por Sulamita Esteliam
Com muita propriedade, Che Guevara é lembrado no Twitter pelo deputado Waldir Damous (PT-RJ) definição sobre a essência dos Estados Unidos em relação à humanidade: “inimigo de todo gênero humano”.
Mas um país-nação é feito de gente, certo? Então somos nós que não valemos o epíteto de “humanos”; alguns de nós um pouco mais do que a média.
Damous tem razão, contudo, quando diz que “separar crianças de seus pais, pondo-as em gaiolas, é demonstração de ódio à humanidade.” É de uma crueldade absurda, que indigna e corta o coração. Tanto quanto mantê-las presas em qualquer lugar junto com os pais.
Calcula-se em milhares o número de imigrantes ilegais presos nos Estados Unidos e de quem os filhos, crianças e menores de idade, foram apartados. Sabe-se, hoje, que 49 deles são brasileirinhos. E o desgoverno brasileiro faz o quê para resgatá-los!?
E a ONU que providências toma a respeito de tamanha barbaridade? Faço minha a pergunta do colega Fernando Brito, no Tijolaço: “E se as crianças presas fossem americanas?”
A culpa não é apenas do Trump, “um carregador de maleta atômica”, segundo o deputado Damous. É do conhecimento até das águas gélidas do Pacífico como funciona o torniquete da emigração estadunidense, desde sempre.
Mais, é do conhecimento das águas de todos os mares dantes navegados como funciona a guilhotina da segregação racial e social en toda nuestra América, de modo geral, e nos Estados Unidos em particular.
O que fizeram e continuam fazendo com os negros, os indígenas, e o que fazem com os latinos e outros povos menos favorecidos em todo o continente enche páginas e páginas infindáveis de realismo que nada tem de fantástico. É terror real.
Mas o império arvora para si o poder de vida e de morte sobre as pessoas, quaisquer pessoas, em qualquer parte do planeta, que não são reconhecidas como senhoras e senhores de direito.
O fenômeno do encarceramento em massa, lá como aqui e acolá, nada mais é do que a massificação da criminalização dos pobres e miseráveis do mundo.
Aliás, o The Intercept Brasil traz artigo lapidar a respeito, assinado por Shaum King, escritor e ativista de direitos civis norte-americano. Ele se diz, não obstante a consciência da realidade, “completamente estarrecido” com o que está acontecendo com os filhos de imigrantes em seu País, o que classifica como “abominável”.
Contudo, King estranha que seus compatriotas reajam com surpresa e estranhamento, como se ignorassem a sua América real, o que denoda o grau de alienação.
Sim, ele fala dos estadunidenses, mas qualquer semelhança com boa parte dos nativos da Terra Brazilis não é mera coincidência.
“O que está acontecendo agora no país é, sem dúvida, uma catástrofe de direitos humanos. Os mecanismos profundamente entranhados nessas políticas e o espírito que move essa catástrofe, porém, são tão americanos quanto o Facebook e a Disneylândia.”
A raiz é sistêmica. O sistemá é injusto, estratifica as pessoas segundo sua origem, posses, cor da pele, gênero e orientação sexual.
Você já foi a uma penitenciária feminina? Pois Euzinha já, em várias, e não tão somente de mulheres.
Há crianças que nascem engaioladas com suas mães, e presas são mantidas até o desmame, após os seis meses. E depois são desaninhadas. As mães ficam na gaiolas e elas se vão, de asas cortadas pela indigência da separação, completamente desamparadas para a danação do mundo cá de fora.
Sinceramente, não sei o que é pior.
Mães e crianças condenadas ao esquecimento, à miséria social. Em sua absoluta maioria são pobres, negras e foram enjauladas por pequenos delitos.
Recentemente, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal decidiu habbeas corpus que liberta toda e qualquer mãe de crianças de até 12 anos ou mulher grávida em prisão provisória, e portanto sem condenação. Essa mãe-ré deve aguardar julgamento em prisão domiciliar.
A decisão é de fevereiro deste ano, com prazo de 60 dias para juízes de primeira instância efetivarem os mandatos de soltura. Eles e elas que parecem medir o peso do martelo da escala social da ré.
Vide o caso Adriana Ancelmo, ex-primeira dama do Rio de Janeiro, que obteve o benefício da prisão domiciliar por ser mãe de menores de 11 a 15 anos. Marias e Joanas, em sua maioria, não têm a mesma sorte.
Será que a determinação da Sumprema Corte foi ou está sendo cumprida? Tai uma boa pauta para a mídia venal checar e prestar bons serviços à coletividade.
Reportagem da BBC traz exemplos de seletividade aviltantes e análises fundamentais à compreensão do que representa a desagregação familiar, sobretudo privar as crianças do convívio com suas mães.
Embora não se tenha dados oficiais, estima-se que um terço da população carcerária feminina, hoje em torno de 42 mil mulheres, se enquadre na categoria de gestantes ou mães de crianças pequenas. Dados do CADHu – Coletivo de Advogados de Direitos Humanos, citados na matéria.
Um dos entrevistados, o advogado Pedro Hartung, do grupo Alana de defesa dos direitos infantis lembra que o encarceramento de suas mães “viola massivamente direitos constitucionais das crianças – saúde, alimentação (por conta da amamentação), além da convivência com a família e a comunidade”.
“Pesquisas mostram que crianças expostas a estresse, inclusive o afastamento da mãe e da família, levam essa marca para toda a vida em atraso cognitivo, problemas de saúde e estresse tóxico. É um impacto social muito grave. Todos nos beneficiamos como sociedade que as crianças tenham um desenvolvimento sadio. E para proteger essas crianças precisamos proteger suas mães.”
E quem se importa?