mineiro.

Equipamento de proteção, para água e fogo, era nenhum. Vida de repórter.

A equipe se completava com os amigos Marcelo Prates, fotojornalista, e Beto Novaes, o motorista de O Globo; que acabou assumindo o manejo das lentes, tornando-se repórter fotográfico respeitado nas Gerais.

Nunca mais ouvi falar do assunto, até porque saí de Minas Gerais. E  enquanto lá vivi só voltei à região uma vez, com minhas crias, três à época, por um fim de semana a convite de um amigo que tinha casa de veraneio em Formiga.

Mas a lembrança do alerta geológico me veio, naturalmente forte, ao ponto do arrepio, quando recebi o vídeo da tragédia em Capitólio, no sábado, 8.

Até procurei em minhas agendas profissionais sobreviventes do passado alguma anotação mais técnica a respeito. Mas andei descartando muitas, e se havia foi-se…

Contei ao maridão a experiência, e ele questionou no ato: “Quer dizer que havia a ameaça de inundação e seu jornal enviou você, o Marcelo e motorista para morrerem afogados!?”

Sequer pensamos na possibilidade. Missão dada, missão cumprida, normalmente é assim. Além do que, teoricamente, Passos, onde nos hospedamos, não estava na lista das cidades passíveis da inundação, que afinal não aconteceu.

A memória midiática traz informações de que há um alerta sobre a possibilidade de tombamento do bloco em 2012, há 10 anos portanto. Nenhuma referência sobre à “ameaça” em 1985.

Pois nenhuma providência foi tomada para evitar o desastre em todos esses anos; nem quando o período chuvoso obrigada a maiores cuidados, e Minas sucumbe à força das águas e dos abusos de sua natureza mineral.

Brumadinho, Mariana não foram o bastante. Há pelo menos três locais sob ameaça de rompimento de barragens: Macacos, Congonhas, Carioca (distrito de Pará de Minas).

No fim de semana, um deslizamento de barreira, provocado pelo transbordamento de um dique da barragem de Pau Branco, em Nova Lima, soterrou uma família inteira que terminava as férias na Serra da Moeda, em Brumadinho, e se dirigia a Confins para tornar a Goiás.

Cinco pessoas morreram: a professora Deisy Lúcia Cardoso Alexandrino Santos, seu marido, dois filhos do casal e mais um parente.

O mesmo tipo de negligência que matou 10 pessoas, até agora, na tragédia de Capitólio. Há dezenas de feridos e ainda há gente desaparecida.

Tragédia anunciada é outro nome para descaso e ganância. Imprevidência, desrespeito à natureza, ao meio ambiente e à vida humana gera desgraceira, morte, choro e ranger de dentes.

No Twitter, um navegante conta sua experiência em viagem turística a Nice, na França. Havia um passeio de barco programado, mas ao chegar ao cais, a Marinha havia suspendido toda e qualquer saída de barco, porque havia ameaça de vendaval.

Quer dizer: cautela e caldo de galinha podem se traduzir em prevenção e respeito à vida.

A citação que abre esta postagem é da geógrafa Isabelle Medeiros de Freitas, mineira formada pela Universidade de Alfenas, uma dos 34 municípios da região.

Em artigo para o Mídia Ninja, ela define corretamente, e com fundamentos técnicos, o que houve no Lago de Furnas: desrespeito ao meio ambiente, potencialização dos riscos no extremismo da exploração turística, banalização da vida.

tragédia capitólio - 8 jan 2022
Imagem capturada em mídianinja.org/opiniao

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Fontes requisitadas

Estado de Minas

As vítimas do desmoronamento em Capitólio

Revista Fórum

Deslizamento em Brumadinho mata família inteira soterrada

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