
por Sulamita Esteliam
Matéria de O Globo na véspera do Dia da Criança, amplamente disseminada pelas redes sociais, dá conta de denúncia da ONG Save The Ghildren’s de que o Brasil seria o “pior país da América do Sul para ser menina”.
A olho nu é isso mesmo mesmo. E a tendência, se não contivermos o golpe ainda em curso, é piorar e muito.
No quesito violência, aqui, nem a Constituição, nem a Democracia, palavras e sentidos femininos – de cidadania,de acolhimento, de abrangência, de promoção da igualdade – escapam.
Todas estupradas, simbolicamente, na deposição da presidenta Dilma Vana Roussef, a primeira mulher a ser eleita presidenta da República de um país continental, quase do tamanho dos seus 11 irmãos da Sul América juntos. Então, qualquer comparação já nasce manca.
A despeito disso, ou talvez por isso, a própria Dilma foi alvo de um estupro político, como bem define Marcia Tiburi, filósofa e escritora.
Violaram a menina que venceu os militares, as barreiras patriarcais ao empoderamento mundial; que ousou ser eleita e reeleita presidenta; que foi reconhecida a mulher mais poderosa do planeta, e que se manteve dentre as 10 mais poderosas por vários anos.
Tentaram dobrá-la, e quando parecia que titubeava, recusou-se a ceder. Brio e fibra não são tecidos comuns nesse gigante descompensado. Aí partiram para a curra.
Não conseguiram vencê-la nas urnas nem nos argumentos, nem nas intimidações. Violaram-na e arrancaram-na da cadeira a fórceps, por ser menina.

A menina valente, apoiada por uma parte da Nação, justo a que a elegeu, mais por seus méritos do que por seus defeitos, não foi capaz de deter a corja de homens velhos, ricos e brancos, em sua maioria.
Predadores dominantes nos três poderes aliaram-se aos inimigos para traí-la.
Sim, não somos únicos em corrupção, machismo e misoginia, racismo, homofobia. Todavia, sob o aspecto do respeito às diferenças e às regras democráticas, da civilidade, da correção, da informação e da participação, ainda tempos muito o que evoluir.
E é nesse tipo de mundo que as meninas, as mulheres, têm que sobreviver. Se for negra, então, é bastante mais difícil.
Mas ninguém pode apagar a história de que a menina que lutou contra os opressores e os torturadores de farda. E que foi secretária de Estado, em níveis estadual e federal, antes de ser a primeira mulher eleita e reeleita presidenta da República. E que, embora golpeada, encarou sobranceira seus algozes fatiotados – por ser honesta, e por ser menina.
Um país que é o maior PIB neste quadrante, e o sexto do mundo. Um País que tem US$ 300 bilhões em reservas, conforme colegas têm lembrado nas redes sociais.
Um país que ajudou a criar os Brics, bloco comércio intercontinental de países em desenvolvimento, e que tornou-se exemplo de política social e ambiental no mundo; o último a sofrer os revezes da debâcle econômica mundial, por que praticou políticas anti-cíclicas.
Este é o país que dizem que está quebrado. Mas que se dá ao luxo de cevar o funcionalismo público de altos salários, de engordar os cofres dos banqueiros, de entregar de mão beijada nossa maior riqueza, o Pré-Sal que estava destinado a sustentar a Pátria Educadora.
É este o país que passou a considerar investimentos sociais como gastos, e tem pressa em contê-los, porque seu desgoverno não tem legitimidade nem tempo para amanhã.
É o Brasil a pátria amada, desde que seja restrita à casta do 1% de privilegiados.
Falta tudo isso e mais alguma coisa na matéria do jornalão carioca, que aqui tomo como mote. Sobra o nenhum esforço de reportagem, muito conveniente para tempos de exceção. Resume-se ao pega-o-release-e-reescreve, desde que seja para falar mal do Brasil, aquele que eles querem enterrar no abismo profundo.
Não mostra, por exemplo, que as mulheres se organizaram e – ainda que no geral a proporção de vereadoras eleitas tenha, praticamente, se mantido em relação a 2012 -, nas capitais lograram conquista inédita nestas eleições: ocupar bom número vagas nas Câmaras de vereança e, mais importante, eleger mulheres feministas e de esquerda.
Carta Capital, por seu turno, traz a reportagem A Primavera Feminista chega à Câmara.
Aliás. a matéria global admite que não há tabelas no relatório, e que os gráficos disponíveis mostram que “o principal problema do País é a falta de representação parlamentar feminina.”
Nesse aspecto, não há discordância. As cotas, sozinhas, não são capazes de reduzir essa disparidade. É preciso revolver a terra que encobre a raiz do problema – para além do machismo: o sistema político.
De qualquer maneira, o foco da referida matéria leva a outro entendimento. Conveniente para esses tempos assolado pelas trevas.
Não menciona, por exemplo, por conveniência ou preguiça, que país mal começou a botar a cabeça para fora da pobreza, quando sofreu um golpe de estado. Nem poderia, afinal é parte do assalto.
E que a redução da desigualdade é ponto fundamental ao empoderamento das mulheres. Por que, se o poder político é masculino, são as mulheres que cuidam da família, são o seu alicerce. Chegam a 38,7% os lares chefiados unicamente por elas no Brasil.
Apesar de os investimentos em educação e saúde não chegarem 20% do que se paga pela dívida pública nesses 14 anos de governos petistas, a tomar como exemplo o orçamento de 2014 (abaixo), ainda assim se avançou.
Mesmo que ainda tenhamos o longo caminho pela frente, em 2014 o País havia antecipado várias metas dos Objetivos do Milênio estabelecidos pela ONU. Inclusive no que se refere à igualdade de gênero e autonomia das mulheres.
Além da redução da pobreza extrema e da mortalidade infantil; da melhoria na atenção à saúde materna, e a universalização do ensino fundamental, dentre outras.
Escrevi sobre o assunto aqui no blogue, em dezembro do ano passado. A postagem agrega acessos a detalhes publicados no Portal Brasil.
Por tudo isso, a PEC 241 já tem vários epítetos: PEC do fim do mundo, da maldade, da morte… PEC terremoto é como Euzinha a trato. Daqui há 20 anos não restará vida, só escombros.
Clique para acessar o sítio de combate e assinar a petição contra o maior ataque aos direitos sociais da História do Brasil.
O Brasil de hoje não se contenta em ser republiqueta de bananas a chafundar-se no pântano. Tem orgulho de ser desprezível.
Fecho com o vídeo do MTST/Frente Povo sem Medo, narrado pelo Gregório Duvivier. Simplesmente didático: