por Sulamita Esteliam
Na manhã deste 14 de março, de tristíssima memória, minha-nossa consciência digital me trouxe a foto da janela do meu canto de trabalho em casa com uma faixa amarela escrita em preto, que Euzinha mesma produzi para a campanha já em 2018: “Justiça para Marielle e Anderson!”.
Continua valendo, vergonhosamente. Não há condenação nem dos apontados como executores do duplo assassinato, por motivo torpe: o inquérito não foi concluído; 1856 dias passados, cinco delegados e 10 promotores depois.
Incompetência, interferência e/ou conivência, rimas a serviço do acobertamento de personagens e interesses inconfessáveis, dentre os quais o próprio destino do Brasil.
O duplo homicídio, que pouco se importou em ir além do alvo principal, está umbilicalmente ligado à interferência antidemocrática no país que, ainda que temporariamente, se dissociou do seu futuro.
O governo, agora sim, sob a batuta de Lula, trouxe o foco no esperançar, e o caso Marielle-Anderson de volta à ribalta: por determinação do ministro da Justiça, Flávio Dino, a Polícia Federal entra oficialmente na investigação.
Meia década depois do crime hediondo, é factível crer no empenho de determinar quem mandou matar e por quê?
Até agora, estão presos preventivamente o executor, Ronie Lessa, o condutor do carro, Élcio Queiroz e um terceiro homem, Maxwell Simões, que guardou armas de contrabando para Roni Lessa, o autor dos disparos. Lessa e Simões foram condenados no processo de tráfico de armamentos.
Todos milicianos, ex-PMs. Todos expulsos da polícia ou do Corpo de Bombeiros, caso de Simões. Não é o bastante.
Nas ações do dia, o tuitaço #5AnosSemRepostas – #JustiçaPorMarielleeAnderson. Postei a reflexão de que talvez, conivência seja a palavra para a falta de resposta oficial à pergunta que há cinco aos não quer calar: quem mandou matar Marielle Franco e que levou junto Anderson Gomes?
Ora, talvez…! Apenas estou sendo cuidadosa, até prova em contrário.
Todavia, há varias maneiras de se questionar a ineficiência aberrante, incompreensível e indignante. E o colega Jerfferson Miola, articulista do Brasil 247, vai ao fígado:
– “Quem contratou o vizinho do…” – Coisa-ruim; melhor não pronunciar o nome de batismo do inominável – “…no condomínio Vivendas da Barra, no Rio de Jaeiro, para assassinar Marielle?”.
Há outra pergunta, que o tempo desanuvia: quem era o terceiro homem, instalado no banco de trás do carro, junto com o atirador que matou Marielle e Anderson, seu motorista?
A assessora de imprensa, que acompanhava a vereadora, se feriu com estilhaços, mas se salvou por que estava no banco traseiro.
Euzinha tenho minhas teorias, que hoje convergem para o que as evidências cristalizaram ao longo do tempo abusivo e, convenientemente, inconclusivo das investigações. Não estou sozinha.
Quem dentre os vizinhos do atirador teria motivação política e capacidade intelectual ou desvio mental suficiente para, senão elaborar, ao menos se incorporar na trama que fede a vingança e mesquinharia?
Ora, o Carlos geniozinho malvadeza, o Zero 2, vereador federal ou edil gazeteiro do Rio, tinha profundas desavenças com Marielle; inclusive havia se desentendido publicamente com ela no plenário da Câmara Municipal.
Não obstante, parece óbvio demais. E a obviedade, não raro, induz a conclusões precipitadas.
À distância, mas pelo que venho acompanhando do caso nesses 1856 dias – repito a contagem da colega Ana Gabriela Sales, do Jornal GGN -, estou convicta: o “espírito” do maléfico não o permitiria abster-se do gozo da morte da adversária incomodativa e poderosa.
Sem contar o sentimento de “orgulho” de tornar-se suspeito de ser parte da elucubração da tragédia. O narcisista atormentado por seus fantasmas trancados no armário tem razões que até o espelho desconhece.
As hipóteses colocam o pobre menino rico no banco traseiro, junto ao Ronie Lessa, no “Cobalt da morte”.

Alvo atingido, meta alcançada: Marielle, mulher preta, lésbica, favelada e mãe é abatida a tiros.
A dor das vitimas e das famílias não supera o gozo. Marielle tinha uma filha, Anderson um bebê. Pouco importa se há orfãos, mães feridas de morte, viúvas jovens, que terão que curar as feridas na luta.
