por Sulamita Esteliam
A ignorância e a desfaçatez caminham de mãos dadas com o mal; a hipocrisia também. Mas vá lá, nossa democracia “cresceu e amadureceu”, mas ainda requer manifestos e declarações de apoio e defesa do Estado Democrático de Direito.
Fico a imaginar até quando…
Só sei que dificilmente estarei aqui para assistir o que minha geração e, sobretudo a que nos antecedeu, deram suor e sangue para construir, e imaginou que caminhava para consolidar.
Certamente precisamos, a exemplo de nossos irmãos portenhos e chilenos, limpar os esqueletos do armário, esquecidos no processo em que “O Brasil superou a ditadura militar” – na verdade civil-militar – com anistia ampla, geral e irrestrita.
Seguramente, temos que tirar quaisquer dúvidas na redação de trechos constitucionais, lidos sob a lente da conveniência dos usurpadores de poder, dos sem-poder que se arvoram em defensores da moralidade que não praticam.
Agora até a Faria Lima se soma aos arautos do respeito ao manto da Constituição, tantas vezes violada, o que nos trouxe aonde estamos: como na derrubada da presidenta eleita, a primeira na história deste país, sem ater-se ao que prescreve a Carta Magna, o tal crime de responsabilidade.
Não ouvimos essas vozes em 2016, no golpe parlamentar-jurídico-midiático travestido de impeachment farsesco. Também não ouvimos a voz do PIB quando dos processos, condenação e prisão arbitrária do ex-presidente Lula – questionados inclusive internacionalmente e finalmente anulados.
Muito menos tais vozes ecoaram quando da campanha sustentada na mentira, na calúnia e nas ameaças que bancaram as eleições de 2018, o Coisa-ruim na cabeça, e os coturnos na retaguarda.
A senhora Democracia está sempre ao bel prazer de quem sustenta os mandatos de mais da metade do Congresso, financia presidentes, fazem ministros, carregam no bolso o Banco Central e usufruem das riquezas do país.
De qualquer forma, chega uma hora em que “´preciso deixar de lado as divergências menores em prol de algo muito maior, a ordem democrática”.
O manifesto que o A Tal Mineira transcreve abaixo, a partir do jornal GGN (link ao pé da postagem), é uma reedição de documento análogo, lido pelo professor Godoffredo da Silva Teles, em agosto de 1977 , vigente o regime militar: no mesmo Largo de São Francisco onde fica histórica Faculdade de Direito. É de lá que o manifesto de 2022 será apregoado, dia 11 de agosto.
Já são mais de 3 mil assinaturas, segundo o GGN – de juristas, empresários, artistas, advogados e entidades da sociedade civil: os banqueiros do Itaú Unibanco, do Credite Suisse; o dono e os executivos da Natura, da Suzano e ex-presidente da Fiesp; ex-ministros do Supremo e de governos anteriores.

Carta aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito
“Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o Estado Democrático de Direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.
Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.
Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.
A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição: “ Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.
Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.
Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.
Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.
Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.
Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.
Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.
No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.
Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!!!!”
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Fonte requisitada
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