O dia do povo do Brasil contra o golpe eleitoral da casa-grande

por Sulamita Esteliam

Está feito. Lula é oficialmente candidato à Presidência da República nas eleições gerais de 2018. Com a força do povo e contra o golpe instalado no Brasil em 2016, com o impeachment fraudulento, com Supremo com tudo, da presidenta Dilma Rousseff, a legítima.

Junto com a candidatura, o PT e a Coligação Povo Feliz registraram, também, o Plano Lula de Governo, que pode ser baixado na página do partido; é só clicar.

Um ato cívico que vai ficar para a História. Não importam o que os golpistas façam para torná-lo nulo, o golpe já está moralmente derrotado. E a casa-grande bem o sabe.

Ainda que todos os caminhos levem à sua consolidação do golpe eleitoral, na prática, o farão de costas para o povo. Ilegitimamente, como é próprio da elite predadora que toma de assalto este País, desde sempre. E especialmente após o golpe parlamentar-jurídico-midiático que nos trouxe aonde estamos, no fundo do poço.

Não derrubaram Dilma para deixar que Lula volte. Mas é preciso que se desnude a farsa, por todos os meios ao alcance das leis que regem a República de triste e trágicas histórias.

Prova disso é que a PGR tinha pronto um pedido de impugnação da candidatura. Rachel Dodge, a procuradora-Geral, não levou 10 minutos após o anúncio do registro, por volta das 17:30 horas da quarta-feira, 15 de agosto de 2018, para protocolar a representação que pretende tornar nula, de novo, a vontade popular.

E a cara nem queima.

O relator do processo do registro da candidatura é ninguém menos que o ministro Luís Roberto Barroso. Conveniências da roleta do TSE, ajustada tanto quanto a do STF.

E a roda gira e cai no mesmo lugar.

O povo trabalhador coalhou de vermelho, misturado ao amarelo e verde da bandeira Nacional, a Esplanada dos Ministérios e depois, o quilômetro e meio da S2 que leva até a Praça dos Tribunais; é lá que se encontra o soberbo e monumental prédio onde se instala o TSE.

Desde o Ginásio Nilson Nelson até o Palácio do Itamaraty são quatro quilômetros e meio, e só se via bandeiras vermelhas, e camisas, e faixas multicores de uma ponta a outra da pista de 250 m de largura. A PM do Distrito Federal fala em 10 mil pessoas, o que já pressupõe ao menos o dobro; os organizadores anunciaram 50 mil.

Sei que eu e minha amiga-irmã, Elma Almeida, postadas na esquina do Itamaraty, ficamos bem uns quinze minutos esperando a cabeça da Marcha por Lula Livre chegar, desde que ela apontou à altura do Ministério da Educação. E mais outra meia hora assistindo a passagem das múltiplas colunas da gente trabalhadora dobrar em direção ao túnel que leva à via de acesso ao TSE.

Eneida da Costa, outra amiga-irmã mineira, pegou a Marcha à altura da Catetral e se juntou a nós no Ministério das Relações Exteriores. Disse que era impossível ver, de onde estava, o fim da manifestação.

No início, parecia que sobrava polícia – militar, federal legislativa, todos armados até os dentes. A Força Nacional, convocada, não deu as caras até onde minha vista alcançou. Mas devia estar de prontidão em algum lugar do percurso.

Todos desapareceram ante a multidão, animada e polifônica.

Gente dos sete cantos deste Brasil continental, onde as leis são apenas detalhes a serem ignorados ou brandidos conforme o freguês. E é por isso que é preciso falar e cantar em alto e bom som.

Tu vens, tu vens/eu já escuto teus sinais… Pra você é que a gente luta/pra fazer brilhar nossa estrela.

Gente de todas idades – crianças, jovens, adultos, velhos, mulheres em profusão. A maioria de pés rachados e feridos, e a pele trincada pelo suor do labor, sob chuva e sob sol, e as virilhas assadas pela longa caminhada, dias a fio, do entorno até o Distrito Federal.

Gente encantada com a oportunidade de estar na Capital da República, e ciosa de que seu sacrifício tem razão de ser: recuperar o sentimento de Nação, trazer de volta a dignidade da cidadania para si e para seus filhos e netos, para sua gente, quebrar a espinha do arbítrio.

Eu e minhas amigas-irmãs, jornalistas veteranas, ouvimos mais de uma boca dizer, com palavras diversas, o que um senhor negro com camisa e bandeira do MST traduziu em poucas palavras, enquanto marchava com os seus a contemplar o esplendor do Palácio do Itamaraty:

 – Esta é a capital do nosso país, e está nas mãos dessa quadrilha que nos destrói… O Brasil não merece essa corja. Nós não merecemos ser tratados como lixo!

Uma senhorinha com um sorriso largo na face sofrida, carregava como um estandarte a reprodução emoldurada da foto oficial de Luiz Inácio Lula da Silva com a faixa presidencial. Veio das Minas Gerais, do interior do interior, e crê que  está próximo o dia em “ele vai voltar”.

