“O lugar da maternidade como algo sagrado é um ideal, impossível de ser alcançado. Um lugar lindo, mas pesado. Opressor.”
Juliana Soares, psicóloga
Escolhi a frase acima para abrir a postagem do dia em que se celebram as mães, por que ela traduz, para mim, a complexidade do ser mãe. Pincei-a no perfil do Ser em Relação. Trata-se de um sítio dedicado à reflexões sobre psicoterapia,editado pela psicóloga autora da frase.
Por acaso, Juliana Soares é uma das minhas duas filhas de coração, que “adotei” quando escolhi viver com o pai delas. Não as pari nem as criei; recebi-as quase prontas. Mãe elas têm de sobra – se é que isso é possível.
Sei que, eventualmente, atiço ciúmes. Mas isso deixa de ser problema meu. Assim como parir e adotar, cada qual sabe a dor e a delícia de ser o que é, na verve de Caetano.
A postagem está no Instagram, e começa lembrando o óbvio, mas que no geral é invisível ao olhar, e obtuso ao entendimento cotidiano:
“Mães são mulheres. Seres Humanos. Maravilhosas. Plenas. Com qualidades e defeitos.”
Pois é.
Nada de mãe sublime, santa, muito menos virginal. Ou não seriam mães.
Para começar, somos humanas, embora não pareçamos.
E para completar, somos mulheres – com personalidades, necessidades, desejos, limites e idiossincrasias – apesar das mil e uma habilidades e utilidades que exercemos vida afora.
Sangramos todos os meses; até que a vida diga que não servimos mais para parir.
A partir daí, independentemente de nossas constituições, vontades e libido, creem que não as temos, ou não devemos ou podemos tê-las; e, se as temos, que nos viremos como pudermos.
Não obstante, independentemente da espada do tempo, há situações em que mães, testadas no extremo de sua humanidade, viram bicho.
Tente mexer com a cria de qualquer de nós, e verá como o que digo é a mais pura verdade.
Vem-me à lembrança personagem de um livro inédito, Em Nome da Filha, desta velha escriba. Gercina é o nome dela. Tenta traduzir para a repórter, que a entrevista para colher sua denúncia, a dimensão da sua dor e o tamanho de sua determinação em fazer justiça contra o algoz de sua filha:
– Quando ele matou minha filha, deixei de ser gente. Virei bicho. Você está diante de um bicho.
Mulher que é mulher-bicho, não abandona sua cria, e, a menos que lhe sequestrem a humanidade, desafia até a morte. No limite, leva a prole junto.
Somos monstras.
Somos temerárias.
Conservadoras ou libertárias, não importa.
Arriscamos a própria vida para desvendar uma verdade, que é nossa, para escancarar a opressão que desaba sobre nós, e que nos cobra o preço da existência sendo mulher.
Quanto mais se está em jogo o fruto nosso ventre intransferível.
Quanto mais em tempos de opressão.
Quanto mais em tempos de negação da realidade.
A História e a literatura estão repletas de exemplos.
E o que é ficção senão a imaginação a serviço da realidade, ou vice-versa?
A própria história da criação do “Dia das Mães”, como ele é conhecido e antes de ser comercial, vem do inconformismo com a injustiça da desigualdade – nos Estados Unidos, nos primórdios do século passado.
Fiquemos em nossa Macondo, entretanto; esta mesma chamada Brasil, e em tempos mais ou menos recentes.
Salve, Zuzu Angel!
Salve, dona Elzita Santa Cruz!
Salve, todas as mães que tiveram seus filhos assassinados pelo Estado, pelo arbítrio das ditaduras de ontem e de hoje, sob qualquer pretexto!
Mães da Praça de Maio e Mães do Acari, salve, salve!
Salve, dona Lindu!
Salve, Marisa Letícia!
Salve, Marielle Franco!
Salve, Gercina!
Salve, sempre, dona Dirce que me pariu e criou!
Mas o que eu quero lhe dizer é que temos peçonha. Deixamos visgo e contaminamos de amor, ou de ódio quando nos viramos do avesso.
O ódio, lugar comum, é a outra face do amor. É arma poderosa quando se depara com indignidades, com o arbítrio, com a desfaçatez.
É alimento para a alma gestar saídas, buscar soluções.
Não quer dizer que tenha que ser traduzido em intolerância ou agressão, qualquer tipo de violência.
É o amor pelo avesso que nos dá a capacidade de resistir, ousadia para lutar contra tudo e contra todos, até para seguir adiante; e desprendimento para morrer se preciso for.
Um amor que transcende o ato de gerar, gestar e parir.
Um amor que protege e alimenta a sobrevivência, o direito à vida com dignidade.
Nascemos prontas para a maternidade, prontas para cuidar, e prontas para dizer não.
Tudo isso independe de parir. Não somos obrigadas a nada.
Maternidade não é sina, é escolha, embora sempre deva ser partilhada.
Muito axé e luz para todas nós… sobretudo para a pátria-mãe cada vez mais nada gentil.
Escolho estas imagens, com verso da poetisa brasileira, curitibana, Alice Ruiz para fechar.
E explico o porquê de repeti-las, a segunda com a tarja vermelha: é que a primeira foi censurada em postagem no Instagram, embora compartilhada e mantida no Facebook, normalmente mais pudico, e no Twitter.
Experimentei, como teste, cobrir a “vergonha” dos seios desnudos, por sugestão da minha caçula. Aí passou.
Não sei o motivo, nem explicação tive além do aviso de remoção pura e simples. Fica a dúvida se foram as mensagens o motivo da censura e da aprovação. Por isso as compartilho, pela ordem.
Mensagem foto 1, censurada:
“Recebi de uma delicadeza de mãe-avó, @anafreire45, e compartilho. Muito axé e luz para todas nós mães por opção, ou por imposição, ou por afeto. E também para aquelas que escolheram não parir. A maternidade é condição biológica que nos é dada, com exclusividade. Mas não é sina. Pode e deve ser partilhada. Xêros e bons fluidos a granel. 🙌
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💞 E #LulaLivre
❤para honrar a pátria-mãe nada gentil.”
Mensagem foto 2, aprovada:
“O Instagram censurou esta foto, que postei há pouco, em homenagem às mães. Certamente por denúncia de fundamentalistas. Vai ver foram gerados e paridos em chocadeira, e nela mamaram. Daí a ignorância travestida em falso pudor e moralismo abjeto. Na verdade, as mães não têm nd com isso, pq são escolhidas, e tdas educam o melhor que podem as suas crias. Certamente, se pudessem ver o futuro, escolheriam não pari-los. Não é o meu caso, pois que me orgulho da prole que botei no mundo. Muito axé e luz para todas nós nessa pátria cd vez mais nd gentil. E #LulaLivre, sim.”
Só sei que foi assim.
Boa semana para nós.
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