
por Sulamita Esteliam
O Ministério Público da Lava Jato faria um enorme bem a si mesmo e ao Sistema de Justiça brasileiro, se se recolhesse à sua significância. Senão pelo devido amor à função pública que exerce, que em princípio é de defesa da cidadania, pelo menos em nome da imagem de seu País que projetam a partir de suas estapafúrdias maneiras de agir.
Está ficando cada dia mais feio e vergonhoso, e escancarado, as manobras políticas ao revés da lei. Tudo pelo golpe, e mais alguma coisa.
A ver o que a jovem titular da Vara de Execuções Penais vai fazer com a tentativa de barrar a visita da presidenta Dilma Rousseff, a legítima, ao amigo e ex-presidente Lula na carceragem da Polícia Federal em Curitiba.
É bom lembrar que, embora nativa não tome conhecimento, Dilma acaba de retornar de um ciclo de palestras em universidades e centros jurídicos e humanitários da Espanha e dos Estados Unidos.
Em todas ocasiões, a última delas na Universidade de San Diego, na Califórnia, a presidenta pediu apoio à campanha pela libertação do ex-presidente Lula. E denunciou o “isolamento desumano” a que ele tem sido submetido por seus algozes.
Bem ao jeito Dilma de ser: veneravelmente correta e desassombrada.
Oportunidade usada para denunciar o Estado de Exceção desde a farsa do processo de impeachment que a derrubou, iniciado há dois anos, e que se aprofunda com o aprisionamento de Lula,
Não bastasse, querem negá-lo o direito à visita de amigos, ao revés da Lei de Execuções Penais e de todas as convenções internações humanitárias, às quais o Brasil é signatário e, por conseguinte, estão incorporadas na Constituição.
Mas esta, a gente sabe, é a Geni, feita para ser violada, cuspida, espancada e escarrada.
A propósito, vem aí O Processo, documentário de Maria Augusta Ramos, que retrata os bastidores do golpe parlamentar-juridico que derrubou Dilma, retirou direitos sociais, entrega nosso patrimônio, jogo no esgoto nossa soberania, condenou e encarcerou Lula. O filme estreia em 17 de maio no Brasil.
Laureado no Festival de Berlim – como este blogue assinalou – acaba de receber o prêmio de melhor longa metragem no Festival Visions Du Reel, festival de cinema suíço.
Contraponto que chega em boa hora para expor, este sim, o mecanismo do golpe em curso.
Evidentemente que não vi o filme, que foi exibido em pré-estreia no início da semana passada, em São Paulo, na 23ª edição do festival “É Tudo Verdade”, do circuito Itaú Cultural. Mas quem viu e o fez com a missão de escrever a respeito, não tem dúvidas, de que é o avesso do panfleto dirigido pelo José Padilha, produzido pela Netflix, e rejeitado nacionalmente.
Por exemplo, escreve Ivan Longo, crítico de cinema da revista Fórum, sobre o filme O Processo em contraposição à série O Mecanismo:
“(….) José Padilha, em sua série “O Mecanismo”, se utiliza da “dramatização” e da “ficção baseada na realidade” para inverter falas, distorcer fatos e, com o discurso de que “a lei é para todos”, criminalizar o PT e figuras como ex-presidente Lula e a ex-presidenta Dilma (…)
(…) o filme “O Processo”, de Maria Augusta Ramos, não precisa mais do que o registro da realidade para escancarar o golpe que está em curso no país e que começou com o processo de impeachment contra a primeira mulher a se eleger presidente do país.
(…)
Uma das principais características do documentário de Maria Augusta Ramos é que ele não se utiliza de nenhuma entrevista ou depoimento feito exclusivamente para o filme. A obra se constitui de uma montagem de registro de reuniões, conversas e sessões que partem de uma câmera que faz papel de observadora. Essa característica, no entanto, acaba se tornando a principal essência da obra: a de escancarar a realidade e o que estava por trás do processo de impeachment sem apelar para um discurso partidário ou panfletário.
(…)
Sempre intercalado com legendas contextualizando as situações, “O Processo” mostra de forma sóbria como uma presidenta foi retirada do cargo sem cometer crime algum para dar lugar a um político que meses depois foi denunciado por corrupção e que teve seu processo arquivado na Câmara. O mesmo destaque é dado para o fato de que Eduardo Cunha, que abriu um processo de impeachment como uma chantagem ao PT, pouco tempo depois foi afastado e preso, também por crimes ligados à corrupção.”ATALMINEIRA
Já Pedro Alexandre Sanches, crítico de cultura de Carta Capital, analisa desta forma :
“Pelo posicionamento das peças no jogo de xadrez, a ficção O Mecanismo representa quem está hoje no poder, enquanto o documentário O Processo começa a tomar o papel de fazer a contranarrativa dramatúrgica, com foco principal do lado derrotado pelo processo de golpe/impeachment.
Os jogos de espelhos são muitos, e todos perturbadores. Seja por ideologia ou pela contingência dar voz privilegiada ao lado dilmista (ou por ambos os motivos), O Processo faz-se palco de inúmeras denúncias contra o cerceamento de defesa de Dilma numa engrenagem artificial, de encenação e de exceção.
Cada uma das denúncias pode se espelhar com assustadora simetria aos cerceamentos que hoje cercam o processo contra o ex-presidente Lula e com a prisão dele em 7 de abril. Na derrubada de Dilma estavam em primeiro plano os atores legislativos, como hoje os atores judiciários são protagonistas da tentativa de retirar Lula da disputa presidencial de 2018.
A mídia hegemônica, ativista dos dois momentos (e de todo o processo), está quase totalmente ausente do filme de Maria Augusta. O Processo foi bancado pela produtora da cineasta, NoFoco Filmes, com coprodução do Canal Brasil, um canal de tevê por assinatura resultante da associação da Globosat com o Grupo Consórcio Brasil, formado por Luiz Carlos Barreto e outros produtores e cineastas nacionais.
O pingue-pongue entre o passado recente da queda de Dilma e o presente da prisão de Lula se torna evidente quando o ex-presidente aparece pela primeira vez em O Processo, ao lado de Chico Buarque, para acompanhar o depoimento de Dilma aos carcereiros legislativos do Senado. Lula entra mudo e sai calado de O Processo.”
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