Mais adiante, já no ato na esplanada dos tribunais, outra senhora mineira, da Zona da Mata, não escondia a emoção e a alegria de poder rever, mais ou menos de perto, a presidenta Dilma.

Nossa presidenta acabara de passar, a vinte passo da grade que cercava a área de autoridades. Vinha do TSE em direção ao carro-palanque instalado a 50 metros. Dona Neuza nos conta, orgulhosa:

– Eu já estive com nossa presidenta no Palácio do Planalto. Já apertei a mão dela, e ganhei um abraço. Ela nos recebeu muito bem, com muita delicadeza e carinho. É uma injustiça o que fizeram com ela. Mas ela se mantém firme na defesa do presidente Lula. E nós estamos com ela e Lula.

Um pouco antes, Gleisi Hoffmann, senadora presidenta nacional do PT, e Manuela D’Ávila, que vai substituir Hadadd na vice, passaram exibindo o termo de registro da candidatura Lula. O povo foi ao delírio, ali e quando a presidenta do PT anunciou ao microfone que estava feito:

“Agora é oficial. Lula é o nosso candidato à Presdência da República”.

Minutos depois, o alarido anuncia a passagem de Fernando Hadadd, o vice de Lula e seu porta-voz enquanto lhe é imposto o silêncio e os impedimentos da prisão. O sorriso permanente não consegue esconder a apreensão que escapa do olhar.

A responsabilidade pesa, mas não se foge ao compromisso com a História.

Hadadd cumpre seu papel e lê a carta do presidente Lula ao povo brasileiro – reproduzo mais abaixo. E resume o simbolismo do gesto:

 “O registro da candidatura de Lula é um ato de obediência à vontade do povo e à Constituição Federal”.

Gleisi mostra o registro da candidatura Lula à Zomália Santos, do MST de Rondônia, uma das mulheres do grupo em greve de fome – Foto: Julio Dolce

Antes dele, e Dilma, e Gleisi, e Manuela, falam as grevistas e os grevistas em jejum há 16 dias, naquele fim de tarde. Alguns, como Frei Sérgio Görgen e Gegê, não conseguem subir ao carro de som, e um microfone é levado até eles, no solo.

Mas, para espanto de quem, como Euzinha e Elma estivemos com eles na noite anterior, o pernambucano Jayme Amorim, líder dos sem-terra sobe ao palanque e com voz absolutamente firme, dá seu recado de que é preciso derrotar o golpe, com garra e resistência.

De onde vem a força que move estas pessoas?

A força vem da luta, da convicção, responde o próprio Amorim. Quando não há mais como suportar a canga da injustiça. Quando a liberdade e a justiça são os propósitos a serem conquistados.

Eis o sentido e a mística da marcha.

“Só marcha, e se dispõe a marchar, o povo que sonha e luta. E quem marcha, um dia triunfará.”

Para chegar às barracas armadas na parte de traz do carro-palanque, foi preciso abrir caminho para os carros na multidão, que saudava efusivamente os bravos e bravas companheiros/as.

Ninguém menos do que Gilberto Carvalho, ex-ministro-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, toma a iniciativa. No que é seguido por uma profusão de braços jovens, homens e mulheres, a fazer um cordão em torno dos veículos.

A humildade é virtude rara dentre aqueles que ascendem e experimentam o poder. E isso faz toda a diferença em determinadas lideranças, traço que a elite arrogante não consegue assimilar, quanto mais engolir.

Foi um dia glorioso, cravado com a energia coletiva em nossos corações.

Não, nossa gente não merece o açoite da indignidade no lombo, o frio das trevas, o asco do pântano, a espada do arbítrio sobre suas cabeças.

Se estamos a caminho do fim da estrada longa, tortuosa e acidentada, chegamos até aqui. A perseverança e a altivez dos trabalhadores sem terra e sem teto mostra a trilha e as armas.

E a energia contagiante da juventude álacre do Levante e do movimento feminista é o estimulante que impulsiona.

Tudo isso junto e misturado nos indica que, sim, temos sucessores e sucessoras na tarefa indispensável e revigorante da resistência.

Olho para minhas companheiras e vejo que trazem, como eu, o coração em disparada, quase a escapar pela boca.

Ainda agora, enquanto escrevo, posso ouvir a batucada do sangue em minhas artérias, e os olhos teimam em nublar-se.

Ando comovida como o diabo. Mas também se luta com coração.

Nem tudo é desmantelo, e tristeza, e abuso, e barbárie, e acinte nesta Terra Brazilis. O inferno não perseverá.

Sim, nós temos a força da esperança, a energia da criatividade, a firmeza da ideia e a certeza de estarmos do lado certo da História.

Eis a luz a nos guiar para o amanhã, que há de ser outro dia. Ainda que não estejamos mais aqui para desfrutá-lo.

