por Sulamita Esteliam
Escrever sobre o lacre que foi a entrevista do Guilherme Boulos, no Roda Viva, na segunda, é assunto obrigatório. Uma roda que de viva tem muito pouco, aliás, desde que se tornou levantamento de bola dos de sempre, e isso faz tempo.
Mudam-se os personagens, na roda e na berlinda, mas parece que o estilo já contaminou a capacidade de questionar, que é a essência da entrevista ou da mesa-redonda. Suscitar o debate, explicitar contradições, espremer o entrevistado, retirar dele a medula, sem perder a classe, naturalmente.
A julgar pelo estrago que o líder do MTST e pré-candidato do PSol às presidenciais de 2018 fez no moral dos coleguinhas, e outros da bancada de entrevistadores. Rapaz, o que é isso!?
Sorte é que as redes sociais estão aí para garantir repercussão.
Até o Kotscho em seu Balaio não resistiu e saudou “o nascimento de um novo líder popular”. A lembrar que Ricardo Kotscho assessorou as campanhas de Lula à Presidência da República e foi seu primeiro secretário de Imprensa.
Ora, o rapaz Boulos tem 35 anos e mobiliza milhares de sem-teto em São Paulo e Brasil afora, há algum tempo.
E já foi, inclusive, incensado por Lula, no lançamento de sua pré-candidatura, como na na despedida de 7 de abril em São Bernardo, antes de se apresentar à Polícia Federal.
Mais: tem-se mostrado leal à causa da retomada democrática, desde o golpe que derrubou Dilma Rousseff, a legítima, postura reafirmada agora na resistência e no clamor por Lula Livre.
E, apesar de tudo, não se coloca como “o herdeiro” político de Lula. Perguntado, no Roda Viva, mostrou-se sagaz:
“Herdeiro só se fala de morto. E Lula está vivo e é candidato à Presidência da Repúlica.”
Não se trata propriamente de “nascimento de um líder popular” do cenário político brasileiro, portanto. Na política eleitoral, sim, é estreante. Mas uma força essencial aos quadros da esquerda, e um dos primeiros a pregar a unidade.
A ver de que é capaz a esquerda, que também sabe ser escorregadia quando lhe convém. Já o centro, bom o centro costuma pular o muro.
Guilherme Boulos, independentemente do que virá, é um sopro de ar fresco num momento em que a cena política é lamentável.
Seria para considerar uma pena, mas acaba sendo motivo a comemorar, mesmo que paire a incerteza sobre aonde vamos parar com tudo isso. A começar pela incerteza se haverá ou não eleições diretas em outubro, a despeito do calendário eleitoral oficializado.
A hidra segue se movendo, só aparentemente de forma descoordenada: cai mais um esboço de candidato-solução aqui, cai outro acolá e alhures – Huck, Dória, Meirelles, Joaquim, e quem mais chegar… Viúvas porcinas a granel, já eram sem nunca terem sido.
O ninho tucano se desmancha a olhos vistos, beirando o mofo com o picolé de chuchu.
E a direita fascista se estapeia, disputando quem é o mais esquizóide.
À caça na maioria dos estados, o agora de novo MDB não quer largar o osso surrupiado à vontade popular. Mas, até agora não dispõe de nome consistente para concorrer ao posto máximo, onde o usurpador, sem noção, está pendurado na brocha.
No fundo do abismo em que mergulhou o País, se afogam aos poucos seus comparsas, alguns, é verdade, em deliberado mergulho nas brumas do esquecimento. Afinal é isso que servem os amigos.
Todavia, é preciso dar um verniz onde nem cupincida dá conta da vergonha a carcomer as entranhas do Estado Democrático de Direito.
Fato é que a ideia central é a que importa e deve permanece: manter o líder das intenções de voto, ainda que no momento, fora da disputa.

Ainda que a prisão política seja indisfarçável, e acusada internacionalmente – em grande parte pelo esforço da presidenta Dilma, que tomou a si a missão, e por ela já esteve na Espanha, nos Estados Unidos, na Argentina e hoje está em Londres, a denunciar a condenação e o encarceramento ilegal e injusto de Lula.
De seu lado, a mídia venal nativa faz sua parte: segue empenhada em levar a opinião pública a desconhecer tudo o que não publica nem divulga.
As costumeiras sabatinas eleitorais não contemplam o candidato do PT, cujo registro o partido sustenta que fará no dia 15 de agosto, esteja Lula Livre ou na prisão.

Embora insistam no contrário, não há nada na legislação eleitoral que o impeça. Nem mesmo a Lei da Ficha Limpa, que só pode ser brandida contra candidato depois do registro consolidado, e assim mesmo costuma alcançá-lo só depois de eleito.
Destarte, antes de ser libertado, Lula não pode ser candidato. Por isso o condenaram, sem crime e sem provas.
Não se exclua desse esforço o segmento militar. Sempre tem uma vivandeira disposta a pregar o caos e a ameaçar quem saia fora do roteiro.
Até o Gilmar Mendes, o ministro da Corte que vem se mostrando aliado, se esgueira, garrinhas a postos, fazendo-se de solidário e “entrevistador” para trabalho acadêmico de seu instituto educacional.
Move-se para tentar visitar Lula na carceragem da PF. E especula-se que o objetivo seria demovê-lo da decisão de candidatar-se, em troca da liberdade em votação digital na 2ª turma do STF.
Se é verdade a hipótese do acordão bizarro, apregoado pelas gargantas e penas de aluguel, e denunciado pela mídia independente, a postura “amiga” recente do Gilmar está perfeitamente explicada.
Conseguirá autorização da juíza-carcereira?
Carolina Lebbos só arremedou flexibilidade permitindo visita de dois amigos por semana, além dos advogados e familiares. Recuou, também, da proibição da assistência média pessoal do presidente.
Mas volta a barrar – ilegalmente e ferindo inclusive acordos internações, como as Regras de Mandela -, visita legislativa. Nesta terça, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara ficou a ver navios em Curitiba, e a comissão de deputados do Parlasul também na obteve autorização para visitar Lula esta semana nem adiante.
Não obstante o arremedo do que fora, a seguir a trilha da emissora que o veicula, o Roda Viva acaba sendo uma válvula de escape interessante. Tão somente por que, com toda deformação que sofreu dos governos tucanos em São Paulo, ainda é uma TV pública.
Se não tem audiência, as redes sociais repercutem o programa, quase sempre, insosso, mas não inodoro nem descolorido nem despretensioso. E que, em ano eleitoral, se abre ao debate de propostas de governo de diferentes candidaturas.
Voltemos ao Boulos, pois.
Confesso que não assisti na telinha a entrevista. Mas nas redes só deu Guilherme. E foi nesse meio que vi alguns trechos e, através de tuíte dele próprio, acessei a íntegra da entrevista no Youtube.
Compartilho, para o caso de você não ter visto, e, não sendo nonada (“coisa sem importância, um quase nada”, na grafia do mestre Guimarães Rosa), para registrar. Vale cada minuto: