por Sulamita Esteliam
Numa banca de revista no final da manhã de hoje, esperava pacientemente que a dona do negócio desenrolasse um jogo do bicho para uma cliente que já se encontrava lá quando cheguei, e enfim eu pudesse pagar meu exemplar de cruzadas.
Sim, aqui no Recife a contravenção não é levada em conta. O jogo é praticado a portas abertas, inclusive em lojas estabelecidas tão somente para coletar as apostas.
A mulher acertara a milhar, e ainda assim lamentava que não tivesse jogado “a R$10 e sim a R$5”. A outra meneou a cabeça.
– Mas pelo menos você ganhou, não é? Não reclame. Vai ter que voltar mais tarde porque não tenho em caixa agora.
E a sortuda, que chamara a outra de “irmã”, mandou repetir o jogo “para o meio dia” e para a tarde, jogando “a R$ 10”, e já gastando por conta, fazer outra batelada de apostas. E eu lá, esperando para pagar a revistinha de passatempos, e a dona da banca nem olhava pro meu lado.
Um pouco antes, ela atendera um rapaz que queria água mineral. Um trabalhador da área da construção civil que estava fazendo reparos num prédio ali perto, ele contou. Tudo para manifestar sua indignação com uma moradora que lhe negara um copo d’água. “Eu mesma não tenho obrigação de ficar dando água para ninguém. Quem quiser que compre”, repetiu ele, imitando o tom desaforado da sua interlocutora.
– Não é um absurdo negar água a quem for? – perguntou o trabalhador, buscando com as palavras e com olhar nossa solidariedade.
A ganhadora do bicho foi curta e grossa:
– Vai morrer pedindo água, a infeliz…
No que foi retrucada pela dona da banca:
– Coitada, ela está com problemas; não é naquele prédio ali do fundo? – confirmou com o rapaz apontando na direção da praia.
– Problema todo mundo tem… – retorquiu a sortuda.
– Quero dizer que ela tem problema de cabeça – e fez o gesto característico do dedo em círculos junto à fronte.
O pedreiro, quiçá pintor, foi embora questionando as razões para a má vontade da mulher em lhe servir água.
A dona da banca passou a atender a outra.
Aí, chegou um rapaz para entregar refrigerantes e cerveja. Ela mandou que descarregasse por ali, no espaço exíguo do seu estabelecimento, e ele obedeceu, e ficou por ali à espera da conferência e do pagamento. Mas a dona realmente não tinha nenhuma pressa, e pouca habilidade para fazer mais de uma coisa simultaneamente.
À essa altura, eu já estava em contagem regressiva para cair fora, sem a remissão da minha crise de abstinência de palavras cruzadas.
Parou um carro, e o motorista pediu cigarros, e o entregador se dispôs a pegar pra ele. Só então a mulher interrompeu o que estava fazendo para atender o moço. Aí, me arretei, pedi licença à ganhadora do bicho, já que a outra suspendera a digitação, e solicitei a atenção para minhas necessidades.
Fui atendida, finalmente.
Estava guardando o troco, quando um garoto de seus 10 anos, pele clara, vestido com simplicidade, mas limpo, quis saber o preço da água mineral. Sem levantar os olhos da maquineta, a dona da banca respondeu: “R$1,50”, e o garoto, que segurava entre os dedos uma moeda de R$1,00, devolveu:
– Faz por um real?
– Não.
O menino nem triscou e foi saindo. Imaginei que ele está acostumado a levar “não” pela cara. Eu, que também estava de saída para o sol escaldante de quase meio dia, o chamei de volta e lhe entreguei cinquenta centavos: “Tome. Compre sua água”.
– Obrigado.
Poderia ter ficado nisso, mas não resisti cutucar as duas mulheres:
– Por falar em água, né?
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A Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 67 anos neste 10 de dezembro de 2015. E termina neste mês o prazo para que 191 nações signatárias dos Objetivos do Milênio cumpram seus compromissos com oito metas definidas pela ONU, em 2000, para combater as desigualdades com base em 1999: pobreza extrema e a fome, ensino básico universal, mortalidade infantil, saúde materna, igualdade de gêneros e autonomia das mulheres, sustentabilidade ambiental e parceria mundial para o desenvolvimento,
A boa notícia é que todos os país melhoram seus indicadores. A melhor notícia é que o Brasil cumpriu a maioria das metas estabelecidas, com louvor. Algumas, como a erradicação da miséria, o combate à fome e a redução drástica da mortalidade infantil e a universalização do ensino básico, antecipadamente.
A ponto de servir como referência para programas em outras nações. Detalhe: objetivos superados nos últimos 12 anos, portanto, governos encabeçados pelo PT. Por isso, provavelmente, você que lê estas mal-traçadas corre o risco de não saber; notícia boa é difícil de se ler, ver ou ouvir na mídia venal, quanto mais se for do PT, cujo governo estão empenhados em apear do poder – que não é lá essas coisas… Disso todo mundo sabe.
Temos sim, muito o que caminhar para tapar o abismo que nos separa da cidadania completa. E não será rasgando a nossa Constituição, que contempla os direitos humanos universais, e quebrando a espinha da nossa democracia que chegaremos lá.
A Agência Câmara fez reportagem especial sobre as metas do milênio e o Brasil. O Cafezinho, do amigo Miguel do Rosário reproduz a primeira parte e agrega a arte que resume as metas, e que transcrevo abaixo. Confira a posição do seu estado e/ou município em relação aos objetivos do milênio aqui:
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Postagem revista e atualizada dia 11.1’2.2015, às 23.18 horas, hora do Recife: correção de falhas na pontuação e inclusão das duas últimas frases no texto informativo.
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