Transcrevo a carta de Lula ao povo após o registro, a partir do sítio Lula.com.br:

“QUERO QUE O POVO POSSA DECIDIR SE ME DARÁ A OPORTUNIDADE DE CONSERTAR O PAÍS”

“Registrei hoje a minha candidatura à Presidência da República, após meu nome ter sido aprovado na convenção do PT, com a certeza de que posso fazer muito para tirar o Brasil de uma das piores crises da história. A partir dessa aprovação do meu nome pelas companheiras e companheiros do PT, do PCdoB e do PROS, passei a ter o direito de disputar as eleições.

Há um ano, um mês e três dias, Sérgio Moro usou do seu cargo de juiz para cometer um ato político: ele me condenou pela prática de “atos indeterminados” para tentar me tirar da eleição. Usou de uma “fake news” produzida pelo jornal O Globo sobre um apartamento no Guarujá.

Desde então, o povo brasileiro aguarda, em vão, que Moro e os demais juízes que confirmaram a minha condenação em segunda instância apresentem alguma prova material de que sou o proprietário daquele imóvel, que digam qual foi o ato que eu cometi para justificar uma condenação. Mas o que vemos, dia após dia, é a revelação de fatos que apenas reforçam uma atuação ilegítima de agentes do Sistema de Justiça para me condenar e me manter na prisão.

Chegou-se ao ponto em que uma decisão de um desembargador que restabelecia a minha liberdade não foi cumprida por orientação telefônica dada por Moro, pelo presidente do TRF-4 e pela Procurador-Geral da República ao Diretor-Geral da Polícia Federal.

Como defender a legitimidade de um processo em que conspiram contra a minha liberdade, desde o juiz de primeira instância até a Procuradora-Geral da República?

Sou vítima de uma caçada judicial que já está registrada na história.

Tenho certeza de que, se a Constituição Federal e as leis desse país ainda tiverem algum valor, serei absolvido pelas Cortes Superiores.

A expectativa de que os recursos apresentados pelos meus advogados resultem na minha absolvição no STJ ou no STF é o que basta, segundo a legislação brasileira, para afastar qualquer impedimento para que eu possa concorrer.

Não estou pedindo nenhum favor. Quero apenas que os direitos que vêm sendo reconhecidos pelos tribunais em favor de centenas de outros candidatos há anos também sejam reconhecidos para mim. Não posso admitir casuísmo e o juízo de exceção.

O Comitê de Direitos Humanos da ONU já emitiu uma decisão que impede o Estado brasileiro de causar danos irreversíveis aos meus direitos políticos – o que reforça a impossibilidade de impedirem que eu dispute as eleições de 2018.

Quero que o povo brasileiro possa decidir se me dará a oportunidade de, junto com ele, consertar este país.

A partir de amanhã, vamos nos espalhar pelo Brasil, nas ruas, no trabalho, nas redes sociais, mas, principalmente, olhando nos olhos das pessoas, para lembrar que esse país um dia já foi feliz e que os mais pobres estavam contemplados no orçamento da União como investimento, e não como despesa.

Cada um de vocês terá que ser Lula fazendo campanha pelo Brasil, lembrando ao povo brasileiro que, nos governos do PT, o povo trabalhador teve mais emprego, maiores salários e melhores condições de vida.

Que um nordestino que mora no Sul podia visitar sua família de avião e não somente de ônibus.

Que um pobre, um negro ou um índio podia ingressar na universidade.

Que o pobre podia ter casa própria e comer três vezes ao dia.

Que a luz elétrica era acessível a todos.

Que o salário mínimo foi aumentado sem causar inflação.

Que foi posto em prática aquele que a ONU considerou o melhor programa de transferência de renda do mundo, beneficiando 14 milhões de famílias e tirando o Brasil do Mapa da Fome.

Que foram criadas novas universidades e novos cursos técnicos.

Para recuperar o direito de fazer tudo isso e muito mais é que sou candidato a Presidente da República.

Vamos dialogar com aqueles que viram que o Brasil saiu do rumo, estão sem esperança, mas sabem que o país precisa resolver o seu destino nas urnas, não em golpes ou no tapetão.

Lembrar que, com democracia, com nosso trabalho, o Brasil vai voltar a ser feliz.

Enquanto eu estiver preso, cada um de vocês será a minha perna e a minha voz. Vamos retomar a esperança, a soberania e a alegria desse nosso grande país.

Companheiras e companheiros, o Moro tinha até hoje para mostrar uma prova contra mim. Não apresentou nenhuma! Fato indeterminado não é prova! Por isso, sou candidato.

Repito: com meu nome aprovado na convenção, a Lei Eleitoral garante que só não serei candidato se eu morrer, renunciar ou for arrancado pela Justiça Eleitoral. Não pretendo morrer, não cogito renunciar e vou brigar pelo meu registro até o final.

Não quero favor, quero Justiça. Não troco minha dignidade por minha liberdade.

Um forte abraço,

Lula”

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