por Sulamita Esteliam
Raramente me credencio para cobrir eventos políticos, desde que me aposentei das lides profissionais, como empregada ou prestadora de serviços de Comunicação. Gosto de militar, de misturar-me à massa, que é meu sal da moleira; sem perder o espírito da repórter, que carrego comigo desde que me entendo por gente, e foi bem cedo.
Sou discípula de Hunter S. Thompson, o jornalista que megulhou na cena para iluminar o caminho do exercício de reportar como partícipe dos acontecimentos que narra: rompe as fronteiras do Jornalismo com a Literatura – para além da mera interpretação.
Curioso é que na faculdade, que cursei na segunda metade dos anos 70 do século passado, não tive notícias do criador do Jornalismo Gonzo – do francês “ganzeaux”, ou via iluminada – assim definido por Bill Cardoso numa frase em que dialoga com Thompson, e que se tornou célebre:
– “Não sei o que porra você está fazendo, mas você mudou tudo. É totalmente gonzo.”
Aprendi fazendo. E já praticava quando soube que esse jeito de reportar os fatos, com alma, tinha nome; era mais que estilo, se consistia numa escola.
É que no Brasil as tendências arrastam correntes até aportar por aqui: uma década é coisa recente, pois.
Pois bem, na última visita de Lula ao Recife, na semana que passou, fiz diferente da maioria das vezes em que participo de eventos desta natureza: me credenciei, cheguei com a antecedência pedida, e depois de ligeira volta pelo ambiente público, para absorver as energias, me recolhi ao cercadinho destinado à Imprensa.
Acompanhei tudinho de camarote. Só voltei a chegar perto ao fim, junto à barreira humana de seguranças – contida numa espécie de corredor que delimitava o espaço para convidados, antes do palco, onde estavam as autoridades.
Foi do cercadinho que capturei a mensagem, previsível: a militância não engoliu os acordos de cúpula, que atendem necessidades políticas, mas também interesses de poder de grupos dentro dos partidos.
E devolveu em apupos, palavras de ordem e gestos impublicáveis o que considera um desaforo moral. Insatisfação concentrada em nome e figura de Danilo Cabral . De nada adiantaram os apelos para não se olhar pelo retrovisor, em nome da unidade, de um bem maior, que é o resgate do Brasil.
Boa parte da militância, senão a maioria, não perdoa o voto do deputado do PSB – aliás por decisão partidária, mas com que gosto ele ornou o sim -, no golpe que apeou Dilma Rousseff da Presidência, em 2016: a simples menção de seu nome desencadiava a torrente.
Publiquei no Instagram:
A deputada Tereza Leitão, pré-candidata ao Senado na aliança em Pernambuco, se escalou para tentar apazigar os ânimos. Ela é das figuras mais respeitadas no PT estadual, dada a sua origem sindical – presidiu o Sindicato dos Professores – e sua longa trajetória como vereadora e deputada pelo PT.
Tudo foi muito bem, até ela defender “o time de Lula” com tudo dentro: não escapou das vaias. Botaram uma orquestra para tocar clarins e tambores para encobrir a chacota; em vão, gritaram mais alto. O que a princípio se limitava à direita do palco, na visão de lá, se espalhou para o centro e para a esquerda.
O que em cena era constrangimento, no camarote era diversão: prato cheio para a turma de coleguinhas, a maioria gente jovem, mas não apenas; havia também gente provecta, a exemplo desta velha escriba, um completa desconhecida, e outros a meio caminho – além de repórteres estrangeiros no local.
Claro que Lula foi ovacionado – antes, durante e depois de chegar, em várias oportunidades, e antes iniciar sua fala, ao longo do discurso e ao fim. Novidade alguma, quando se trata do ex-presidente, ainda mais em seu estado natal.
Houve colunista da mídia comercial, a exibir firulas de rejeição no prédio onde a comitiva de Lula tomou café da manhã, a convite do pré-candidato ao governo do estado, Danilo Costa (PSB), que mora em Casa Forte.
Lá é reduto da nata recifense, onde se concentra o PIB pernambucano, e as famílias tradicionais, na capital. É. portanto, área de influência do inominável; só perde, talvez, para Boa Viagem, onde está a classe média, com e sem noção, e novos ricos sem pedigree.
Entra em beco, sai em beco, os pobres se expremem nas comunidades por trás dos arranha-céus. Nos últimos tempos, voltaram a exibir-se, despudoradamente, nas cercanias das pontes sobre rios e canais, nas calçadas, praças e sinais de trânsito. Lula está ligado:
Como se vê, Lula e Geraldo Alckmin, pré-candidato a vice, passaram no teste de fogo.
O ex-presidente reviveu os benefícios que trouxe para Pernambuco, para o Nordeste, para o Brasil. Tomou como exemplo o médico mineiro, ex-catador, ex-servente de pedreiro, ex-morador de rua em Juiz de Fora e Belo Horizonte, nas Minas Gerais.
Além de pobre, filho de pedreiro, preto. Pois conseguiu formar-se em Medicina, graças ao Pró-Uni.
O depoimento do médico José Paulo dos Santos abriu a etapa transmissível do evento: após a chegada de Lula, Janja, Alckmin e Maria Lúcia; na sequência do governador Paulo Câmara e do prefeito João Campos e sua mãe Renata Campos, do candidato a governador, Danilo Cabral e da vice-governadora Luciana Santos, que se mantém na chapa e demais candidatos, dentre outros.
Nas palavras de Lula: “A coisa mais extraordinária é a ascensão”. Ele sabe bem o que diz: meritocracia da oportunidade, via política pública – que não havia no seu tempo de adolescente-trabalhador; nem no meu.
Há que destacar Geraldo Alckmin: longe a era do bico duro tucano, e mais distante ainda os tempos do “picolé de chuchu”. Não que a esperteza não fizesse parte do currículo de Alckmin – político bobo nasce morto. Mas a convivência com Luiz Inácio Lula da Silva, visivelmente, apurou o jogo de cintura e amaciou o bico do ex-governador de São Paulo.
No Centro de Convenções Recife-Olinda, valeu-se do refrão “Volta, Lula!” para explicar a razão de superarem as diferenças para seguirem juntos – por mais emprego, desenvolvimento, saúde, educação, igualdade, por mais direitos,
– Vamos Juntos por que o Brasil precisa: volta, Lula! – repetia a cada frase sobre a razão da unidade.
Garantiu-se quando afagou o pertencimento do povo orgulhoso de sua terra, fazendo trocadilho com as insatisfações políticas. Disse que nesses três dias em Pernambuco – em Caetés, onde visitaram a casa em que Lula nasceu e passou parte da infância, e que vai ser transformada em museu; em Garanhuns, no Festival de Inverno; em Serra Talhada, e na manhã daquela quinta no Recife – aprendeu mais sobre cultura do que “em toda a minha vida”:
– Pela manhã, no encontro com os artistas, no Teatro do Parque, ouvi do poeta Antônio Marinho, um verso que me ensinou o porquê da riqueza dessa terra: “Em terra de poesia, fascista não se cria”.
Deixo o vídeo completo, via Youtube/Lula
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Postagem revista e atualizada em 27.07.2022, às 10h26: correção de erros de digitação e dia da semana do evento no Recife: quinta, não sexta.
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