por Sulamita Esteliam
Vou repetir aqui o que publiquei nas redes ao longo do dia que passou, com algumas pinceladas de acréscimo. É que, o que escrevi antes, e escrevo agora, sobre Tilden José Santiago são lembranças fortes e definitivas em minha vida. Impossível apagá-las.
Meu amigo é estrela aos 81 anos, por complicações da Covid. A notícia me chegou no despertar desta quinta. Meu ex-marido me enviou mensagem pelo zap-zap.
Na sequência, Nilmário Miranda, amigo comum e a quem assessorei na Câmara dos Deputados em Brasília, me perguntou via zap: “Soube do Tilden?”
E o bom-dia do maridão agregou a ordem do dia: “Sabe quem é estrela?”
Aí já havia lido a nota de pesar da bancada do PT na Câmara, e os grupos do zap multiplicavam as informações sobre o encantado e a causa da morte: teve uma infecção urinária, que foi agravada pelo Covid e generalizou. Não resistiu.
Replicavam a mensagem de Stella, sua caçula, nas redes:
“A maior herança deixada por ele para nós foi a cultural e sentimental. Ele sempre pediu para partir em paz e assim foi. De padre a embaixador, mas a melhor função exercida por ele na terra foi a de pai!
Ontem ele pediu para trazer o sax para tocar no hospital, não deu tempo papai. Toca a[i no céu para a vovó Stella, nos abençoe e nos dê força porque será muito difícil sem você. Você deixou muitas pessoas que te amam”.
Assim era o Tilden: um chamego só no sorriso amplo, na simplicidade material, franciscana, na riqueza argumentativa, que dava volteios para chegar ao mesmo lugar, no orgulho de suas origens, andanças e formação, na alegria de viver.
Já à noite, minha filha mais velha me ligou: “Mãe, o Tilden está no Jornal Nacional”. O homem era importante e descrevi a minibio do amigo. E ela: “Falaram tudo isso, e que ele morreu de Covid”.
Minhas crias, todas menos a caçula, se lembram do Tilden. Minha mãe amava o Tilden. Ele e Nilmário são patrimônios familiar.
Ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas, um dos fundadores do Jornal dos Bairros e do PT. Defendeu três mandatos de deputado federal pelo partido, que presidiu em Minas. Foi embaixador do Brasil em Cuba, no primeiro governo Lula.

Andou pelos Kibutz de Israel nos anos 50, foi padre operário, condição na qual resistiu à ditadura implantada no país por 21 anos, a partir do golpe civil-militar de 1964. Tilden foi preso duas vezes por sua atuação na resistência.
Militou clandestinamente no Nordeste, e celebrava missas com um 38 sob a bíblia. Deixou a batina para se casar com Maria, uma operária pernambucana, que conheceu na clandestinidade.
Separou-se dela no final dos anos 90, mas os filhos que fez, teve com ela: Vladmir é o primeiro, depois vem Alessandra e por último Stella, que se multiplicaram em três descendentes: Isaac, Lavínia e Sarah.
Conto parte da jornada do Tilden no meu livro “Estação Ferrugem”, Vozes/Prefeitura de BH, 1998 – que resgata a história da região operária de Belo Horizonte-Contagem e a resistência à ditadura na ótica dos trabalhadores.
Por isso, digo, e está lá no depoimento publicado no portal Jornalistas de Minas: para além das divergências e escorregões políticos – quem não os tem? -, ninguém tira a trajetória de militância de Tilden Santiago, vulgo Aliocha, seu nome de guerra.
No que testemunhei, foi um presidente de sindicato exemplar. Ademais, abriu o Sindicato para a atuação política direta da base. A criação do Núcleo de Jornalismo Político, que integrei na formação, e depois do Econômico são exemplos dessa diretriz.
Foi sempre um bom companheiro; para mim, um irmão mais velho. Foi ele quem me acolheu em Brasília, quando migrei, sem eira e sem beira, em 1991. Enquanto fazia frilas, morei na casa dele por três meses, até Nilmário me convidar para seu gabinete.
Para agradecer, assumi a cozinha da casa, onde viviam também o assessor do deputado, João Tavares, e o filho do Tilden, Vladmir Santiago.
É fato que, em anos mais ou menos recentes, atravessou o rubicão, no entender de parte dos amigos de esquerda. Ocupou uma secretaria no governo Itamar Franco, depois de perder por pouco a eleição para o Senado pelo PT, aliançado com o PMDB.
Também teve cargo de assessoriia na Cemig, no governo Aécio Neves, mesmo sob oposição do partido, razão pela qual se desligou do PT.
E chegou a envergar uma camisa amarela nos protestos ditos “anticorrupção” que nos levaram ao golpe contra Dilma, o que é difícil de engolir. Foram essas as razões de eu manter-me afastada dele durante os últimos anos.
