Mulheres e o correr da História

por Sulamita Esteliam

“Las mujeres puedem ver la luz donde los hombres
sólo observan un spacio vacío en el que unicamente puedem
percibyr el ocaso de los monumentos y documentos fálicos
que elles mismos erigieron para sí.
Las mujeres tiene algo que decir; non decir nada equivaldría
 un aborto histórico del sujecto feminino.”
Rose Braidotti*

Sempre me lembro, e me emociona a história que minha avó materna contava, sobre o porquê de ser analfabeta de pai e mãe. Os olhos delas, já anuviados pelo tempo, brilhavam, enquanto viajava à sua infância no Coqueiro, na roça de Jequitibá, à porta do Sertão mineiro.

“De manhã cedinho, eu me encarapitava no galho mais algo da mangueira, para ouvir a cartilha trazida pelo vento. A escola estava a légua de distância, mas o vento trazia a cantoria. Eu era doida para aprender a ler e escrever, mas meu pai não me deixava ir pra escola. Ele dizia que mulher já era difícil analfabeta, e letrada, então, vira o demo…”.

A presença da minha avó materna preenche todas as etapas da minha vida, desde o meu nascimento, que foi por suas mãos. Minha mãe se encarregou da moldura.

Olho para mim, em marcha batida para os 70, e tudo me diz que tenho de quem puxar coragem, diligência, força, dedicação, autoestima e alegria; qualidades de que me orgulho e que admiro nas companheiras de gênero.

Há poucos dias, meu filho comentava sobre as dificuldades de se manter uma família – casa, comida, escola, vestuário, lazer –  eu acrescentaria temperança – e comentou: “Mãe, não sei como a senhora deu conta!”

Às vezes também me pergunto. E a resposta é sempre a mesma: de onde eu venho, cheguei muito longe, e vim a pé, um passo de cada vez, devagar ou correndo, mas não andei sozinha.

Por essas e outras, sou mesmo levada a concordar com meu bisavô ignorante que mulher é criação do demo; não, de Lilith, a rebelde e libertária primeira mulher de Adão, pai do machismo e da misoginia ancestral, por isso livrou-se dele.

É graças a ela que caminhamos, e não raro voamos, mesmo tropeçando pelos caminhos.

Mulheres são múltiplas e várias.

Dilma Rousseff, por exemplo, está no polo oposto do dito lugar de fala de Mãe Ceição, se ela ainda pudesse falar; ou mesmo da dona Dirce, minha mãe, que só completou o primário, e já adulta, mas gostava de ler, o fazia muito bem em voz alta, e sabia escrever e argumentar – de maneira simples, mas correta e vivaz.

A posição das três, embora distantes gerações e escalas na pirâmide social, me coloca bem no meio do prisma

Quem acha a comparação absurda, desconhece as ilusões do caminho.

Há que aplaudir a trajetória de Dilma Rousseff: de militante-guerrilheira, presa, torturada, sobrevivente da ditadura militar, a garota de classe média tornou-se a primeira e única presidenta da República do Brasil.

E agora é a primeira mulher a assumir a presidência do BRICS: o  banco, aliás, que ajudou a concretizar, em 2015, pois vinha em discussão desde 2006.

Nada mais adequado que seja a única mulher a participar da formatação do banco, a cuidar, gerir a cooperação econômica sustentável e geopolítica entre as nações emergentes, que é seu papel: no caso, do coletivo Brasil, Rússia, Índia, China e a partir de 2011, África do Sul.

Todas as minhas homenagens a esta mulher que, já escrevi, gosto como a uma irmã mais velha: valente, resistente, solidária, resiliente, leal, guerrilheira da liberdade e da justiça. E ainda por cima é divertida, mesmo sendo exigente e teimosa, segundo dizem.

A mulher que seus compatriotas e conterrâneos, da nação e das Gerais, tiveram o desplante de golpear. Depois do ultraje nacional, a mineirada completou a obra, puxando seu tapete na eleição para o Senado, em 2018. Imperdoável.

Ideologia e antipatia à parte, é misoginia, machismo ou inveja. Questionam sua competência técnica, desfazem de sua capacidade política, refutam sua correção, criticam sua firmeza, ignoram sua lealdade e capacidade de amar. 

Dilma Vana Rousseff, contudo, tira de letra. O que são golpistas e traíras para quem enfrentou torturadores e tribunal militar e recebeu milhões de votos para governar seu país?

E olha o tamanho da volta por cima: Shangai, China, é sua nova morada e seu novo local de trabalho, por indicação do presidente e amigo Luiz Inácio Lula da Silva. E com um salário à altura do cargo e da sua proficiência, pagos pelo banco, que tem gerado choro e ranger de dentes.

Beijinho no ombro.

*“As mulheres podem ver a luz onde os homens
só observam um espaço vazio em que eles unicamente podem
perceber o ocaso dos monumentos e documentos fálicos
que eles mesmos ergueram para si.
As mulheres têm algo que dizer; ão dizer nada equivalería 
a um aborto histórico do sujeito feminino.”

( citação na tese mestrado em História Social: “Senhoras do seu Destino – Francisca Senhorinha Diniz e Josefina Alvares de Azevedo”, de Bárbara Figueiredo Souto,  vertida do espanhol, que abre esta postagem)

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Fonte requerida

Ipea: sobre o Brics

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