As emoções de Brasília, em movimento pelo registro da candidatura Lula

por Sulamita Esteliam

A terça foi um dia emocionante, como tem sido desde o dia anterior, quando aportei em Brasília, a capital federal. Vim para acompanhar o registro da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, preso político na sede da Polícia Federal de Curitiba há quatro meses e sete dias.

Vim como militante, como cidadã e como blogueira. Mas, é também uma viagem afetiva, de reencontro com uma amiga-irmã mineira, Elma Almeida, que chamo de fada madrinha. Trabalhei com ela em Belo Horizonte, no Jornal de Casa, e na capital federal, na TV Bandeirantes.

Um reencontro com uma cidade que me acolheu desde o primeiro dia em que aqui pus os pés para um recomeço, no início dos anos 90.  E que de certa forma traçou a rota do resto dos dias da minha vida.

Aqui refiz meus passos profissionais. Aqui reencontrei um amigo de adolescência que ainda hoje é meu companheiro. Aqui fizemos e aqui nasceu nossa filha caçula.

Daqui partimos para o Nordeste numa viagem que parecia aventura, e que tornou-se o encontro de um novo lugar, a nossa nova maloca, nossa Macondo de coração, e que me deu quatro dos meus cinco netos e duas netas. É também por eles que estou aqui.

A véspera do dia em que o povo vai dizer ao mundo que quer Lula de volta para o Brasil ser feliz de novo, foi um dia muito especial.

Almoçamos comidinha mineira feita por Dorian Vaz – outra conterrânea, mas que só conheci nos tempos de planalto central – na casa da filha dela. Mariana, que é braziliense de boa cepa, e que conheci pivetinha, tem um canto aconchegante e cuida de nada menos do que sete gatos.

No início da noite, visitamos os companheiros em greve de fome pela liberdade de Lula. E também protesto contra a fome que está de volta em cada esquina de todas as capitais brasileiras. E pela democracia ausente em cada sopro da presença abusiva do Estado em desgoverno nas vidas da nossa gente.

Pessoas que entregam a segurança das próprias vidas por uma causa. É preciso coragem, além de desprendimento e determinação.

Seis dos sete grevistas – Leonardo, do Levante da Juventude Recife aderiu depois – estão sem qualquer alimento, que não seja água, e agora glicose, há 15 dias completados nesta terça-feira, 14 de agosto do ano de 2018.

Era início da noite quando chegamos ao local onde estão alojados, na Asa Norte, o Centro Cultural de Brasília, da congregação dos Jesuítas. Meio que constrangidas de, talvez, perturbar o descanso dos nossos heróis e heroínas.

Afinal, esta terça-feira foi intensa para os grevistas. Foi dia de audiência com a ministra Carmén Lúcia, presidente do STF.

Frei Sergio Görgen, 62 anos, fez parte da comissão da sociedade civil que acompanhou o Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Perez Esquivel, no encontro que durou mais de uma hora.

Desta vez, a digníssima não soltou seus cães de guarda nos postulantes. E teve que ouvir, segundo consta, impassível, muitas e boas da boca de Esquivel, que lembrou que Lula é preso político reconhecido até pela ONU.

Carol Proner, do coletivo Juristas pela Democracia, relatou as críticas do Papa Francisco ao Judiciário que se presta a decidir sobre a pressão da mídia. E entregou abaixo-assinado com 240 mil assinaturas de intelectuais e juristas de todo o mundo pela liberdade do ex-presidente brasileiro.

Numa cadeira de rodas, Frei Sérgio falou dos motivos de sua greve de fome e de mais seis companheiros, todos determinados a seguir com o protesto até que Lula esteja livre.  Não se esqueça a responsabilidade da Corte nesse processo.

A professora Beatriz Cerqueira, presidenta licenciada da CUT-MG e pré-candidata a deputada, representou os movimentos sociais e a Frente Brasil Popular.

Sintetizou os resultados do golpe: 28 milhões de desempregados e sub-empregados, 3 milhões dos quais em Minas; 12 milhões de famílias que voltaram ao fogão à lenha ou usar álcool para cozinhar; o congelamento dos recursos para a educação, a saúde; a entrega do pré-sal e da soberania do país.

O ator Osmar Prado perguntou quantos cadáveres ainda teremos por conta do golpe. Além das vítimas da mortalidade infantil, lembrou dona Marina Letícia, o reitor Luiz Carlos Cancellier e a presunção da inocência.

À noite, encontramos Frei Sérgio, visivelmente mais magro, com a cara boa de sempre. Estava na área externa do quarto coletivo que ocupam no CCB. Conversava com algumas visitas gaúchas.

Os demais do grupo estavam em atividade noturna externa, nos informou o médico gaúcho Ronald Wolff, que nos recebeu. Ele é o profissional permanente no grupo de três médicos populares que acompanham os grevistas. Barrou a saída do Frei para atividade externa na qual estavam os demais grevistas.

