
por Sulamita Esteliam
Custei a crer no que a foto esfregava nos meus olhos, logo ao despertar, dia nascendo. Deixei a manhã tomar fôlego para comentar meu espanto com o administrador da página do Alto Sustentável, coletivo ambiental, no Instagram. Hamon Dennovan é amigo da família, e consultei-o sobre a possibilidade de repostar foto e texto aqui no blogue. Obrigada pela confiança.
No final de junho completo 23 anos de moradia no Recife. Devo confessar que poucas vezes fui para as bandas do Arruda, quando o fiz foi de passagem, a trabalho. Bairro popular ao norte da cidade, abriga o Estádio José do Rego Maciel, o famoso “Mundão do Arruda”, templo da fiel torcida do Santa Cruz.
O lugar tem história que antecede o início do século, chamava-se Estrada Nova, mas ganhou o sobrenome do seu primeiro feirante, um português que lá instalou a primeira banca de frutas e verduras, nos arredores de onde hoje é o estádio. É o que nos conta texto no sítio da Fundação Joaquim Nabuco.
Berço de numerosas troças e folguedos, é absolutamente incompreensível que seu maior tormento tenha a própria idade do local, habitado por cerca de 14 mil pessoas, maioria alfabetizada e negra, lares sobre comando majoritário de mulheres, segundo dados oficiais: a falta de saneamento básico, além da ausência de calçamento nas ruas, tormentos, sobretudo, a cada inverno, que no Nordeste se traduz em chuvas.
O Arruda é atravessado pelo Canal de mesmo nome, com extensão de quase quatro quilômetros, e que recebe resíduos sólidos de vários bairros da Zona Norte, no perímetro da bacia do Vasco da Gama.
Todos os anos, segundo a Prefeitura do Recife, o processo de limpeza dos 99 canais que cortam a cidade, como veias abertas,,começa, em janeiro, e o Canal do Arruda é uma das prioridades. Dele são retirados, em média, cerca de 4,5 toneladas de lixo nos dois primeiros meses do ano.
As intervenções urbanizadoras, informadas pela administração do município, como instalação de tanques coletores, capina e calçamento das margens, não têm resolvido o problema.
Talvez seja o caso de uma campanha educativa, que envolva não apenas a comunidade, mas toda a cidade. Até porque, o Arruda não é o único canal-problema no Recife.
Na verdade, as ações parecem inacreditáveis, quando se olha para a foto acima e abaixo.
Imagem e texto obrigam a uma reflexão importante, absolutamente necessária sobre a natureza humana, o uso e a manutenção do espaço público, a transparência e a responsabilidade coletiva e de cada um.
Ao observar essa fotografia, pensamos: quem é responsável por isso? Pois bem. Somos todos responsáveis e esses resíduos sólidos poderiam ser destinados a cooperativas que “colocam” alimento na mesa de muita gente sofrida, podendo fechar o ciclo desses resíduos sólidos, preservando muito do nosso meio ambiente, levando a uma economia em diversas áreas importantes para nosso município, como é o caso do turismo local, da geração de renda para família pobres, diminuição das filas dos postos de saúde, etc. Por tanto a solidariedade se limita em sua maioria a doações midiáticas de grupos oportunistas. Esses resíduos não vêm só dá massa pobre das periferias, vem de toda cidade através da falta de consciência ambiental que trafega nas ruas e vai parar nos canais. Mas sabemos que em regiões de interesse social e econômico dificilmente veríamos tamanho descaso, nesse trecho do bairro do Arruda vivem pessoas humildes e de pouca informação que apenas são notadas quando fotos e notícias viralizam. Esse problema vem de décadas e vez ou outra é noticiado e comove parte de uma população que é culpada por esse descaso. Pessoas que se apossam da luta para se autopromover. Quando a população perceber que os problemas da cidade são da cidade e que somos afetados todos os dias por esses problemas, começaremos a sair dessa inércia diária e notícias como essa serão diariamente exposta e verdadeiramente combatida para erradicação dessa problemática. A romantização da luta ambiental está manipulando a opinião pública e amanhã essa notícia será apenas mais uma notícia. A página vira e o povo adormece novamente. A culpa é de quem?
Foto: @filiperamos27
Texto: @hamondennovan
Grande Tia Sula, na qual tenho total liberdade de chamar. Minha amiga e tia, que escreve tão bem e é tão antenada aos outros atores sociais.
Essa tal Mineira é arretada demais.
Que bom que gostou, meu querido! Obrigada pela confiança e pelo carinho.