O livro, que publicou em 2015, Sacerdotes na Revolução – Os Pobres, Jesus e as Igrejas, pelo selo Starling, resgata sua trajetória religiosa, política e sentimental. Enviou-me um exemplar, através do meu cunhado; está na pilha à espera da vez, que nunca chega. Vou resgatá-lo, in memorian.
Recentemente, voltamos a nos falar, pelo zap. Foi dele a iniciativa. Arriscou o meu número de celular, que é o mesmo há 20 anos, e deu certo.
Pudemos conversar sobre suas opções políticas e de outras pessoas do nosso convívio, que também deixaram o PT. Disse a ele o que pensava. Apenas sorriu, aquele sorriso de “tudo bem, você tem seus motivos e eu os meus…”
A verdade tem faces e arestas contornáveis, garante a Filosofia, ciência exercida por Santiago. Mas ele ficou boquiaberto quando lhe disse que jamais me filiei a qualquer partido, eu que vivo política 24 horas por dia. Nem ao PT.
“Ora, vocês nunca me convidaram. Acharam que eram favas contadas, porque estava na lista de contribuintes…” Rimos juntos.
Vez por outra, me fazia ligações de vídeo: contava da família, do ativismo político-ambiental, do sacerdócio – tornou-se bispo anglicano; da atividade intelectual, da falta que sentia de ter um amor para chamar de dele.
Não estava bem de saúde, mas estava ativo, no possível, e mantinha acesa a alma sonhadora, como bom canceriano.
Trabalhamos juntos no Diário do Comércio, lá em Minas. Militamos juntos no Sindicato dos Jornalistas, que presidiu. Dançamos muito nas celebrações da categoria e nas gafieiras Estrela e Elite, onde vez por outra nos reuníamos com a turma da farra; era pé de valsa e tocava. O som do seu saxofone ainda ecoa em minha memória auditiva.
E é incrível que a única foto que tenho com ele, e dele, é de um encontro de jornalistas em Belo Horizonte, em 1988. Assim mesmo porque o Simphrônio Veiga, colunista da categoria, me enviou. A foto, salvo engano, é de Renato Cobucci.
Foi Tilden quem me apresentou ao Lula, no início da existência do PT na pré-campanha de 1982, a primeira do PT. Deu-se num jantar cotizado, que reuniu jornalistas e políticos do partido, numa churrascaria perto da Assembleia, no Santo Agostinho, em minha Macondo de origem.
Guardo um causo engraçado daquela noite. À certa altura, os dois se afastaram do grupo para um particular. Dei um tempo, cheguei junto, posei as mãos sobre a barriga de cada um, e brinquei: “Dois reizinhos em disputa pelo ventre…?”
Tilden riu e soltou um “lá vem ela…!” E o Lula respondeu, com aquela voz gutural e zombeteira: “Ummm… a dona Marisa gosta de fazer tobogã!”
Não tenho fotos desse encontro – nem coletiva nem de nós três nem qualquer foto com Lula também em ocasiões, várias, subsequentes ao longo das décadas. Se tenho cara de pau para brincadeiras atrevidas, e hoje socialmente incorretas, a tietagem explícita me constrange, sério!
Ajudei nas campanhas quando Tilden se candidatou para federal e Nilmário se elegeu estadual, em 1986. Em 1989, também fui voluntária no comitê central em Minas, e tive que me desculpar para o Nilmário porque apoiaria o colega de redação.
E meu 1° emprego formal na capital da República quem me deu foi Nilmário. E só aí pude pensar em levar minhas crias, três à essa altura, para conhecerem sua futura cidade, onde nasceria a irmã caçula. A mudança de fato, que também teve ajuda do meu empregador, só ocorreu meses depois, no início do calendário escolar…
Ah, sim, não posso me esquecer: quando fui a Cuba com outros colegas e ativistas políticos – minha única viagem internacional em 68 anos – o embaixador brasileiro foi ao hotel nos dar as boas-vindas.
Nos convidou para um espetáculo no Teatro Nacional, dias depois. A conta foi devidamente rachada entre todos os convidados do governo revolucionário; o ingresso foi cortesia ao embaixador do Brasil e seus conterrâneos e conterrâneas.
Obrigada, amigo, por tudo. Você, que sempre acreditou na vida eterna, mora para sempre em nossos corações. Descanse em paz e na luz.
Abraço sua família, amorosa e acolhedora. Força e consolo.
******
Postagem revista e atualiada em 09.02.222, àsa 22:30: correção de informação equivocada sobre as razões da desfiliação de Tilden do PT. Com minhas desculpas.
Boa, Sula! Bela homenagem ao Tilden.
O rogada, Jura.😘
LINDA HOMENAGEM !!!!! MEU COLEGA DE SAXOFONE. ADMIRAÇÃO MÚTUA – URBANO MEDEIROS