por Sulamita Esteliam
Antes que o verão termine, retomei a gravação do Leitura Literária, suspenso desde meados de outubro do ano passado, por razões familiares.
Como já mencionei em postagem anterior, o bicho andou pegando nossas emoções na campana, com preocupações de saúde.
Todas as minhas, as nossas energias estavam canalizadas para o que importa: o bem-estar das pessoas que a gente ama. Agora que tudo se resolveu, posso voltar a me dividir e multiplicar.
A vida é o bem mais precioso, é o presente com que o Universo nos brinda para fazer bom uso.
Escolhi o escritor pernambucano, e colega jornalista, Urariano Mota para este recomeço. Gosto do seu estilo: literatura sustentada na realidade, nua e crua.
Assim como a vida das gentes que carregam este país no lombo, e veem a vida passar sem que dela se aperceba e muito pouco, quase nada, dela desfrute.
A desigualdade, o machismo, o preconceito, o racismo, a opressão no país marcado pelo autoritarismo, formam o pano de fundo do enredo de O Filho Renegado de Deus, o terceiro e penúltimo romance de Urariano.
O livro é editado pela Bertrand Brasil, e foi lançado em 2013. Escrevi aqui no blogue a respeito, entrevistei o autor à época par a Revista dos Bancários e repostei aqui.
Também fui ao lançamento, concorrido, na finada Livraria Cultura, no Paço Alfândega. Eis o registro que já é memória, em clique da amiga Mereh.
Um parêntesis necessário: é com tristeza que li hoje mesmo o encerramento das atividades da outra unidade da Cultura no Recife.
É mais uma livraria física que se vai, sufocada pela transformação do mercado editorial no reino absoluto da internet. Em Beagá, também a tradicional Livraria Ouvidor, na Savassi, anuncia que vai cerrar as portas.
Há, inclusive, uma campanha estimulando a compra de livros na loja, ideia do jornalista Afonso Borges, criador e apresentador do programa Sempre um Papo sobre literatura.
O livro de Urariano. que revisito, conta a história de um menino que, na idade adulta, resgata a história e o amor da mãe – pobre, gorda, índia, dona de casa, esposa traída e maltratada, cujo “único bem era o próprio nome: Maria”.
Pois Maria morreu aos 30 anos, de parto gêmeo, que não houve; os bebês se foram junto com ela, guardados para sempre em seu ventre.
Violência obstétrica, num tempo em que não existia essa expressão, muito menos a preocupação com…
O menino tinha apenas 8 anos e um pai ególatra, repressor e brutamontes.
Pois o resgate de Maria é imperativo para o filho, jovem e depois maduro. Cotudo, é eivado numa impossibilidade: o amor à mãe, que em vida só conhecera o amor do filho e do irmão gêmeo, que era gay, está diretamente ligado ao sexo, ao cheiro do sexo da mãe.
Todo o enredo, permeado pela figura de Maria, é embalado na rudeza da vida como ela é para a maioria das gentes deste Brasil. Um país cujo sinônimo, em dose dupla, bem poderia ser desigualdade e opressão.
Salve, escritora, jornalista e amiga Sulamita! Muito obrigado por sua inteligente e sensível leitura do romance.