Jayme Amorim, coordenador do MST Pernambuco, dentre eles. Chegaram coisa de dez minutos depois da gente, amparados por cuidadores. E acompanhados por João Pedro Stédile, coordenador-Geral do MST, simpático e galhofeiro.

Ironizou, abrindo o sorriso, quando o cumprimentei pelo trabalho eficaz de mobilização e organização:

Bobagem. Isso é por que a gente é pago para fazer…

Amorim acenou para nós antes entrar no quarto, e ficou visivelmente emocionado quando Euzinha, à distância, disse que trazia o abraço do povo do Recife para ele. Esboçou um sorriso tímido e disse que retornaria para falar conosco. Retorqui que não precisava, que fosse descansar, mas em minutos estava de volta.

Nos cumprimentou, uma a uma. Depois, assentou-se por alguns minutinhos num banco disponível. Trocamos algumas palavras, e ele reconheceu que o sacrifício “não tem sido fácil, mas é preciso”.

Rapidamente pediu desculpas por ter que retirar-se, agradeceu a visita, e voltou para o quarto. Está bastante abatido, e alguns bons quilos mais magro. A barriga desapareceu.

Frei Sérgio, que é gaúcho, brincou:

– Vocês de Pernambuco adotaram de vez esse catarinense, não é?

Respondi:

– Verdade, embora eu também seja adotada; sou mineira.

Todos estão muito mais magros, por óbvio. Frei Sérgio perdeu 10 quilos, segundo o médico. Os demais, dentre os quais duas mulheres, um pouco menos. Todavia, do ponto de vista geral, estão bem, assegura:

“Aqui – pôs as mãos na cabeça – estão cem por cento. Daqui para baixo, tocou os ombros, estão 30%. Os músculos já dispendem a reserva de proteína. Nossa tarefa é impedir que aqui se comprometa” – repetiu o gesto que simboliza a atividade cerebral;

Pergunto quanto tempo eles podem aguentar:

“A nomeclatura diz que até 100 dias, mas não se tem notícias de quem tenha chegado a tanto.”

Ronald nos conta que a rotina dos grevistas inclui as idas diárias ao STF, à frente do qual o movimento social tem montada uma barraca permanente. Pela manhã, há o banho de sol e, aqueles que se dispõem, fazem alongamento, massagens dentro dos princípios de ponteamento da medicina chinesa, recebem aplicação de Reiki.

As visitas são frequentes, mas exigem atenção redobrada para que as manifestações de afeto e solidariedade se deem dentro de certos limites. Não se pode esquecer, os sete estão com a imunidade comprometida.

Mas há dias mais felizes do que outros. Quando, por exemplo, no aniversário do Gegê, o grevista mais velho, que completou 69 anos esta semana. Com direito a visitante ilustre: ninguém menos do que Chico César, seu irmão mais moço.

Claro que houve houve cantoria, e todos ficam um tantinho mais animados.

Quanto a nós três, deixamos com eles um pedaço de nossa alma. E a certeza, como disse Elma, de que nada que a gente faça, por mais que faça, pode chegar perto desse ato de doação.

Nesta quarta, todos estaremos no ato de registro da candidatura de Lula à Presidência pela sexta vez, desde 1989.

O ato por Lula Livre em frente ao Tribunal Superior Eleitoral começa por volta das 16:00 horas, e inclui um coral de milhares de vozes cantando Anunciação, do pernambucano Alceu Valença. A repetir a performance mineira do domingo na Feira “Hippie” de Beagá.

 Tu vens, tu vens/eu já escuto teus sinais…

Duas horas antes, do Parque da Cidade, a Marcha Lula Livre que aportou no Plano Piloto na noite da segunda-feira, vinda de vários pontos do entorno do Distrito Federal, desde o dia 10, caminha em direção à Esplanada dos Ministérios até o Itamaraty. De lá, dobra à direita e segue direto para o TSE.

Outras colunas vão se somar ao núcleo principal, a partir de diferentes pontos de Brasília. Como de São Sebastião, onde me aconhego, com carreata saindo da Esquina Democrática, após ato local, em direção à Esplanada.

São atos pacíficos e cidadãos, que dispensam o concurso da provocação barata do ocupante do dito Ministério da Segurança Pública, de triste figura, a convocar oficialmente a presença da Força Nacional e da Polícia Militar do DF para “as manifestações de agosto”.

Na minha terra isso tem nome.

 

7 comentários

  1. Foi a primeira vez que mantive contato com grevistas de fome.O alimento este componente vital de todos os seres neste planeta. Como eles estão reagindo à falta de alimento? Estou muito emocionada com o gesto dos grevistas. Ele coloca um tom mais greve à tragédia que se abateu sobre nosso país…

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