Todavia, não se pode esquecer que Marielle Franco, duas semanas antes, havia assumido a Comissão de Acompanhamento da intervenção militar no Rio de Janeiro, à qual se opunha veementemente. Posição coincidente, aos menos como dissimulação, com a do Coisa-ruim.
Ocorre que o ano é 2018, eleitoral. As forças políticas estão desacreditadas, após o golpe parlamentar-jurídico-midiático, que apeou Dilma Rousseff da Presidência da República. A esquerda golpeada, o centro sem cacife ou representante. A extrema-direita não é levada a sério.
O Judiciário está sob chantagem midiática e, ficou claro depois, pelo general-comandante do Exército, Eduardo Vilas Bôas. Estamos a menos de um mês da prisão indevida de Lula, parte fundamental à cadência do golpe em processo.
Quem usurpa, se presta a qualquer papel. Michel Temer, se ajoelhou ante a plutocracia, fazendo o serviço podre de instalar a ponte para o abismo.
E não se furtou a servir de mordomo para os militares, sequiosos de poder: decretou a intervenção militar no Rio de Janeiro, eivada de inconstitucionalidades.
A começar pelo decreto da GLO, injustificável: o caos do Rio é o caos do Rio, não cabia intervenção federal, muito menos militar. E para selar a ilegalidade, o comando foi entregue a um militar, ao invés de um civil, como manda a letra da lei.
Tudo pronto. Só faltava a escolha do candidato-fantoche para os milicos retomarem o mando deste país, que não se cansa de pisar na goela de sua gente, o povo que o carrega nos ombros.
Suor e sangue de milhões, em troca de picanha, uísque, viagra, camisinha e leite condensado para a farra de 8 mil apaniguados, sedentos de mamata.
Lula preso, STF e TSE na coleira, Lava-Jato em todas as manchetes, a narrativa azeitando a fábrica de mentiras nas redes e nas ruas, com kit gay, mamadeira de piroca, com tudo… A fakeada no bucho apodrecido do candidato, apenas selou o destino do Brasil.
O pacto de silêncio sobre quem mandou matar Marielle e levou Anderson por tabela, e o porquê da emboscada fatal, desserve a democracia e a busca por igualdade social, de gênero e raça.
E eis que o interventor general Braga Neto se torna chefe da Casa Civil do desgoverno genocida.
No tabuleiro do xadrez desenvolvido pelo colega Luis Nassif, no GGN, há mais jogadas expostas – acesso ao pé da postagem.
Fato é que nos jogaram no precipício, nos deixaram na boca do inferno, e queriam mais. Perderam. Inconformados, açularam, financiaram e acoitaram o patriotariado para tentar virar o barco, no grito. Dançaram.
O enredo sabemos de cor. Faltava coragem para juntar as peças, recolher e consolidar provas, e fazer a coisa certa.
A impunidade mata de novo, renova a dor com o sabre da impotência. A violência política e a invisibilidade matam e reproduzem a morte, todo dia, o ano inteiro, ano após ano.
É preciso dizer basta: cinco anos é tempo demais.
E é preciso repetir: Marielle presente! Anderson presente! Vida presente.
Neste 14 de março, houve sessão solene em memória de Marielle Franco e Anderson Gomes no plenário da Câmara dos Deputados, com a presença de familiares, amigos e representantes da sociedade civil.
Houve a abertura da exposição com fotos de Marielle em ação, desde a campanha em 2016 até a última atividade no Bairro do Estácio, em 14 de março de 2018.
A exposição Marielle Franco – Nesse lugar é produzida pelos institutos Marielle Franco e Lauro Campos é itinerante: fica até 23 de março no saguão da Câmara, em Brasília, depois segue para as assembleias legislativas nos estados.
Tudo parte do Março Por Marielle E Anderson – 5 Anos Sem resposta.
No Rio, o Festival Justiça Por Marielle e Anderson, na tarde-noite deste 14 de março, reuniu artistas de todo o Brasil. Memória ecoada pelo Instituto Marielle Franco. Deixo o vídeo.
Em Belo Horizonte também houve festival em memória e por Justiça por Marielle e Anderson. Organizações de diferentes grupos e coletivos da cidade realizaram de atividades variadas nas ruas, Câmara Municipal e Assembleia Legislativa, onde houve ato solene sob a regência da Comissão de Mulheres e Direitos Humanos.
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Fontes citadas:
Ana Gabriela Sales no Jornal GGN
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