Horrores da ditadura em dose dupla: livro de Nilmário e documentário de Marcelo Passos

por Sulamita Esteliam

A memória dos 60 anos da ditadura civil-militar é chacoalhada em dois eventos que acontecem na noite do penúltimo dia de abril, lá na terrinha, pelas artes de dois amigos queridos: em Belo Horizonte, Nilmário Miranda lança seu novo livro sobre assassinatos do regime, no Museu Abílio Barreto; e em Juiz de Fora, Marcelo Passos estreia documentário seguido de debate, no Teatro Paschoal Carlos Magno sobre a denúncia de tortura contida na chamada Carta de Linhares.

Nilmário escreve em parceria com Carlos Tibúrcio e Pedro Tierra, outros dois sobreviventes dos 21 anos de terror a que foram submetidos os opositores da ditadura que caíram nas garras da opressão: Por trás das chamas— da Casa da Morte aos fornos da Cambahyba: práticas nazistas da ditadura e outros relatos sobre Memória, Verdade e Justiça é o título do livro.

Marcelo Passos dirige Carta de Linhares, a tortura revelada, documentário pela M3, sua produtora, que resgata a história da burla da vigilância do regime: o texto escrito e assinado pelos presos políticos do presídio em que foram trancafiados em Juiz de Fora detalha a tortura a que eram submetidos, os métodos utilizados e o nome dos torturadores.

A denúncia correu mundo por ação de familiares dos detidos. Atribui-se a Ângela Pezzuti, que tornou-se estrela recentemente, o papel de levar a carta para fora dos muros da prisão. A tia dos irmãos Ângelo Pezzuti e Murilo Pinto da Silva, integrantes do Colina e signatários da Carta, porém, sempre negou que tenha sido ela, embora tenha sido processada por entrada e saída de documentos da prisão.

São convidados para o bate-papo com Marcelo, após a exibição do documentário de que fazem parte, Jorge e Maria José Nahas, ex-integrantes do Grupo Colina, sobreviventes da resistência política nos anos de chumbo. As histórias se cruzam: Nilmário Miranda também está no documentário.

O livro de Nilmário e parceiros traz vários relatos da longa noite de horror. Narra, por exemplo, as torturas e os assassinatos no imóvel em Petrópolis, que não por acaso ganhou o apelido de Casa da Morte. O requinte macabro era incinerar os corpos nos fornos da Usina de Açúcar Cambahyba, em Campos dos Goytacazes. O dono da usina era o vice-governador do Rio, Heli Ribeiro Gomes, arenista.

São histórias tristes e indignantes, para não esquecer. Dentre elas, as dos pernambucanos Fernando Santa Cruz e Eduardo Collier, líderes estudantis e amigos de infância, que militavam na Ação Popular Marxista-Leninista (APML). Foram sequestrados por agentes da ditadura, em pleno Carnaval de 1974, no Rio de Janeiro, presos e torturados até a morte.

A mãe de Fernando, dona Elzita Santa Cruz, enquanto viveu, e foram 105 anos, lutou pelo direito de enterrar o corpo do filho, e também escreveu um livro sobre a saga: Onde está meu filho? As ossadas até hoje não foram localizadas.

Os relatos das práticas nazistas da ditadura civil-militar são essenciais para reforçar o valor das liberdades democráticas para a vida com direitos de cidadania. É fundamental, sobretudo para a juventude atual, que desconhece a maioria dos acontecimentos, lembra Nilmário.

Em miúdos, valorizar a democracia inclui conhecer a História real, para que não se repita. Liberdade e direitos não são frutas que se come e se desperdiça como se não houvesse amanhã, como querem os movimentos totalitários que recrudecem no Brasil e no mundo.

LIVRO NILMÁRIO

Nilmário Miranda é jornalista, ex-preso político e torturado, foi deputado estadual e federal e o primeiro secretário Nacional de Direitos Humanos no primeiro governo Lula. Atualmente é assessor da mesma secretaria, a convite do ministro Sílvio Almeida.

Tive o privilégio de trabalhar com ele na Câmara dos Deputados, no começo dos anos 90 do século passado. A experiência e sua colaboração foram a base para contar a história da resistência política à ditadura, que é parte do meu primeiro livro “Estação Ferrugem”, Vozes, 1998.

Carlos Tibúrcio é militante político desde a juventude, foi dirigente da Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop) e do Partido Operário Comunista (POC).

Pedro Tierra, também conhecido como Hamilton Pereira, é poeta de primeira linha. Ex-secretário de Cultura do Distrito Federal por duas oportunidades e trabalhou também no Ministério do Meio Ambiente.

Marcelo Passos é jornalista com larga experiência em vídeo, ex-colega da extinta TV Manchete, baseado na capital mineira. É nascido em Juiz de Fora.

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Postagem revista e atualizada em 27.04.2024, às 23h05: correção de erros de digitação e de gramática.

2 comentários

  1. Excelente a matéria, Sula!! Divulgar o passado sombrio do país nos anos de chumbo é didático, é lembrar para nunca esquecer. Viva Nilmário e Marcelo!

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